sábado, maio 02, 2020

Governo rejeita solução de Neeleman para a TAP

A solução para a TAP só levantará voo com o aumento do poder do Estado na empresa. Pedro Nuno Santos defende que um empréstimo garantido seria uma forma de os privados manterem o poder na TAP sem correr riscos. Em cima da mesa está uma emissão convertível e uma recapitalização. A salvação da TAP está nas mãos do Governo, e Pedro Nuno Santos, o ministro das Infraestruturas, deixou claro esta semana que o Estado não vai aceitar um modelo que sirva apenas os interesses dos privados. Está, por isso, fora de questão a companhia aérea recorrer apenas a um empréstimo garantido pelo Estado, como pretendia o acionista norte-americano, David Neeleman, de forma a combater a crise provocada pela pandemia. Neeleman tem-se desdobrado em esforços para mostrar que há bancos internacionais disponíveis para emprestar dinheiro à TAP e a companhia fez chegar à Parpública, a 20 de março, uma proposta de emissão obrigacionista de €350 milhões. Mas Pedro Nuno Santos não gostou da ideia — aliás, já avisou que “a música agora é outra na TAP”. Esta solução, considera, seria uma forma de os acionistas privados continuarem a mandar na companhia sem investirem mais um cêntimo.

O ministro está realmente convencido de que um empréstimo privado com garantia pública não é boa alternativa. Porquê? Porque não há evidência de que a TAP, com dois anos consecutivos de prejuízos e uma dívida superior a €850 milhões, o consiga pagar. Por isso, o mais provável é que a solução do Governo passe por ou um empréstimo público convertível em capital — hipótese que o acionista privado português, Humberto Pedrosa, já admitiu — ou um aumento de capital. Ou uma combinação das duas em simultâneo. O desenho final da ajuda não está fechado, e o Governo, na questão da TAP, tem vozes dissonantes.
O endividamento da TAP resultou da estratégia de crescimento acelerado que foi ditada pelos acionistas privados
Os acionistas privados — Neeleman e Pedrosa, que controlam a meias a Atlantic Gateway, que, por sua vez, tem 45% da TAP — já contavam com o reforço da posição do Estado, quanto mais não fosse com a presença deste na comissão executiva, onde não está neste momento. Mas tinham a esperança de que a posição estatal se mantivesse nos 50% (os outros 5% estão com os trabalhadores). Ora, o que ficou claro é que o Governo não só quer ter uma palavra a dizer na gestão da empresa como também admite — e quer — ter mais de 50%. E assim será se os privados não colocarem mais dinheiro.
ACUSAÇÕES DE MÁ GESTÃO
Pedro Nuno Santos foi muito duro na quarta-feira, na audição da Comissão Parlamentar de Economia, Inovação e Obras Públicas. “Não é por ser ministro que vou passar a dizer que a empresa é bem gerida. Faço uma apreciação negativa da gestão da TAP, como já fazia antes da covid-19.” A mensagem foi direta e sem rodeios: o Estado vai meter dinheiro na empresa e por isso vai passar a mandar.
A animosidade face ao acionista privado norte-americano é grande. O ministro deu a entender que o Governo se sentiu enganado por Neeleman e Antonoaldo Neves, o presidente executivo da companhia, que lhe andaram a garantir que a TAP iria ter lucro a partir de 2018. Ora, não foi isso o que aconteceu — a transportadora teve prejuízos de €118 milhões em 2018 e de €105,6 milhões em 2019, explicou aos deputados. O elevado endividamento da TAP e os seus prejuízos resultaram dos pesados investimentos que, sob a gestão de Neeleman, a empresa fez, com abertura de várias rotas, numa estratégia de crescimento acelerado que até poderia correr bem se tudo tivesse corrido como previsto.
O governante não acredita que os €350 milhões cheguem para resolver os problemas da empresa e desafiou a gestão a dizer quanto é que a TAP precisa até ao final do ano. Esta quinta-feira, o “Jornal Económico” dizia que serão precisos €700 milhões só este ano. Montante que fontes da administração confirmam. O ministro receia que a TAP não consiga pagar e que acabem por recair em cima do Estado. “E se a empresa não pagar, o empréstimo é de quem? É do povo português. Deve o povo português pagar e o privado continuar a mandar?”, questionou no Parlamento. "O privado está disponível para meter capital? Se sim, cá estaremos para cada um meter a sua parte, e tudo ficará como está. Se o privado não meter nada, o Estado fica maioritário.” No seguimento da intervenção do ministro, o Bloco de Esquerda apresentou um projeto-lei para nacio­nalizar a TAP e promover uma auditoria independente às suas contas.
Em aberto está também o regresso à atividade da TAP. Um dos cenários passa pela retoma progressiva dos voos a meio de maio, mas está dependente da lotação máxima determinada pelo Governo e das medidas de segurança a aplicar. A questão que se coloca é como tornar rentáveis voos com lotações tão limitadas, como se tem falado, apenas um terço da lotação. A subida de preços será inevitável. Mas poderá haver situações em que se perde mais dinheiro com a retoma dos voos do que se os aviões estiverem parados. Dentro da administração teme-se que o arrastar da solução para a ajuda do Estado — havia a expectativa de que fosse anunciada esta semana — acabe por fragilizar a TAP e comprometer a retoma dos voos. A empresa decidiu prolongar o lay-off (suspensão temporária do contrato de trabalho) de 90% dos seus trabalhadores até 31 de maio (Expresso, texto dos jornalistas ANABELA CAMPOS E PEDRO LIMA com LILIANA VALENTE)

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