sexta-feira, junho 27, 2008

Catalunha (IV)

"CONTEXTO ACTUAL
Isto leva-nos ao contexto actual da autonomia política da Catalunha, que passa fundamentalmente pela manifestação do novo limite estatutário aprovado faz dois anos. A experiência diz que este é um processo tão ou mais difícil que o do estabelecimento estatutário do próprio limite de competência, especialmente com a persistência da concepção centralista do Estado, tanto da oposição ao Governo do Estado como nas estruturas ministeriais e no próprio partido do Governo. E é neste sentido que torna-se preocupante gestos como o adiamento temporal por parte do Governo do seu compromisso de publicar as balanças fiscais autonómicas. Um compromisso assumido pelo Parlamento e fixado numa data concreta pelo próprio Presidente do Governo do Estado em sede parlamentária. Mas a ponto-chave a curto e médio prazo passa por duas questões prioritárias:
1) O acordo para um novo modelo de financiamento, com data de 9 de Agosto, prazo fixado pelo próprio Estatuto.
2) Os recursos interpostos contra o Estatuto no Tribunal Constitucional.
O FINANCIAMENTO
O passo imediato é o lançamento do novo modelo de financiamento incluído no Estatuto. Tal como diz a disposição final 1ª, deve-se concretizar antes de 9 de Agosto a aplicação dos preceitos do título VI, referente às finanças da Generalitat. O governo, a oposição, sindicatos, patronais, todos na Catalunha entendem que o que foi pactuado no Estatuto é de cumprimento obrigatório e que não existem causas que justifiquem o não cumprimento deste pacto, aprovado pelas Cortes do Estado e referendado pelo povo da Catalunha. Um novo modelo que, como indica o estatuto, deve garantir que a aplicação dos mecanismos de nivelamento não altere em nenhum caso a posição da Catalunha na ordenação das rendas per capita entre as comunidades antes do nivelamento. Critério mais que razoável que hoje não se cumpre.Um novo modelo que, como disse também o Estatuto, responda às novas realidades como a que representa a imigração, com forte incidência na prestação de serviços em nosso país. Um novo modelo, enfim, que reduza o deficit fiscal que sofre Catalunha ano após ano. Na Catalunha, todos entendem que é necessário estabelecer um novo modelo de financiamento, por que assim diz a lei e por que de facto Catalunha necessita. As cifras e os argumentos de peso são mais do que suficientes para não duvidar.
(…)
É significativo que depois de 28 anos do estado das autonomias, as comunidades autónomas de regime foral apresentem um financiamento claramente superior ao do resto das autonomias. O sistema de acordo tem demonstrado que funciona, e funciona muito bem para as comunidades autónomas que desfrutam dele. O regime comum somente tem gerado uma falsa igualdade que trava a competitividade das comunidades autónomas que criam mais recursos. Urge fazer correcções a este modelo cumprindo com o que diz a lei, com o que diz o Estatuto de Autonomia. É para dar resposta às necessidades financeiras da Catalunha que a médio e a longo prazo aparecem as propostas do acordo económico, ou daqueles que, a olhar para o futuro, não propõem nenhum outro modelo mais do que o próprio de um Estado independente, e portanto, com financiamento próprio. Porque, de facto, o deficit fiscal, que alguns chamam espoliação fiscal, é o ponto-chave de um conjunto de deficits que a muitos anos assolam a Catalunha, gerando o que poderíamos classificar de insustentável dívida social, ou dívida de um país, em nome de uma mal entendida solidariedade.
Neste sentido, o deficit fiscal é um peso, um peso para:
. a competitividade
. o cumprimento dos objectivos da administração do governo catalão.
. as condições sociais da Catalunha
Uma das definições de deficit é “falta ou escassez de alguma coisa que se considera necessária”. Como consequência das falhas de financiamento, durante os últimos anos Catalunha tem sofrido deficit de infra-estruturas, de investimentos estatais, deficit na atenção sanitária, deficit nas creches, e uma longa lista de deficits de políticas sociais que muitas vezes contam com a lei aprovada para tentar oferecer soluções, mas que não contam com o financiamento para executá-las. As mais de um milhão e trezentas mil pessoas em situação de risco de pobreza na Catalunha mostram as profundas desigualdades sociais e económicas do nosso país. O fracasso permanente, o muro que se encontra na hora de corrigir estas desigualdades é fruto, sem querer negar outras possíveis causas, das limitações económicas que enfrenta a política social de igualdade e de bem-estar na Catalunha.
OS RECURSOS NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
O outro grande ponto de atenção (e de tensão) política, são os recursos contra o Estatuto no Tribunal Constitucional. É difícil entender, desde Catalunha, que haja margem para uma nova interpretação restritiva do texto estatutário depois de haver superado o trâmite nas Cortes e depois de haver sido aprovado em referendo pelo povo de Catalunha.E ainda mais com o aval de constitucionalidade que deram, a partir de diferentes âmbitos e em momentos chave do procedimento, tanto o Conselho Consultivo como o Instituto de Estatutos Autonómicos, bem como os letrados do Parlamento e do Congresso dos Deputados. Na Catalunha há nestes momentos uma certa preocupação frente a possibilidade de que o Tribunal Constitucional reinterprete novamente, para baixo, os artigos do Estatuto de Autonomia, já que isto poderia gerar uma grave crise institucional cheia de interrogações. De certa maneira, introduziria dúvidas sobre a lógica do sistema político institucional do Estado, com as consequentes repercussões que poderia gerar na confiança da cidadania em relação a um Estado que colocaria em contradição as próprias instituições e a expressão democrática fundamental da vontade dos cidadãos". (E. Benach, Funchal, 26 de Junho de 2008)

Sem comentários: