quinta-feira, maio 07, 2020

Venezuela: E se militares rebeldes, mercenários ianques e um general íntimo de Chávez desembarcassem em Caracas? A estranha e falhada Operação Gedeón

Nicolás Maduro e os dirigentes revolucionários venezuelanos cantam “vitória popular” após o fracasso dos desembarques da Operação Gedeón, cujo objetivo era “acabar com a tirania e a repressão, impor a liberdade e restaurar a democracia”. Isto explicou num vídeo o comandante da ação rebelde, capitão Antonio Sequea, um dos detidos na sequência dos confrontos de segunda-feira em Chuao, a 70 quilómetros de Caracas. O caso envolveu treze homens, segundo a lista divulgada pelo Governo. Entre eles há militares rebeldes, polícias sublevados, familiares de militares e dois mercenários dos Estados Unidos. Todos os implicados faziam parte dos comandos neutralizados pelas forças armadas bolivarianas. A sua missão parecia suicida: entrar numa Caracas sitiada pelo regime para “efetivar a captura” de governantes chavistas, incluído o próprio Maduro, Presidente de facto do país.
“O objetivo central era matar-me a meio da pandemia”, denunciou o sucessor de Hugo Chávez, que também acusou o chefe da oposição, Juan Guaidó (presidente interino reconhecido por dezenas de países, entre eles Portugal) e o Governo colombiano de estarem por detrás da operação. O regime compara-a à invasão da Baía dos Porcos, embora haja poucas semelhanças entre os dois momentos.
Em 1961, na praia Girón, em Cuba, desembarcaram 1200 cubanos exilados, com apoio do Exército nos Estados Unidos e após bombardeamentos. O Executivo de Caracas aproveitou a presença de dois militares jubilados para acusar diretamente Donald Trump, que, após saber da detenção de dois concidadãos seus, desmentiu na terça-feira qualquer envolvimento da sua Administração na falhada incursão.
MAIS DE UM ANO DE REBELIÃO
“Os acontecimentos das últimas 72 horas confirmam o compromisso de muitos homens armados em alcançar a liberdade para a Venezuela, mesmo que a custo da sua vida. Os meus respeitos a todos estes heróis. Continuamos em luta, contem sempre comigo”, concluiu Iván Simonovis, comissário especial de Segurança e Informações da presidência de Guaidó. Antigo comissáiro em Caracas e ex-preso político, protagonizou uma fuga digna de filme, que o levou da casa onde cumpria prisão domiciliária, em Caracas, até ao exílio nos Estados Unidos. A maioria dos militares detidos ou mortos nos dois desembarques fazia parte do contingente que se revoltou contra o regime bolivariano ao longo de 2019, desde que a Assembleia Nacional democraticamente eleita, onde a oposição tem maioria, lançou um desafio ao Palácio de Miraflores, residência oficial de Maduro. Este declarara-se reconduzido para um segundo mandato, em 2018, numas eleições que a comunidade internacional considerou fraudulentas. Este ano o comandante da operação era o capitão Sequea, guarda nacional que também participara na intentona de 30 de abril do ano passado, com o capitão Víctor Pimienta, igualmente detido. Ambos acompanharam Guaidó e Leopoldo López, em 2019, no interface rodoviário de Altamira, antes de procurarem a proteção da embaixada do Panamá.
Outro capitão, Robert Colina, morreu durante os confrontos da madrugada de domingo em Macuto. Os dois ex-polícias capturados segunda-feira, noutro ponto da costa, escondiam armas e 25 coletes antibalas para os rebeldes do segundo desembarque, que procuraram passar despercebidos, vestidos como pescadores, incluindo chinelos.
Entre os oito detidos do segundo desembarque está Adolfo Baduel, apelido crucial para a revolução. O jovem é filho do general Raúl Isaías Baduel, antigo chefe do Exército e ex-ministro da Defesa com Chávez, fundamental para o fracasso do golpe de Estado contra este último em abril de 2002. O pai Baduel permanece encarcerado desde que, há 11 anos, exprimiu divergências com o “comandante supremo”.
CABECILHA REVOLTOSO OU AGENTE DUPLO?
Um dos mentores dos revoltosos foi desde o primeiro momento o major-general Clíver Alcalá, amigo íntimo de Chávez e comandante que esteve ligado ao cartel dos Soles, dedicado ao narcotráfico. Alcalá renegou Maduro no ano passado e atravessou a fronteira da Colômbia. Ali reuniu um pequeno exército de 300 militares dissidentes e começou a conspirar contra o regime. Quase toda a gente estava a par do seu empenho pessoal em derrubar Maduro fosse de que forma fosse, mas no final de março o seu nome apareceu na lista negra da Agência Antidrogas dos Estados Unidos (DEA), com um prémio de dez milhões de dólares (9,2 milhões de euros) pela sua cabeça.
O general, que vivia em Barranquilla, no norte da Colômbia, decidiu entregar-se às autoridades de Washington, que o meteram num avião, em Bogotá, com destino ao norte. Ficaram órfãos os homens de Alcalá, cuja forte ligação ao chavismo e posteriores críticas à oposição veneuelana cedo suscitaram dúvidas sobre os seus verdadeiros propósitos.
Mesmo após o fracasso da Operação Gedeón ressurgiram acusações de que seja um agente duplo. Sem o seu comando, o militar mais importante da oposição é o capitão Javier Nieto Quintero, que já esteve atrás das grades na Venezuela e conspira agora nos Estados Unidos.
CONVIDADOS ESPECIAIS COM SOTAQUE “GRINGO”
Além dos militares rebeldes e generais próximos do “comandante supremo” Chávez, a Operação Gedeón teve como nota exótica pessoas de apelido norte-americano: os mercenários Luck Deiman e Berry Aian, antigos “boinas verdes” (das forças especiais), que os serviços secretos chavistas consideram “treinadores” de rebeldes. Ambos trabalhavam para a empresa de segurança Silvercorp, do antigo “boina verde” canadiano Jordan Goudreau.
Este ofereceu-se, em tempos, para dar formação na Colômbia aos fiéis do general Alcalá. Meios de comunicação dos Estados Unidos asseguram que a CIA contactou os dois militares na reserva para convencê-los a não participar na ação suicida desta semana na costa venezuelana.
Os que com eles desembarcaram em Chuao julgavam ter a seu lado dois “valentes aliados norte-americanos” que trabalhavam para a segurança d Trump. Goudreau, perito em operações especiais, desdobrou-se em entrevistas nas últimas horas, num dos capítulos más alucinados de uma trama já bastante obscura. O militar acumula medalhas obtidas no Iraque e no Afeganistão com suspeitas de fraude. Tentou vender à opinião pública, sem êxito, ter assinado com Guaidó um implausível contrato impossível que previa estas ações.
“O principal objetivo era libertar a Venezuela e capturar Maduro, mas a missão em Caracas fracassou”, declarou o proprietário da Silvercorp à Bloomberg. “A missão secundária é estabelecer campos de rebeldes contra Maduro. Já estão nesses campos, estão a recrutar e vamos começar a atacar objetivos táticos”, acrescentou, com alarde, nos antípodas da descrição que tais propósitos deveriam exigir (Expresso, texto do jornalista DANIEL LOZANO)

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