Paulo
Cafofo será, ao que tudo parece, o único candidato à liderança do PS-Madeira no
epílogo normal de um processo iniciado no penúltimo Congresso regional dos
socialistas madeirenses, quando Emanuel Câmara ganhou as directas socialistas,
afastou Carlos Pereira da liderança e anunciou que toda a estratégia socialista
para as regionais de 2019 seria montada em torno da figura de Cafofo como uma
espécie de âncora do PS-Madeira para chegar ao poder. Câmara não hesitou em
assumir-se como uma espécie de “barriga de aluguer” de um candidato que nem
filiado no PS era e que não desistiu nunca de construir o seu próprio espaço e
de escolher a sua própria gente de confiança.
Hoje,
e não vou ser mais pormenorizado, é indesmentível que há muita gente que
desempenha cargos e funções públicas de alguma visibilidade, tudo isto no
pós-regionais de 2019, porque isso resultou de negociações internas no PS-M e,
nalguns casos, de cedências a pressões e /ou pessoas ou, se quiserem, uma
maneira de calar potenciais reivindicações mais agressivas e correntes internas
oposicionistas, que podiam colocar em causa a unidade que Cafofo precisa. Ele,
mais do que ninguém, cedo percebeu que o seu envolvimento no PS-M estava longe
de ser consensual e que ainda menos consensual ficou quando o PS-M foi
derrotado nas eleições regionais, nas quais os socialistas tudo apostaram.
Sucede
que Cafofo, que nem militante socialista era, acabou por ser um trunfo falhado,
na medida em que o PS-M não ganhou, como queria, as eleições regionais de 2019
apesar de ter tido então condições sociais e políticas para o fazer, e que
provavelmente não terá mais no imediato. Beneficiando também e muito da imagem
do governo socialista nacional e de Costa que frequentemente se deslocou à
Madeira num ano que também foi eleitoral para ele (Costa)
As
derrotas do não líder…
Ao
perder as eleições regionais, e sem ter sido eleito líder do PS-M – apesar da
lista dos deputados regionais eleitos ter tido muito da sua intervenção para
além de ganhos associados a grupos internos do partido – Cafofo ficou algo
fragilizado, sobretudo quando recusou a vice-presidência do parlamento
regional, lugar que diziam ser de “prateleira” e por lhe retirar protagonismo
político que precisava.
Duas
outras situações estranhas a reter neste processo: não ter sido eleito líder
parlamentar, quando supostamente o seria – mas depois li algures que
dificilmente o seria por limitações estatutárias do próprio PS-M, por não ser
ainda militante e por não ter um período mínimo de militância partidária e
integrar órgãos partidários.
Vemos
hoje um Cafofo relegado para um discreto lugar no parlamento, sem se assumir
ainda como líder do PS-M, criticado por não ter discurso político mobilizador,
agreste q.b., assente em pilares consistentes passíveis de marcar a diferença e
a alternativa – os seus discursos, dizem, são demasiados “certinhos” e banais –
deixando para deputados da sua confiança pessoal (Iglésias em primeiro plano) o
combate político mais duro e partidarizado que alguns temem não seja a praia de
Cafofo.
Duas
outras histórias, verdadeiras e muito mal contadas, fragilizaram muito Cafofo,
a começar pelo PS-M porque há sectores do partido que não sabem dar explicações
plausíveis para ambas as situações. Eu recordo-as.
A primeira
teve a ver com as movimentações pós-regionais – legitimas quando o PSD,
vencedor do acto eleitoral, ficou privado pela primeira vez de maioria absoluta
parlamentar, o que implicaria o recurso a coligação, com o CDS a ser o parceiro
natural dos social-democratas. O problema é que Cafofo terá pressionado
dirigentes do CDS (e não só…) para uma coligação – que teria sempre de envolver
acordos com mais alguém – e oferecido lugares, no governo e no parlamento, que
terão surpreendido o próprio PS-M. Ou seja, Cafofo expôs-se demasiado sem ter
conseguido, pelo menos até agora, qualquer resultado concreto com aquilo que
continua a sonhar. No fundo foi uma tentativa de transformar a derrota nas
urnas numa vitória legítima “na secretaria”, repetindo o que o PS nacional e
Costa fizeram em 2015 na Assembleia da República.
O
estranho boicote não assumido…
Pior,
até porque se trata de uma história que garanto ser verdadeira, foi o facto de
Cafofo – que não sei se terá tido conhecimento, duvido, de tudo que se passou –
ter sido literalmente afastado de qualquer lugar no governo de Costa - falou-se
de ser secretário de estado adjunto para as autarquias locais ou mesmo de
secretário de estado para as comunidades portuguesas - devido a pressões
partidárias, pressões com origem no Funchal, que não me explicaram em todos os
seus contornos, mas que levaram o próprio Costa a recusar a escolha.
O
candidato à liderança do PS-M, que precisava, na óptica de alguns socialistas
próximos de Costa, de protagonismo político que não tinha, apesar de quase dois
mandatos na edilidade funchalense, viu assim gorada a possibilidade de um
protagonismo mediático importante e que a inclusão no governo central
inegavelmente lhe asseguraria. Embora pudesse em termos estratégicos,
dificultar frequentemente a conciliação entre esse seu estatuto e liderança do
PS-M, na lógica dos conflitos políticos e institucionais que inevitavelmente
surgiriam. E o pior que poderia acontecer em termos eleitorais era o PS-M ter
um líder regional mais próximo e cúmplice de Lisboa e das teses de Costa, no
que à Madeira diz respeito, do que ter um líder com capacidade de ter o seu
próprio espaço e de manter uma posição suficientemente equidistante, colocando
o partido no lugar que deve ocupar, para não cometer os erros do passado histórico
dos socialistas locais, com particular destaque para o que se passou em 2007
com a lei de finanças regionais.
Agora
o pesadelo de Cafofo, segundo me garantiram, tem a ver com o receio, num
universo de militantes-eleitores no PS-M sempre muito baixo, de ser eleito com
uma insignificante votação, algo que suscitaria de imediato interrogações e
críticas sobre a sua capacidade de mobilizar o partido, porque uma realidade é
o PS-M e a sua base militante, outra é a realidade eleitoral regional do PS-M e
outra ainda foi o que aconteceu excepcionalmente com o PS-M nas regionais de
2019. Três realidades diferentes que muitos gostam de misturar e confundir.
Jardim
de fora
Muito
sinceramente acho que Carlos Jardim nunca foi um candidato convictamente
assumido à liderança do PS-M, embora tivesse gostado de ter condições para
concorrer às directas, marcando o seu espaço e tentando ganhar posição de maior
relevo no seio do partido.
Por
isso, estranha - ou talvez não - foi a desistência de Carlos Jardim, que pelos
vistos tentou aguentar até ao fim. As dificuldades que ele pode hoje dar como
justificação, são rigorosamente as mesmas que existiam quando anunciou a
candidatura. Portanto, nada mudou no PS-Madeira que, mesmo que esteja algo
desiludido com Cafofo, continua a não perspectivar alternativas fortes e
credíveis. E mobilizadoras, com um discurso forte, o que não significa que
Cafofo corresponda a estas exigências. Mas é o único interessado no lugar que
já está lá e tem a máquina a jogar a seu favor.
Uma
desistência (de Jardim) duas depois de ter concedido uma longa entrevista ao
Económico-Madeira o que obviamente questiona a seriedade e a ética política. Se
a intenção era na altura, e sei que era, de desistir, essa entrevista nunca
deveria ter sido dada assente numa lógica partidária que não se concretizaria,
porque o pior que pode acontecer é a noção de persistência de alguma falta de
rigor e de seriedade na política.
Admito,
mas isso é a minha opinião, que a gestão que Jardim fez deste processo o
penalizará por algum tempo.
Acresce
que as pessoas mais ligadas ao PS-M sabem que Carlos Pereira, hoje
"escondido" em Lisboa - para onde foi estrategicamente enviado por
conveniência partidária regional - continua a querer ajustar contas com aqueles
que o escorraçaram da liderança do PS-M por via de umas directas que desde o
primeiro momento foram claramente montadas a favor de Cafofo. O peso de dois
peões naquele xadrez era demasiado forte para que qualquer rei ousasse sequer
pensar que ganharia aquele jogo...
Se é
um facto que Cafofo, nos últimos dois anos, foi o líder do PS-M, mesmo sem o
ser institucionalmente - lembro que ainda não foi eleito - continuamos sem
perceber qual o papel que Emanuel Câmara vai aceitar ter nesse PS-M que serás
finalmente liderado por quem Câmara andou a promover mas que falhou o principal
objectivo, as regionais de 2019.
O
processo autárquico...
Li
hoje na comunicação social que Cafofo, mesmo sem ser líder de facto dos
socialistas locais, andará a coordenar o processo de preparação das autárquicas,
no fundo tal como ele fez nas regionais de 2019. Nada de novo. Fiquei foi sem
perceber se essa coordenação se refere à definição das linhas políticas gerais
- porque a realidade social, política e eleitoral muda de concelho para
concelho - se à estratégia política do partido, se à escolha de pessoas.
E
percebe-se. As autárquicas de 2021 serão o segundo teste de Cafofo - depois das
regionais de 2019 - pelo que um eventual desaire poderá questionar a sua
própria liderança, retirando ao PS-M a disponibilidade para esperar pelas regionais
e pelas legislativas de 2023 e ser premiado com dois novos desaires eleitorais.
Garante-me
uma pessoa próxima de Cafofo - acreditem se quiserem - e da sua confiança, que
as mudanças serão feitas pelo futuro líder eleito. E que inclusivamente na
composição dos órgãos partidários regionais, as pessoas perceberam essa vontade
de mudança e de acabar com "estatutos" e "lugares cativos".
Cafofo vai querer chamar novos quadros - obviamente precisam de ser filiados no
PS para poderem ascender aos seus órgãos dirigentes - mas quer também limpar
algum resquício de outros tempos que marcaram negativamente o PS regional,
sobretudo em termos políticos e eleitorais. Fiquei sem perceber, embora tenha
as minhas teorias, quem serão os visados dessa mudança. Um partido não tem que
mudar por mudar, tem que mudar mas escolhendo pessoas com perfil para a
política, que nada tenham a ver com algum cinzentismo ideológico que cada vez
mais abunda - algo que os cépticos de Cafofo dizem existir, a começar pelo
actual grupo parlamentar, que acusam de falta de garra, de um discurso político
de combate, de falta de preparação e de acutilância política e de uma excessiva
dependência de tiques locais quando o deputado eleito é regional e não representante
deste ou daquele concelho ou freguesia. Confesso que nunca tinha valorizado
esta questão que acho interessante.
A
coligação do medo?
Parece
ser óbvio que PSD e CDS ensaiarão coligações em Santa Cruz, Machico, Funchal,
Porto Moniz e Ponta do Sol (aqui ainda uma incerteza), mas que esse processo
terá que ser muito bem gerido para que não tenha um impacto exactamente oposto
ao desejado, ou seja, o de retirar ao PSD-M, claramente em queda eleitoral,
ainda mais votos, algo que poderia ter consequências a um outro nível
partidário interno. Se São Vicente e Ribeira Brava poderão ser dois concelhos
estrategicamente "abandonados" por PSD e CDS - em termos de
apresentação de candidaturas próprias - a favor dos actuais autarcas, fica a
convicção de que o CDS acha que uma colagem ao PSD, em coligação, pode originar
em Santana uma desaire, até porque não há a certeza de que eleitoralmente o
actual Presidente centrista - que
substituiu o secretário regional Teófilo Cunha - tenha o mesmo estofo de
ganhador nas urnas que o antecessor, algo que ele vai ter que provar.
O
mesmo se passa na Ponta do Sol onde o PSD quererá recuperar a sua influência,
perdida em 2017 devido a uma sucessão de asneiradas cometidas no Funchal no
processo das autárquicas de 2017, apesar de todos os avisos feitos.
Além
disso, duvido que na Calheta, Câmara de Lobos e Porto Santo as estruturas
locais do PSD aceitem qualquer coligação eleitoral com o CDS - porque isso
teria efeitos devastadores nos resultados eleitorais - dadas as especificidades
dos eleitores social-democratas em ambos os concelhos. E fragilizaria demasiado
a coligação regional PSD-CDS no poder que precisa de mais-valias e não de
oportunistas ou pregos na urna. Como se verifica há muita pedra a ser partida.
Uma alternativa seria o recuo estratégico - como foi feito em São Vicente e na
Ribeira Brava, entre outros - de uns e detrimento dos outros, deixando de apresentar
candidatos próprios e cedendo a presença no terreno ao parceiro (da coligação)
mais forte. Duvido, contudo, que isso ocorra porque não acredito que o PSD se
afaste de "campo" em Santana tal como não creio que o CDS na Calheta
ou na Ponta do Sol "desapareça" do cenário eleitoral. Se assim for,
então ficará tudo como antes...
Acredito
que PSD e CDS farão coligações onde são oposição e onde podem ter à partida
maiores dificuldades de sucesso (casos de Funchal, Machico e Santa Cruz e não
incluo Porto Moniz porque a realidade eleitoral do CDS é insignificante), que
na Calheta, Câmara de Lobos, Santana e Ponta do Sol cada um jogará com os seus
meios e que Ribeira Brava e São Vicente ficarão "fora" a favor dos
actuais autarcas eleitos em 2017 em listas de cidadãos embora apoiados também
por alguns partidos.
Mudanças
(poucas) no PS
No
caso do PS-M, Cafofo não deverá arriscar a fazer muitas mudanças. Prevejo que
aposte forte em Santa Cruz, lado a lado com a coligação PSD-CDS, o que colocará
problemas reforçados a quem lá é hoje poder - e que deixará de ter o predomínio
de lugares que hoje tem - no Porto Santo. Não vejo grandes alterações - por não
haver limitações de mandatos - em Machico e Ponta do Sol.
Fica
o Funchal, onde Cafofo tem de resolver de uma vez por todas o assunto e evitar
o crescendo de suspeições e dúvidas. Por exemplo, de que as suas relações com
Miguel Gouveia, seu sucessor na CMF, se degradaram devido a mudanças
naturalmente feitas pelo actual autarca na estrutura de pessoas deixada por
Cafofo em lugares-chave, que há no PS-M quem conteste a candidatura de Gouveia
por temerem a aposta do PSD-CDS num nome politicamente forte, outros por
entenderem que o PS-M não pode apostar em independentes não filiados
(desconheço se Miguel Gouveia entretanto já é militante do PS-M ou não)
desvalorizando a "prata-da-casa". Há também quem defenda Gouveia,
sobretudo os autarcas socialistas (e outros nomeados) no Funchal, e que estão
dispostos a dar luta forte a todas as eventuais tentativas de impedir a sua
candidatura que dizem ser natural e passível de derrotar qualquer candidatura
de uma pretensa coligação PSD-CDS no Funchal. Algo que reconhecidamente
concordo por não ver o PS-M com outro candidato preparado para a corrida
eleitoral no Funchal.
Resta a Cafofo, finalmente, resolver o "problema" Emanuel
Câmara. Vai o ainda Presidente do PS-M querer continuar no Porto Moniz, como
autarca (e candidato) para enfrentar a coligação PSD-CDS? Ou vai entender que o
seu tempo no norte terminou, podendo assumir o seu lugar de deputado regional
para ter mais protagonismo e, quem sabe, pensar noutras soluções políticas
futuras? Há quem especule que depois das regionais as entre Câmara e Cafofo se
deterioraram, com o líder socialista a desabafar nalguns círculos pessoais que
foi deliberadamente colocado à margem do processo de decisão e de escolha dos
futuros dirigentes socialistas agora em curso. Isto promete, paras todos os
lados... (LFM)
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