quarta-feira, março 26, 2014

Os riscos (?) políticos de uma revisão constitucional contra um bloco central alargado à direita

O PSD-Madeira deverá formalizar em Abril a apresentação, na Assembeia da República, de uma proposta de revisão constitucional que terá por base uma iniciativa social-democrata aprovada sob a forma de resolução na Assembleia Legislativa da Madeira em Junho de 2013.
Inicialmente a proposta do PSD da Madeira teria uma dimensão meramente regional, com prioridade às questões autonómicas. Depois do PSD nacional, no Congresso de Fevereiro deste ano, e pela voz de Passos Coelho, ter recusado avançar com essa iniciativa - posição semelhante a do CDS - e com o PS algo distante desse processo, esta decisão do PSD da Madeira coloca riscos políticos que podem ser complexos.
Explico.
O poder de revisão constitucional é reserva dos deputados da Assembleia da República, podendo a  Assembleia da República  rever a Constituição decorridos cinco anos sobre a data da publicação da última lei de revisão (revisão ordinária). Pode também, em qualquer momento, assumir poderes de revisão extraordinária por maioria de quatro quintos dos Deputados em efetividade de funções.
É sabido que a Constituição de 1976 foi objecto de sete processos de revisão: em 1982, 1989, 1992, 1997, 2001, 2004 sendo a sua última revisão efectuada em 2005. Aquela que seria a 8ª revisão, iniciativa do PSD, acabou por não se concretizar devido à dissolução do Parlamento em Março de 2011, depois da demissão do governo de Sócrates em consequência da falência do país e do pedido de ajuda externa à troika.
A revisão de 2005 foi 'cirúrgica', limitada ao aditamento de um único artigo para permitir a realização de um referendo sobre a aprovação de um tratado que vise a construção e o aprofundamento da União Europeia. Também em Abril de 2004 teve lugar a sexta Revisão Constitucional, uma das menos profundas de todas as alterações efectuadas até hoje.
Recordo que a revisão de 2004 ficou marcada pelo "aprofundamento das autonomias regionais, tendo sido objecto de prolongadas negociações entre a maioria PSD/CDS-PP e o PS, que acordaram matérias como a ampliação e clarificação dos poderes legislativos das Assembleias Regionais dos Açores e da Madeira e a extinção da figura do ministro da República.
Diz a Constituição que "a Assembleia da República pode rever a Constituição decorridos cinco anos sobre a data da publicação da última lei de revisão ordinária" e que "apresentado um projecto de revisão constitucional, quaisquer outros terão de ser apresentados no prazo de trinta dias".
Segundo a Constituição, "as alterações da Constituição são aprovadas por maioria de dois terços dos Deputados em efectividade de funções" acrescendo o facto de que "o Presidente da República não pode recusar a promulgação da lei de revisão".
Mais. Garante a própria Constituição que "a Assembleia da República pode rever a Constituição decorridos cinco anos sobre a data da publicação da última lei de revisão ordinária". Ou seja, bastará a inclusão de um único artigo, a reboque de uma revisão constitucional, diria mesmo que bastará a inclusão de uma mera alínea para que o processo de revisão da lei fundamental fique imediatamente bloqueado por cinco anos.
Ora residem exactamente aqui os riscos políticos de uma proposta de revisão constitucional condenada ao fracasso. Para o PSD da Madeira (e Alberto João Jardim) é uma opção política, mas sinceramente acho que não podemos, nem devemos nesta conjuntura, andar a queimar eventuais oportunidades, quando se sabe de antemão que o processo estará condenado ao fracasso devido à conciliação de interesses entre PSD, PS e CDS. O que não invalida novas iniciativas é certo - caso não seja alterada uma vírgula que seja à lei fundamental, na sua versão actual - mas mantendo-se estes estranhos "temores" de um bloco central alargado à direita, podemos esbarrar com situações que, de um momento para outro, podem penalizar as autonomias. Basta que em Lisboa nos queiram passar uma resteira ou, por exemplo, resolvam introduzir a chamada regra de ouro que imponha limites ao endividamento e, mais concretamente, ao défice orçamental. Tenho a clara sensação que esta conjuntura não favorece a afirmação autonómica no seio da República, o que não deve ser desvalorizado em qualquer análise política que seja feita a uma iniciativa de revisão constitucional que só pode ser apresentada na Assembleia da República pelos quatro deputados do PSD regional.