“Na
edição de 23 de Fevereiro, o PÚBLICO exibia uma foto enternecedora. Comovente.
Altas figuras do Estado riam à gargalhada. Não tenho nada contra as gargalhadas
dos políticos e do poder. Antes ao contrário. A gargalhada é sinal de alegria,
relação bem disposta e equilibrada com a vida. Se os políticos e governantes
soltam gargalhadas, estão bem. Felizes e contentes da vida privada e pública.
Se eles estão, também o Povo está.
Haveria
uma relação causa/efeito entre a gargalhada política e a gargalhada popular.
Mas não é assim. Felizes estavam os políticos e séquito do Coliseu dos
Recreios, no congresso do PSD. Só eles têm, politicamente, vontade de rir. Os
detentores do poder, grande poder, médio poder, pequeno poder. Os que já o têm
e os que o vão ter. Sem cortes nas reformas, com benesses e sempre garantido, a
seu tempo, um lugar muito bem pago na Europa que é de todos. Ou deles?
Tanto
riram à gargalhada que não tiveram espaço para discutir fosse o que fosse de
relevante. Nada disseram ao País que está bem, nem ao Povo que está mal.
Discutiram
ressentimentos, choraminguices, bajularam-se uns aos outros, distribuíram
lugares, a colher nas eleições e fora delas.
Há
o palco mediático para os cargos de eleição. O grande poder. Há os corredores e
os bares do Coliseu para lugarzinhos “mal” pagos. Médio e pequeno poder.
Recados para aqui e para ali Recuperaram proscritos do dia de ontem.
Ficámos
a saber o que sabíamos. Os lugares em Estrasburgo, na Gomes Teixeira, em Belém.
Sem
a gargalhada, a distribuição de lugares e o perdão ao aluno da Lusófona, seriam
um vazio. Nada. Um deserto.
O
som das gargalhadas ofuscou e calou a sagrada Reforma do Estado. Esta são as
três centenas de milhares de emigrantes em dois anos. Os 800 mil desempregados.
Os dois milhões e tal de portugueses que vivem no limiar da pobreza. Os que
ficam sem casa por não terem capacidade financeira para pagar as prestações aos
bancos que as vendem, com “sucesso”, à razão de 30 por dia.
Vivemos
“acima das nossas possibilidades”. Com salários, reformas e pensões sempre mais
rapados. E mais impostos.
O
povo português não tem alma, nem ideias, sentimentos, projectos, ambições, direitos e deveres, futuro. Tem de viver em
tormento. É uma cobaia enjaulada nos
quadradinhos das folhas de Excel.
O
Estado não tem nada a ver com isso. Está melhor. E ri. Os bancos também, à
gargalhada. Quando têm lucros, são deles. Os prejuízos, nossos. O Estado, que
está bem, mete lá uns milhões e ficam todos melhor. Como o Banif, onde o Estado
tem 99% do capital mas quem lá manda é o banco. Só que o dinheiro do Estado é
nosso que lho confiamos em impostos para gerir a coisa pública. Não para o
enterrar nos bancos falidos.
Pagamos,
eles mandam e gastam. Riem à gargalhada.
A
Caixa Geral de Depósitos tem prejuízos de muitos milhões desde 2011. O Senhor
Presidente brinca, ri: “ A caixa dará lucros quando o Benfica for campeão”. A
CGD é o banco do Estado, o administrador ri com os prejuízos. Ninguém pede e
presta contas. O Governo despede funcionários competentes. Mantém administradores
e gestores incompetentes.
O
País, que somos nós, sofre o terrorismo da austeridade, suporta uma carga
fiscal obscena. Os poderes político e financeiro riem de nós. Às gargalhadas!”
(texto de António Pinto Nogueira, Procurador Geral-Adjunto, Público com a
devida vénia)