sexta-feira, julho 03, 2020

Retrato: 10 números que ilustram a delicada situação que a TAP vive

A pandemia da Covid-19 mudou o destino da companhia aérea portuguesa. Os vários cenários em cima da mesa neste momento apontam para a possibilidade de nacionalização, conforme já avisou o Governo, ou para a saída de um dos acionistas privados da empresa, David Neeleman. Estes 10 números ajudam a compreender a delicada situação que a transportadora aérea vive.
1 – A companhia aérea registou 395 milhões de prejuízos no primeiro trimestre, devido à pandemia de Covid-19, o que veio agravar a situação financeira da companhia aérea. Em 2019, a TAP registou prejuízos de 105,6 milhões de euros, um valor em linha com os 118 milhões de euros registados em 2018. O prejuízo registado em 2019 deve-se ao “investimento de mais de 1,5 mil milhões de euros, incluindo a compra de 30 aviões novos que permitiu a renovação de 70% da frota de longo curso”, justificou a empresa.
2 – A TAP tem uma dívida total de 3,3 mil milhões de euros, conforme revelou o ministro Pedro Nuno Santos no Parlamento a 19 de maio. Este valor divide em mil milhões de euros de dívida financeira líquida e 2,3 mil milhões de euros relativos a dívida derivada dos contratos de leasing dos aviões. Na altura, o governante apontou que a exposição do Estado à dívida da TAP é de cerca de 200 milhões de euros, apontando que esta exposição foi reduzida depois de o Estado ter renegociado com os bancos credores.
3 – A Comissão Europeia aprovou um empréstimo de 1.200 milhões de euros do Estado português à TAP a 10 de junho. Esta decisão autorizou o Governo português a conceder o empréstimo sujeito a um reembolso ao fim de seis meses. Caso a TAP não pague tem de apresentar um plano de reestruturação ao fim de seis meses. Na terça-feira, o ministro das Infraestruturas revelou que o acordo proposto pelo Estado para injetar 1.200 milhões de euros na empresa tinha sido chumbado no conselho de administração da empresa, após os administradores executivos nomeados pelos acionistas privados terem-se abstido na votação, o que levou ao chumbo da proposta por precisar de maioria qualificada. Depois do chumbo, Pedro Nuno Santos avançou que o Governo iria avançar com uma proposta aos acionistas privados. “Ainda vamos submeter a proposta ao nosso sócio privado e esperar que ela seja aceite ou então aceitar uma proposta que encontre uma saída acordada para uma situação negativa para todos, uma saída que garanta paz à TAP e evite qualquer litígio futuro”, afirmou. Sobre a negociação deste plano de reestruturação, o presidente da comissão executiva da TAP avisou a 23 de junho que Bruxelas vai adotar uma postura “dura” com a empresa. “Eu não espero nada menos de que uma Comissão Europeia extremamente dura com a TAP, preferia que fosse diferente”, afirmou hoje Antonoaldo Neves no Parlamento, apontando para outras companhias aéreas que foram obrigadas a cortar muitas rotas por Bruxelas. O gestor avisou na altura que a companhia aérea não vai conseguir pagar o empréstimo de 1.200 milhões de euros no espaço de seis meses. “Não temos condições de pagar a dívida a seis meses. Nenhuma companhia aérea tomou empréstimos para pagar a seis meses”, afirmou. “Não tenha dúvidas que a comissão executiva não vai aceitar que a Comissão Europeia defina o destino da TAP. Vamos brigar até ao fim para que a Comissão Europeia nos trate como outras companhias aéreas”, avisou Antonoaldo Neves em audição no Parlamento a 23 de junho.
4 – A TAP apresentou capitais próprios negativos de 600 milhões de euros no final de 2019. Esta foi alias a razão pela qual a Comissão Europeia rejeitou aprovar auxílios para a TAP ao abrigo do quadro temporário, isto é, os apoios previstos por Bruxelas para as companhias aéreas europeias afetadas pela pandemia da Covid-19. “A TAP, que enfrentava dificuldades já antes do surto do coronavírus (ou seja, em 31 de dezembro de 2019), não era elegível para receber apoio ao abrigo do Quadro Temporário relativo aos auxílios estatais da Comissão”, disse um porta-voz da Comissão Europeia a 25 de junho. Um dia antes, o presidente do conselho de administração da TAP tinha garantido que Lisboa tinha defendido os interesses da empresa junto de Bruxelas. “É evidente que o Estado defendeu os interesses da TAP do primeiro ao último minuto”, argumentou Miguel Frasquilho a 25 de junho. “A Comissão Europeia tem as contas da TAP, olha para o balanço e vê um grupo que tinha 600 milhões de capitais próprios negativos no final de 2019”, destacou então o gestor em audição na comissão parlamentar de economia. “Há todo um historial que leva a qualificar a TAP como um grupo em dificuldades, não vejo como nos podemos espantar. A Comissão Europeia considerou ser a TAP uma empresa com dificuldades”, apontou. “Um dos requisitos essenciais é a empresa não poder ser classificada como uma empresa em dificuldades no final de 2019. Foram feitas várias tentativas de evitar a reestruturação”, garantiu. O chairman da TAP admitiu que o empréstimo do Estado português no valor de 1,2 mil milhões de euros é “volumoso”, mas apontou para os exemplos de outras companhias aéreas europeias que vão receber apoios relevantes: Lufthansa, nove mil milhões de euros; Air France, sete mil milhões; KLM, quatro mil milhões.
5 – A companhia prevê a redução da sua frota. A TAP anunciou a saída de seis aviões (um A321, um A320, três A329 e um E190) que terminam contrato este ano. “Para além destas, estão a ser estudadas saídas adicionais de aeronaves por forma a alinhar com o plano de frota atualmente em revisão”, anunciou recentemente a companhia. A companhia aérea portuguesa tinha previsto chegar ao final de 2019 com 88 aviões, mas superou esta marca, atingindo as 105 aeronaves. O presidente do conselho de administração da TAP rejeitou recentemente no Parlamento a possibilidade que a TAP estivesse a ser “engordada”. “Houve um crescimento em termos operacionais maior que o previsto no plano estratégico. Infelizmente, não teve a correspondência em termos de resultados financeiros”, conforme previsto no “plano de negócios aprovado em 2017”, afirmou Miguel Frasquilho a 24 de junho em audição na comissão parlamentar de economia. O tema dos aviões da TAP foi abordado pelo ministro da tutela a 19 de maio no Parlamento. Na altura, Pedro Nuno Santos criticou a compra dos aviões que não estavam previstos. “O plano estratégico não foi cumprido pela gestão. Temos mais 15-17 aviões do que estava no plano estratégico”, disse então o ministro das Infraestruturas citado pelo Jornal de Negócios. O ministro apontou então que o plano estratégico da empresa foi definido em conjunto entre os acionistas privados e o Estado, mas que o acionista Estado não tinha “poderes nos leasings dos aviões”, com muitos destes a serem “alugados à Azul, do nosso sócio da empresa”, afirmou, referindo-se a David Neeleman, fundador da companhia aérea brasileira que detém 67% das ações com direito a voto.
6 – A TAP tinha 80% dos seus trabalhadores em regime de layoff simplificado no mês de junho. A companhia anunciou a 25 de maio que iria manter este regime em julho, mas não sabia ainda qual a percentagem de trabalhadores a serem afetados por esta medida neste mês. Tínhamos cerca de 90% dos trabalhadores em layoff em abril, 85% em maio, e 80% em junho. Esperamos que sejam menos em julho”, disse o presidente do conselho de administração, Miguel Frasquilho a 25 de julho no Parlamento.
A companhia fechou 2019 com 10,6 mil trabalhadores, mais dois mil face a 2015, com os custos com os trabalhadores a totalizarem 678,6 milhões de euros, “colocando a TAP entre os maiores empregadores do país”, destaca a empresa. Do total no final do ano passado, 3.786 correspondiam a tripulantes de cabine, e 1.535 pilotos.
7 – A TAP tem apostado fortemente no crescimento no mercado norte-americano nos últimos anos. OS Estados Unidos pesavam apenas 4% no ranking de vendas da companhia aérea em 2014, surgindo na nona posição. Passados cinco anos, as vendas para o mercado norte-americano subiram para os 13%, colocando os EUA na terceira posição. Neste ranking, Portugal lidera com 22% das vendas, enquanto o Brasil ocupa a segunda posição com 19% das vendas. A contribuir para estes gastos estão os passageiros oriundos da América do Norte, com a TAP a destacar os efeitos positivos do programa Stopover, que permite uma paragem em Lisboa ou Porto de até cinco dias aos passageiros transatlânticos antes de seguirem para outros países europeus.
8 – A TAP deu um contributo de 3,5 mil milhões de euros para o PIB português em 2018, pesando 1,7% na criação de riqueza no país esse ano. Os dados são da própria TAP, com este valor a incluir impactos diretos, como a receita da TAP e a receita de turismo de passageiros transportados pela TAP, assim como impactos indiretos, como nos fornecedores e no consumo de colaboradores.
9 – A TAP aumentou em 50% o número de passageiros no Porto desde 2015. O número foi avançado pelo presidente da comissão executiva, Antonoaldo Neves, no Parlamento a 24 de junho. Entre 2015 a 2019, a TAP cresceu 50% no número de passageiros no Porto, num total de 25.614 voos e 2,448 milhões de passageiros. Em comparação, o número de passageiros entre 2010 e 2014 cresceu 2%. Sem contar com os voos da ponte aérea entre Lisboa e Porto, criada em março de 2016, o crescimento de passageiros da TAP no aeroporto Sá Carneiro foi de 30%.
10 – A TAP pagou prémios de 1,171 milhões de euros a 180 dos seus trabalhadores em junho de 2019. O pagamento do prémio levantou muita polémica com o Governo a criticar duramente a comissão executiva por esta decisão. “Esta é uma decisão da gestão onde não estamos representados. Não é por ter havido prémios no passado que tem de haver prémios no futuro. Foi dito à TAP que não permitiremos a atribuição de prémios”, afirmou Pedro Nuno Santos em fevereiro no Parlamento.  O ministro das Infraestruturas destacou na altura que “no passado, não nos podemos esquecer de os prémios eram dados a mais de 10 mil trabalhadores”, o não aconteceu em 2019, relativo ao exercício de 2018. A TAP registou prejuízos de 118 milhões de euros em 2018 e a empresa aprovou que 180 trabalhadores recebessem prémios de perto de 1,2 milhões de euros, incluindo dois de 110 mil euros atribuídos a dois quadros superiores (Jornal Económico, texto do jornalista André Cabrita-Mendes)

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