quarta-feira, julho 01, 2020

Como voou a TAP entre mãos públicas e privadas? Maior, mas ainda no vermelho e menos pontual

David Neeleman e Humberto Pedrosa deram a mão ao Estado em 2015 para injetar capital na TAP. Ajudaram a fazer crescer a companhia aérea, que passou de 11 para 17 milhões de passageiros por ano. As receitas também cresceram. Mas os resultados continuaram no vermelho. Foi há pouco mais de cinco anos que o Estado abriu mão da maioria do capital da TAP para permitir que o consórcio Atlantic Gateway tomasse conta da companhia aérea nacional, que vinha enfrentando problemas crónicos no plano financeiro. O negócio para a entrada de David Neeleman e Humberto Pedrosa seria concretizado em novembro de 2015, e revisto mais tarde. O parceiro privado começou por assumir 61% da TAP, ficando o Estado com 39%, mas a Atlantic Gateway acabou por ficar com 45%, os trabalhadores da TAP com 5% e o Estado com 50%. O que mudou entre a TAP 100% estatal e a TAP semi-privada? Os números dos últimos oito anos da empresa revelam que a companhia cresceu, mas a rentabilidade é ainda uma miragem. Os números do grupo TAP revelam que a companhia aérea cresceu com os privados no capital, mas esse crescimento esteve longe de se traduzir em rentabilidade. O Expresso analisou as contas e indicadores da TAP do período entre 2012 e 2015 e dos quatro anos subsequentes, já com a Atlantic Gateway como parceiro privado e influência direta na gestão.

Se no primeiro período a TAP acumulou prejuízos de 272 milhões de euros, no período pós-privatização não foi muito melhor, com as perdas acumuladas em quatro anos a ascender a 230 milhões. Olhando apenas para os resultados operacionais (que não incluem custos financeiros, amortizações e depreciações), os quatro anos pré-privatização acumularam resultados negativos (unicamente pelo efeito das perdas do exercício de 2015), enquanto os quatro anos pós-privatização geraram resultados operacionais positivos (também com um único exercício no vermelho).
Pelo meio, os acionistas privados trouxeram algum oxigénio e apoiaram um processo de modernização da frota da companhia aérea. Com o acordo de privatização, a Atlantic Gateway (de David Neeleman, dono da brasileira Azul, e de Humberto Pedrosa, dono da portuguesa Barraqueiro) injetou 154 milhões de euros, permitindo recapitalizar a TAP, ao mesmo tempo que se comprometia em manter a empresa como uma companhia portuguesa, ancorada no “hub” de Lisboa.
Posteriormente, em março de 2016 a Azul subscreveu um empréstimo obrigacionista da TAP no valor de 90 milhões de euros, enquanto a Parpública subscreveu 30 milhões de euros. Em maio desse ano o Estado acordaria com a Atlantic Gateway uma alteração da estrutura acionista, que se materializaria em 2017, com o aumento da posição do Estado para 50% e a redução da participação dos privados para 45%, sendo os restantes 5% distribuídos pelos trabalhadores. Ainda em 2017 a chinesa HNA tomaria 11,5% do capital da Atlantic Gateway (ficando com uma posição indireta na TAP de pouco mais de 5%).
Hoje a TAP apresenta uma dívida líquida em torno dos mil milhões de euros. Em 2015 a dívida líquida do grupo era de 805 milhões e em 2014 era de 921 milhões. Vale a pena sublinhar que a TAP conseguiu até baixar o seu endividamento, com a dívida líquida a cair para 655 milhões de euros em 2018, mas acabando por agravar-se novamente em 2019.
Certo é que a situação patrimonial da empresa se deteriorou ao longo do tempo, refletindo a acumulação de prejuízos (os dois melhores anos da TAP nos últimos oito exercícios foram 2017, com um lucro de 21 milhões de euros, e 2013, com um prejuízo de 6 milhões). A empresa, que em 2012 tinha capitais próprios negativos de 381 milhões, chegou a 2015 (quando o Estado decidiu vender parte da TAP à Atlantic Gateway) com capitais próprios negativos de 530 milhões.
Aquele patamar foi melhorado nos dois anos seguintes, voltando a situação a agravar-se em 2018, com os capitais próprios a ficarem negativos em 618 milhões de euros. Situação que melhoraria ligeiramente em 2019: agora o grupo TAP tem capitais próprios negativos de 581 milhões de euros.
No plano operacional, contudo, a TAP é hoje uma companhia maior e parece ter acompanhado (ou aproveitado) a expansão que o turismo em Portugal teve ao longo dos últimos anos. Se entre 2012 e 2015 o grupo TAP faturava 2,6 mil milhões de euros por ano, com um tráfego entre os 10 e os 11 milhões de passageiros anuais, hoje a operação da companhia portuguesa é maior.
A TAP registou em 2019 mais de 17 milhões de passageiros, tendo as suas receitas ultrapassado os 3,3 mil milhões de euros. Mas esse ganho de escala, patente também no aumento da frota do grupo (que tinha 77 aviões em 2015 e tem agora 105 aeronaves), esteve longe de ser rentável para a TAP, que fechou o ano passado com um prejuízo de 105 milhões de euros.
Embora o quadro de pessoal do grupo não seja muito diferente do pré-privatização (cerca de 13 mil funcionários), os custos de pessoal aumentaram de forma relevante, numa conjuntura em que os restantes custos operacionais não evoluíram favoravelmente, refletindo os elevados encargos com combustíveis (ampliados pelo efeito de expansão da frota e das rotas da TAP).
A empresa, todavia, ressalvou na apresentação das contas do ano passado que em 2019 o desempenho operacional melhorou substancialmente, passando de um resultado operacional negativo de 44 milhões de euros em 2018 para um resultado operacional positivo de 58,6 milhões (conseguido sobretudo no segundo semestre).
No período 2012-2015 a TAP acumulou resultados operacionais negativos em 18 milhões (oscilando entre um ganho de 44 milhões em 2013 e uma perda de 106 milhões em 2015). Já com acionistas privados, de 2016 a 2019, a TAP somou resultados operacionais positivos de 134 milhões (oscilando entre perdas de 44 milhões em 2018 e um recorde de 107 milhões de euros de ganhos em 2017).
Por outro lado, o índice de pontualidade da companhia aérea nacional piorou nos últimos anos. A TAP, que chegou a ter em 2015 um rácio de 79% de voos com atraso inferior a 15 minutos na partida, atingiu em 2018 um mínimo de 58% de voos com atraso até 15 minutos (os restantes 42% saíram com mais de 15 minutos de atraso). Em 2019 a TAP melhorou esse indicador de pontualidade para 64% (Expresso, texto do jornalista Miguel Prado)

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