quarta-feira, julho 08, 2020

Covid-19: Como está Portugal e como estão os outros europeus na lista vermelha do Reino Unido

Há quem considere o critério injusto, quando não ridículo, e quem lembre que não foi só o Reino Unido a adotá-lo. Entre os outros países europeus excluídos do corredor aéreo britânico, há quem tenha melhores indicadores do que Portugal, tanto nos números e taxas de infeções como de mortes. E quem esteja pior. Só não há ninguém que supere a Suécia… e o próprio Reino Unido. A notícia da exclusão de Portugal dos corredores aéreos do Reino Unido continua a marcar a atualidade. Depois de inúmeras reações, esta segunda-feira António Costa voltou ao tema no final de um almoço em São Bento com o presidente do Governo espanhol, Pedro Sánchez. Disse o primeiro-ministro português, dirigindo-se aos espanhóis, que “perante o nível de contágio existente, comparado com as diferentes regiões de Portugal, não há nenhuma razão para que não se sintam mais seguros em Portugal do que no Reino Unido”. E a verdade é que, olhando para o critério que exclui Portugal da ‘via verde’ concedida pelo Governo britânico, o primeiro-ministro não se enganou. Mas António Costa disse mais, insistindo na ideia de que, para avaliar um país, deviam ser tidos em conta “um conjunto muito diversificado de critérios e não um único”.

A ‘Green List’ do Governo de Boris Johnson (que pode ser vista aqui) indica que há 33 países europeus com a porta aberta aos aeroportos britânicos, sem necessidade de quarentena. E dois arquipélagos — esses mesmo, Madeira e Açores —, mas, apesar disso, os britânicos continuam a impor a estes viajantes provenientes dos arquipélagos uma quarentena no regresso ao país. Sobram 13 países excluídos e um deles chama-se Portugal. O critério é o número de novas infeções por cada 100 mil habitantes e tem por base a informação da Agência Europeia de Prevenção de Doenças (ECDC), que criou um mapa que pinta a amarelo claro os países onde esse número fica abaixo das 20 novas infeções, e a cores gradualmente mais escuras aqueles em que os resultados são piores.
Olhando os novos casos por 100 mil habitantes nos últimos 14 dias, a unidade de tempo utilizada, os países europeus apresentam um intervalo que vai dos 0 aos 143 doentes, deixando a média europeia em 13,1. Segundo a ECDC, com dados que reportam a 3 de julho, o dia da decisão britânica, essa “taxa tem estado estável nos últimos 17 dias”. A taxa portuguesa também. O problema é que continua acima dos 40 novos infetados com SARS-CoV-2 por cada 100 mil habitantes.
Assim, Portugal aparece isolado de vizinhos como Espanha, França, Itália ou Alemanha e só encontra companhia a leste. Os países igualmente excluídos são a Albânia (cerca de 30 novos casos por 100 mil habitantes), a Bielorrússia (mais de 50), o Azerbeijão (mais de 60), a Bulgária (cerca de 30), a Bósnia e Herzegovina (cerca de 40), o Kosovo, com mais de 60, a Moldávia, acima dos 100 novos casos, a Macedónia, com cerca de 100, o Montenegro, com mais de 40, a Roménia, acima de 20, a Rússia, acima de 60, a Ucrânia, perto dos 30, e a Suécia.
Neste último caso, trata-se, de longe, do país europeu com a situação mais delicada, e responsável pelo teto de 143 novos casos por 100 mil habitantes na Europa. A Suécia, lembre-se, optou por uma estratégia menos restritiva para lidar com a pandemia, tentando promover mais a imunidade de grupo do que evitar contágios.
No clube dos países europeus com mais de 20 novos casos de infeção por 100 mil habitantes falta ainda um. Mas não falta ironia: trata-se do Reino Unido, que aparece no intervalo de 20-60 novos casos que a ECDC pinta a amarelo mais escuro, o mesmo em que está Portugal. A diferença é que o gráfico britânico mostra uma tendência de descida, contrária ao português. Quanto aos países de fora da Europa, o Governo britânico rege-se por outros critérios. Prova disso é o continente africano: apenas as Ilhas Reunião estão na ‘Green List’ britânica quando há dezenas de países com menos de 20 novos casos por 100 mil habitantes. Na Tanzânia, por exemplo, nos últimos 14 dias não houve registo de qualquer novo caso.
CRITÉRIO JUSTO, “INJUSTO” OU “RIDÍCULO”? “AMIGOS” COMO DANTES?
Comecemos pelo Reino Unido. Com situação semelhante à portuguesa nos novos doentes, os britânicos aparecem com muito mais casos de covid-19 do que Portugal em termos absolutos (285.416 contra 44.129), o que não deve espantar ninguém tendo em conta a população seis vezes maior. Se regularmos a lupa ao número de casos por cada milhão de habitantes, Portugal passa para a frente, ainda que não de forma significativa: houve 4.204 britânicos infetados por cada milhão, e 4.328 portugueses pela mesma bitola.
É na taxa de letalidade que Portugal leva vantagem mais larga sobre os britânicos — com a atualização para 1.620 vítimas mortais desta segunda-feira, essa taxa é agora de 3,7% por cá, contra 15,5% em solo britânico. O site ‘Worldometers’, que apresenta as contas por diversos critérios, mostra que há 159 mortes por cada milhão de habitantes em Portugal, contra 651 no Reino Unido.
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A taxa de letalidade da covid-19 tem sido, aliás, a unidade de medida mais vezes reivindicada pelos opositores do método escolhido pelo Reino Unido e pela UE. E em Portugal a crítica não chega apenas do Governo. Este domingo, Marques Mendes considerou “injusta” a forma de exclusão portuguesa, discordando de se “classificar um país como seguro ou inseguro em termos sanitários apenas em função do critério de ‘novos casos’”. “Há outros, como a taxa de letalidade, que devem ser levados em atenção”, disse o ex-líder do PSD, no habitual espaço de comentário na SIC.
Também à direita, Ricardo Baptista Leite foi mais incisivo. Em entrevista a Piers Morgan no “Good Morning Britain”, considerou a decisão não injusta mas ridícula. E apontou para os óbitos. “Quando olhamos os números em termos de mortes, Portugal tem das taxas de letalidade mais baixas do mundo. Temos tido três a seis mortes por dia, em comparação com o Reino Unido, que tem tido 100 a 200 mortes por dia.”
Baptista Leite apontou a países que estão na ‘Green List’, “tais como França, Holanda ou mesmo Bélgica”. “É realmente ridículo fazer qualquer tipo de comparação.” E repetiu o adjetivo numa pergunta. “Qual é a lógica desta decisão ridícula?”.
Olhando o número de mortes por milhão de habitantes do ‘Worldometers’, Portugal aparece no 16.º lugar mais gravoso na Europa, ainda assim, de facto, em melhor posição do que países como os três apontados pelo deputado do PSD. Além de Bélgica (843 mortes por milhão de habitantes), França (458) e Holanda (358), há ainda outros seis países aprovados pelo Reino Unido com taxas de óbito mais altas: San Marino (1.238), Andorra (673), Espanha (607), Itália (577), Suíça (227), e Luxemburgo (176)
De todos estes, apenas o Luxemburgo (2,4%) tem uma taxa de letalidade — isto é, de mortes por total de infetados — inferior à portuguesa (2,6%) e só a Suíça fica também abaixo dos dois dígitos (6,2%). Todos os outros têm uma percentagem de mortos por doente infetado entre 11% e 15%. É, também aqui, o caso do próprio Reino Unido (15,4%).
Do outro lado, pelo contrário, entre os europeus excluídos pelo Reino Unido, apenas Bulgária, Bósnia, Macedónia, Roménia e Suécia estão pior do que Portugal em termos de taxa de letalidade. Os outros oito países têm taxas entre 1% e 2% e nem assim conseguiram entrar na ‘Green List’. Se quisessem, poderiam usar o argumento português com ainda mais força.
Já se o termo de comparação for o total de casos por milhão de habitantes, Portugal não fica muito melhor entre os excluídos. Moldávia, Rússia, Bielorrússia e Suécia têm taxas de infeção mais altas, mas os outros nove países aqui comparados estão melhor. Importa, porém, lembrar que Portugal é o 13.º país europeu que mais testa a população.
Há um outro argumento que alguns responsáveis políticos portugueses têm utilizado, mas que não é certo que comova os britânicos: o da amizade. Para recuperar dois dos citados neste artigo, Marques Mendes chamou ao fundamento “pieguice” e Baptista Leite ouviu de Piers Morgan: “Não tenho a certeza que a amizade realmente importe. O que importa são pessoas a viver ou a morrer”. Para o apresentador britânico esse é um raciocínio pré-pandemia. Na página do Governo britânico dedicada a Portugal pouco mais há do que as habituais recomendações para quem viaja, a que se juntam as restrições que envolvem a pandemia. “Cerca de 2,5 milhões de cidadãos britânicos visitaram Portugal em 2019”, lê-se ainda. No final de 2020, a história será bem diferente. O corredor aéreo do Reino Unido entra em vigor na próxima sexta-feira, dia 10 de julho (Expresso, texto do jornalista  João Diogo Correia)

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