domingo, maio 23, 2010

Sol: "Escutas contradizem Sócrates"...

O Sol insiste na edição deste fim-de-semana na polémica das escutas num texto da jornalista Ana Paula Azevedo: “as respostas do primeiro-ministro às 74 perguntas da Comissão de Inquérito revelam muitas incongruências – que se multiplicam quando se cruza a sua versão com os resumos das escutas telefónicas do processo Face Oculta que o SOL divulgou em Fevereiro e a que a Comissão teve acesso, mas recusa usar Sócrates diz que só soube a 25/6, à noite... O primeiro-ministro respondeu aos deputados: «Até ao dia 25 de Junho de 2009, à noite, nunca me foi prestada qualquer informação sobre a compra pela PT de uma participação social minoritária na Media Capital, não obstante o assunto ter sido objecto de notícias nos meios de comunicação social – cujo fundamento desconhecia – e de a PT e a Media Capital terem remetido à CMVM comunicados sobre as negociações em curso. Assim, fui pela primeira vez informado no dia 25 de Junho, no decurso de um jantar [com empresários, em casa de Manuel Pinho, ministro da Economia], pelo presidente do Conselho de Administração (CA) da PT [Henrique Granadeiro], que me transmitiu que tinham existido conversações entre a PT e a Prisa sobre a Media Capital mas que o assunto não tinha sequer sido agendado para o CA da PT realizado nesse mesmo dia e que não considerava o negócio oportuno». Nas escutas, porém, Rui Pedro Soares, administrador executivo da PT, e Paulo Penedos, seu assessor jurídico, falam do negócio em curso, com múltiplas referências directas a Sócrates (que igualmente designam como «chefe»). Começam logo no dia 28/5/2009: «Paulo Penedos diz a Américo Thomati [presidente do Taguspark] que está muito curioso com o que vai dar esta m... da TVI. O Zeinal já arranjou maneira de, não dizendo que não ao Sócrates, fazer a operação em termos que ele nunca aparece. Explica que vão passar uns fundos para Londres».
... mas já decidira,_na tarde de 25/6, que_o negócio não se fazia
Outro ponto fundamental é o ‘chumbo’ do negócio, que José Sócrates explica assim: «No dia 25 de Junho de 2009, da parte da tarde, falei com o senhor ministro das Obras Públicas [Mário Lino] e decidimos que este transmitiria ao presidente do CA da PT que o Governo não concordava com a realização do negócio, de modo a que não houvesse a mínima suspeita de que, por influência do Governo, a compra de parte da TVI se destinava a alterar a linha editorial desta estação de televisão. Esta decisão foi tomada em função da avaliação que na altura fizemos do impacto e do alarme público motivado pelas suspeições que foram lançadas no âmbito da controvérsia política gerada em torno deste assunto, em especial no seguimento da entrevista à televisão dada pela então líder do maior partido da oposição, na noite do dia 24, e da intervenção do senhor Presidente da República, na manhã do dia 25. A comunicação da oposição do Governo ao negócio foi feita pelo ministro das Obras Públicas no dia seguinte, 26 de Junho, ao início da manhã». E Sócrates vinca ainda: «As relações com a PT estabelecem-se através do ministro com competência na área das comunicações, que para o efeito se relaciona directamente com o presidente do CA da PT (...)»
«Sou amigo do dr. Rui Pedro Soares e conheço-o há, sensivelmente, meia dúzia de anos. (...) Não me recordo de ter jantado com o dr. Rui Pedro Soares em Junho de 2009, mas nunca abordei com ele matérias respeitantes a uma possível aquisição por parte da PT de uma participação no capital social da Media Capital (...) Não me reuni com [ele] a 25 de Junho na sede nacional do PS».
A leitura dos resumos das escutas leva a conclusões contrárias. A 19/6, ao telefone com Penedos, «Rui Pedro Soares diz que vai jantar com o 1.º. Vai-lhe indicar a data para a inauguração do call center de Santo Tirso». Três horas e meia depois, conta a Penedos: «Rui Pedro Soares diz que esteve com o chefe, que estava bem disposto. Rui Pedro diz que têm três ou quatro dias para fecharem isso. Só há uma alteração de planos. Tem que ser a PT explicitamente a fazer a operação. Rui Pedro diz que o chefe lhe pediu para ir para lá três meses. O Chefe disse que é tudo ou nada, e que não pode ficar com fama e ficar sem o proveito. Disse-lhe para pensar bem, mas que está disponível para o que ele quiser. Paulo Penedos diz que perante uma coisa dessas disparada à queima-roupa, não podia dizer outra coisa».
A 22/6, «Rui Pedro diz [a Penedos] que vai ter com o [Mário] Lino às 9h30». Já na madrugada de 24/6: «Rui Pedro refere que disse ao Sócrates que tem noção que andam nisto há 10 meses e que só nos últimos dias é que... Paulo Penedos diz que é verdade, mas que enquanto esteve com pessoas da confiança dele, directa ou indirectamente, nada se soube. Rui Pedro diz que o chefe lhe perguntou se não era melhor correrem com o gajo (Moniz) antes de eles (PT) entrarem e que lhe respondeu que não, porque têm um grande pára-choques para ele (chefe). Paulo Penedos acha que, custe o que custar, em termos de dinheiro para pôr no negócio, o gajo (Moniz) devia sair confortável para estar calado».
Já a 25/6, por volta da meia-noite: «Penedos pergunta a André Figueiredo [chefe de gabinete de Sócrates no PS] se ele há bocado esteve com o chefe e com o Rui ou se eles estiveram sozinhos. André responde que esteve lá um bocado e depois saiu, porque ele estava também com o Vieira da Silva e com o Augusto a ver outras coisas... Paulo Pergunta se o chefe estava calmo, ao que o André responde que sim, estava calmo, mas estava um bocado preocupado"
PT fez comunicado_à CMVM a 23/6, mas Sócrates diz que só soube a 24/6
«Tomei conhecimento desse comunicado da PT no dia 24 de Junho de 2009, já depois do debate parlamentar» – respondeu o primeiro-ministro quando questionado sobre o comunicado da PT à Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), feito no dia 23/6, na sequência de notícias nos jornais sobre o negócio e em que a operadora confirmava a existência de contactos com os espanhóis da Prisa com vista à compra de uma participação na Media Capital (a empresa da TVI).
Nunca falou_com Zapatero
«Nunca falei com o senhor presidente do Governo de Espanha, José Luís Zapatero, a respeito de questões envolvendo a disponibilidade da Prisa alienar parte do capital social da Media Capital, designadamente à PT. E aproveito para esclarecer que também nunca falei deste assunto, pessoalmente ou pelo telefone, com o Rei de Espanha». Nas escutas, à hora de almoço do dia 24/6, «Paulo Penedos diz ao Rui Pedro que o Soares Carneiro [administrador executivo da PT] lhe disse que o negócio estava feito pois ontem à noite o Zapatero tinha falado com Sócrates».
Já tinha decidido vetar, mas não disse nada a Granadeiro
«Apesar da informação prestada pelo presidente do CA da PT [Henrique Granadeiro], na noite do dia 25, a comunicação da tomada de posição do Governo [que ocorreu na manhã de 26] manteve toda a sua pertinência, em especial depois de o engenheiro Zeinal Bava, presidente da Comissão Executiva da PT, ter dado nessa mesma noite de 25 de Junho de 2009 uma entrevista a uma estação de televisão em que defendeu o negócio à luz do interesse estratégico da PT (...)».
Ou seja, Sócrates assume assim que decidiu vetar o negócio ainda antes de o conhecer formalmente pela PT. E ao mesmo tempo diz que, apesar de na tarde de 25/6 já ter decidido o veto com Mário Lino, quando foi jantar com Granadeiro e este lhe explicou tudo, à noite, não lhe contou nada sobre essa decisão. Sócrates explica esta actuação da seguinte forma: «Aquele não era o momento, nem o local próprio, para o fazer e porque competia ao ministro competente em razão da matéria transmitir a posição do Governo». Em contradição com esta versão, as escutas revelam que, mal terminou o debate parlamentar da tarde de 24/6 – em que Sócrates negou de forma veemente conhecer o negócio –, Rui Pedro Soares pediu a Paulo Penedos para ir «aos estatutos da PT e ver em que circunstâncias é que a golden share [do Estado] tem de dar parecer». À noite, Penedos interpela Rui Pedro: «Não querendo fazer perguntas inconvenientes, só uma questãozinha... o Henrique chegou a ir lá? Rui Pedro responde: esse é o problema, não estou a pedir para não o receber. Ele recebeu-o sozinho e isso já está em todos os jornais». No dia 25, pelas 20h, Rui Pedro já sabia do veto: diz claramente a Penedos que «Sócrates não quer o negócio» e que vai ter de «contar ao Zeinal», assim que este saísse da RTP, onde estava nesse momento a dar uma entrevista a Judite de Sousa e a defender as virtudes do negócio. Minutos depois, Penedos conversa com alguém não identificado e conta-lhe: «Pelo Governo, o negócio não se fará».
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