Acho que o GRM deveria começar a pensar em dinamizar uma
iniciativa que em meu entender tem cada vez mais cabimento: a criação de um
gabinete de crise - porque ter medo dos nomes? - para acompanhar a evolução do
processo relacionado com a recuperação económica na RAM.
Há coisas que não podem, não devem, ser feitas nos
gabinetes do poder, isoladods, muitas vezes distantes da realidade, receosos da
crítica e da discussão de ideias, pouco tolerantes com propostas diferentes. E muito
menos devem ficar limitadas a alguns, por muito competentes e iluminados que eles
sejam, porque nunca serão os donos de todas as soluções.
Nunca enfrentamos nada parecido com isto, com a
pandemia e com o pós-pandemia, nem com a perigosa - porque acho que se tivermos
mais do mesmo será o fim disto tudo – segunda vaga para a qual muitos especialistas
insistem em alertar. Continuo a recomendar, e não mudei de opinião, e com
reforçada insistência, o envolvimento de todas as entidades públicas e privadas,
presentemente dispersas, na procura de soluções conjuntas, discutindo ideias e
propostas para a volta a uma situação para a qual não há soluções milagrosas e
que apresenta como tendência, um aumento da sua gravidade social e económica.
É fácil entender que assim seja: nós náo controlamos vários
factores que podem influenciar o ritmo e a dimensão da retoma da nossa economia,
porque eles dependem das decisões e das escolhas de terceiros, nomeadamente da
evolução da pandemia e das atitudes dos consumidores, incluindo dos turistas.
É certo e sabido que no caso da RAM, sem turismo nada
feito, teremos quanto muito uma espécie de retomazinha que de retoma nada tem.
E que vai roçar o caótico, em termos sociais, económicos e financeiros, se nada
for feito ou se nos confrontarmos com o que dizem ser a tal potencial segunda
vaga.
Se não tomarem a iniciativa de envolver todos os que
devem ser envolvidos temo que se dispersem em discussões que estarão longe de
constituir as mais-valias que precisamos.
Aproveito para ir mais longe, recomendando como ponto
de reflexão, que não me repugnava nada que o parlamento regional, a título
excepcional, criasse a sua própria comissão (ou grupo de trabalho) específica,
reunindo deputados de todos os partidos, com o propósito de acompanhar o
evoluir da situação, da tal retoma envergohada e das potenciais ameaças que de
forma paulatina começarão a influenciar ainda mais negativamente tudo o que tem
a ver com a nossa vida social e económica. Seria uma entidade parlamentar
excepcional num tempo excepcional e carregado de desafios, que poderia ser
liderada por um vice-presidente do parlamento e que programaria audições regulares
com a sociedade civil e promoveria iniciativas de debate temático a pensar no
futuro, não centradas apenas no passado e desfazadas daquilo que são as nossas
prioridasdes realistas, não as realidades mais utópicas.
Embora aceitando e subscrevendo essa preocupação, acho
que neste momento é muito mais importante para os Madeirenses saberem como vamos
garantir os empregos, os rendimentos das famílias e a dinâmica das nossas
empresas, do que estarmos a discutir modelos de sistemas políticos ou eleitorais
para a nossa autonomia, ainda por cima sem garantias de materialização dada a
dependência desses temas de factores externos que não controlamos, dado
tratarem-se de matérias das competência da Assembleia da República.
Por exemplo: quantas empresas já estão a funcionar
permanente? Quais os níveis de facturação das nossas empresas? Quantos
trabalhadores foram despedidos a pretexto da crise? Quantos trabalhadores estão
em lay-off e até quando? Quantas empresas, a reboque do lay-off ou por opção
dos seus proprietários, continuam sem abrir portas, ou abriram e evoltaram a
encerrar? Qual o impacto da pandemia no sector público - a notícia de ontem sobre
a Horários do Funchal não deixa de ser alarmante?
Quanto ao turismo, queríamos todos saber quantos
hóteis continuam encerrados, quais os níveis de ocupação dos que timidamente já
abriram? Qual a taxa de ocupação dos aviões que chegam ao Funchal com turistas,
e quais os países de origem? Qual o retrato que a RAM faz da realidade nos mercados
tradicionalmente geradores de turistas para a Região? Quais as dificuldades
hoje existentes que impedem a vinda de turistas e por quanto tempio essas
contrariedades permanecerão activas? Porque não foi ainda feito um relatório
dando conta da actual situação das companhias aéreas low-cost que antes da
pandemia mais operavam para o Funchal já que parece que muitas delas continuam
em terra e algumas até nem retomaram a sua actividade? Qual o retrato - acho
que dramático - de muitos restaurantes e empresas prestadoras de serviços na
área do turismo e que estão longe da retoma e da normalização das suas
actividades? Quais os níveis das quedas na facturação dessas empresas? Qual o
impacto em termos de receitas fiscais da pandemia nas receitas da RAM? Que
impacto teve a pandemia e o pós-pandemia no CINM?
Mais. Não fossem as medidas sociais de contenção do
agravamento do desemprego, qual seria neste momento o nível real de desemprego
na Madeira? Qual a situação das chamadas "grandes empresas" locais
que afinal de "grandes" pouco têm, muitas das quais até foram das
primeiras a aderir ao lay-off?
Outro exemplo que decorre das previsões de aumento da
instabilidade social e sanitária que oxalá não se confirmem e que precisa de
uma discussão generalizada envolvendo todas as partes interesssdas, para que não
cometam os mesmos erros do Continente: será recomendável que se ande a pensar
apenas num plano A no caso da retoma das aulas em Setembro, quando os
especialistas dizem que uma segunda vaga pode vir a reboque, entre outros
factores, precisamente da retoma das aulas presenciais? Alguém já pensou nisso?
Admito que sim. Faz sentido andarem meses a recomendar um distanciamento social
de 1,5 ou 2 metros e agora, por causa da composição e funcionamento das salas
de aula e da falta de professores e funcionários, afinal passarem a recomendar
apenas 1 metro de distanciamento social nas escolas? Isto funciona ao saber do
vento e dos interesses ou limitações orçamentais das instituições? Ou seja,
será que as escolas precisam - até admito que algumas o tenham - de um plano B
ou até C, com tudo o que isso implica, caso se confirmem as previsões de
especialistas em saúde pública?
Se constatamos ser óbvia uma retração na procura, se
verificamos que as pessoas estão ainda muito cautelosas nos seus hábitos
antigos por causa da pandemia e devido à inexistência de armas de resposta
eficaz (vacina ou medicamentos), se é um facto que a procura dos restaurantes e
de muitos sectores comerciais, continua longe, muito longe dos níveis
anteriores à pandemia - que já eram de alguma contenção - então porque razão a
retoma tem que ser generalizada?
Por exemplo: porque motivo teremos que ter
restaurantes abertos, um ao lado do outro, ao longo de uma rua, quando a afluência
e a facturação insignificante na maioria dos casos nem justifica essa abertura?
Não seria possível, por exemplo, mesmo dizendo alguma idiotice, estabelecer uma
espécie de uma partilha em termos de gestão dos negócios abertos, seguindo alguma
rotatividade, se necessário fosse? Muito concretamente: se numa determinada rua
da cidade tivermos 20 pequenos restaurantes em que todos se queixam da falta de
clientes - aliás a gente percebe isso - porque razão não abririam apenas 10
deles numa semana e na semada seguinte abririam os outros 10, alternadamente?
Tudo se normalizaria à medida que a procura aumentasse. Ou a ideia é esperar
que os tais 20 pequenos restaurantes (e quem diz restaurantes poderíamos falar
de outros negócios noutras áreas de actividade) fechem todos, de uma vez por
todas, e que deixe de haver oferta? Esqueceram por acaso que os madeirenses, tal
como os portugueses em geral (isto para quando oiço falar do turismo nacional, por
tudo e por nada…) sofreram quedas de rendimentos que os desviam de hábitos
antigos, com tudo o que isso implica? Porque insistem em comportar-se como se
nada disso tivesse acontecido na expectativa de que os níveis de consumo
rapidamente recuperem? Esqueçam. Isso é o maior erro de um pequeno empresário,
desvalorizar factores novos, incluindo comportamentais e de consumo, que exigem
mudanças de atitudes por parte da oferta para que ela possa paulatinamente
cativar a atenção e o interesse da procura. O proceso será difícil e demorado,
e com significativas mudanças comparativamente ao que antes da pandemia acontecia,
até pelas garantias de segurança sanitária e regras sociais que os negócios estão
obrigados a propiciar a quem chegam à sua porta. Qualquer falha, qualquer
hesitação ou dúvida por parte dos clientes, será o fim do negócio em causa. Há
procedimentos, cautelas e prioridades, que não podem ser desvalorizados.
É este debate, pragmático, realista e incómodo,
assente na troca de ideias, propostas, vontades, inovação, partilha, que deveria
ser possível, que eu recomendo, mas que fica inviabilizado com uma dispersão de
entidades e de organismos, públicos e privados, que em vez de estarem sentados à
volta da mesma mesa, apenas são auscultados, se tanto. Dispenso, dispensasmos
todos, recados pela comunicação social, dispenso e dispensamos todos, medidas
com impacto imediato mas limitadas no tempo. Precisamos de medidas concretas, estudadas,
discretas, debatidas sem parangonas, sem show-off mediático, medidas que
respondam àqueles que são (e serão) os nossos problemas reais. Concretos,
prioritários.
O mesmo se passa no turismo: o que nos interessam as
entrevistas, e não sei que mais, no espaço reduzido média regionais, quando é
sabido que os turistas estão fora da RAM, que é fora do nosso espaço geográfico
que esse trabalho de promoção e cativação de clientes precisa de ser feito. Não
digo que nada esteja a ser feito porque acredito que estaria a ser idiota da
minha parte e injusto. Mas o que precisamos de saber é tudo o que tem sido
feito, onde, por quem, com quem, como, com que resultados concretos - nada de
promessas ou adivinhações. O turista está lá fora, não é o madeirense, por
muito que agora tentem fazer charme junto de quem durante anos pouco ou nada
interessava ao "business", porque a aposta foi sempre no turista
forasteiro.
Sucede que sem turistas, sem low-cost para os
trazerem, sem liberdade de movimento dos turistas em muitos países, sem tudo o
que sabemos ser importante a esta indústria, de repente os
"renegados" do passado recente passam a ser o alvo de operações de
charme pelo menos até que os estrangeiros percam o medo de viajar.
Por exemplo, tenho constatado que os madeirenses
continuam a ir aos restaurantes que antes iam, obviamente de uma forma mais
contida e menos frequente. Mas ao invés disso, aqueles restaurantes que durante
anos trabalhavam apenas para os turistas, com menus e preços feitos a pensar nos
turistas estrangeiros, duvido que tenham agora razões para se queixarem. Só por
que deixaram de ter os turistas com os quais sempre contaram no passado? Só
porque agora precisam dos consumidores locais em relação aos quais antes não se
mostravam interessados? Ou seja, também aqui tem que haver um novo paradigma,
muita coisa tem que mudar porque é certo e sabido que esta pandemia deixou
lições de vida e de negócio que não podem ser escamoteadas (LFM)
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