domingo, maio 03, 2020

Comunicação social: a encruzilhada num caminho demasiado esburacado

Os primeiros sinais de crise nos média surgiram em finais de 2018 e em 2019 abriu-se o debate sobre a necessidade de serem estudados programas específicos para os meios de comunicação social, ressalvando as especificidades da imprensa regional separando-os dos demais, nomeadamente os chamados meios de comunicação nacionais com problemas diferentes e bem maiores.
O ano de 2019 foi um mau ano para o sector e multiplicaram-se os alertas das associações e do SJ advertindo para uma degradação acelerada da situação, caso não fossem tomadas medidas.
Em finais de 2019 a coisa complicou-se e o tema foi introduzido na agenda política por MRS ao ponto de o tema ter sido debatido na Assembleia da República. As várias propostas visando acolhimento para o Orçamento de Estado 2020 não foram votadas, criando-se em Dezembro de 2019 a primeira desilusão.
Pouco unido
A verdade é que o sector, ao contrário do que acontecia no passado, está pouco unido, há muito egoísmo empresarial, muita concorrência cada vez mais agressiva, há uma diferenciação dos negócios entre televisão e jornais, há a concorrência do digital, das próprias redes sociais nalgumas das suas apostas, com as rádios locais a sofrerem e a imprensa regional a ser cada vez mais o parente pobre do sector.

Um exemplo, o estado gasta com a RTP só cerca de 90 milhões de euros em salários e outros encargos, a que acrescem os mais de 200 milhões de receitas da CAVE. Esse valor daria uma enorme folga ao sector de uma maneira geral. Neste contexto eu separo as televisões dos restantes meios de comunicação social, dado que estas têm armas mais poderosas comparativamente às da rádio ou da imprensa. Mas de uma maneira geral isso não esconde a realidade generalizada de quedas da publicidade e acentuadas descidas nas vendas e estratégias salariais mais contidas
Vários alertas
Vários foram os alertas que não podem ser vistos como lamentações choramingonas. Se a democracia precisa dos meios de comunicação social, se num contexto desregulado das redes sociais os meios de comunicação social ainda são um importante fiel na balança da verdade e no combate às fake news, então é preciso debater com seriedade e serenidade as medidas que existiam e foram sendo retiradas ao longo dos anos. Medidas fiscais por exemplo, apoios com porte pago, formação, etc.
O mercado madeirense
No caso da Madeira, onde a dimensão do nosso mercado não pode ser dissociada de qualquer análise, quer em termos de consumidores, quer em termos publicitários, não podemos caiu no erro, e deixar que caiam na desajustada confusão misturando um Mediaram que surgiu num determinado contexto e para uma determinada finalidade, com medidas extraordinárias, de natureza fiscal que são necessárias para que a imprensa regional sobreviva.
Estramos a falar de mais de uma dezena de meios de comunicação regionais que empregarão directa ou indirectamente penso que 150 pessoas, mas sem ter a noção dessa estatística.
- quadros de pessoal foram reduzidos
- repensar a aposta no digital feito na lógica de uma determinada realidade e de um determinado tempo passado recente, que esta pandemia destruiu e exige agora uma nova lógica
- ausência da definição de um novo modelo de gestão do negócio da comunicação social
- reforço da precariedade laboral generalizada e falta de recursos humanos
- Falta de profissionais experimentados e de alguns especialistas em áreas mais sensíveis, polémicas e prioritárias da sociedade e da vida
- falta de investigação jornalística que questione muitas das medidas veiculadas como “triunfos” muitas vezes com pés de barro que só mais tarde, demasiado tarde, descobrem
- desvalorização das fontes credíveis e sérias, não identificadas, que são uma das regras essenciais do jornalismo
- redução da dependência das redes sociais mas saber aproveitar algumas “dicas” que ali surgem e carecem de adequado tratamento jornalístico, caso o tema seja de interesse público
- perigo de haver uma falta de espaço para todos num mercado regional tão pequeno
- mercado publicitário pouco ou nada explorado, pouco ou nada estimulado e que dificilmente não continuará esgotado ou em vias disso, obrigando os jornais a tomarem outras iniciativas passíveis de gerarem novas receitas
Mas tudo isto chega? Tudo isto garante estabilidade empresarial, independência do jornalismo, emprego estável aos jovens profissionais e salários dignos? Não tenho respostas para isso e duvido dos paraísos que alguns durante algum tempo tentaram traçar apontando o dedo da desgraça ao vizinho ao mesmo tempo que escondiam o lixo debaixo do tapete.
O blá-blá partidário
Não acham estranho que apenas PCP e Bloco tenham avançado com iniciativas de apoio aos meios de comunicação social no parlamento nacional, percebendo-se facilmente o destino das mesmas, tal como aconteceu na discussão do OE-2020.
PCP propõe pacote de ajuda aos media, mas só para imprensa local, Lusa e RTP
O PCP quer criar uma série de apoios para ajudar a comunicação social em tempos de crise. No entanto, as ajudas desenhadas pelo partido destinam-se apenas à imprensa regional e local e aos órgãos de comunicação públicos, nomeadamente a Lusa e a RTP.
A proposta prevê apoios diferentes tendo por base transferências extraordinárias de dinheiro, compra de publicidade institucional ou o pagamento de despesas. No caso das rádios locais, o projeto de lei estabelece uma “compensação de 50%” por custos relacionados com o transporte de sinal e a ocupação do espetro, assim como despesas com a emissão digital.
No que toca à imprensa regional e local, o partido quer que a expedição para assinantes seja comparticipada a 100% pelo Estado, mas também que estes órgãos passem a receber pelo menos 30% do custo de cada campanha de publicidade institucional a partir de 15 mil euros. Atualmente, a lei fixa essa percentagem em 25%.
Quanto aos órgãos públicos, o PCP propõe apoios extraordinários tanto para a agência Lusa como para a RTP: um milhão e meio de euros no primeiro caso e 16,3 milhões no segundo, “o que corresponde aos montantes apurados de subfinanciamento que o Estado está obrigado a transferir para a empresa”.
Do plano já anunciado pelo Governo para apoiar os media, que consiste em compra antecipada de publicidade institucional no valor de 15 milhões de euros, ficavam excluídos os órgãos em que o Estado tem participação e destinava-se um valor de 3,8 milhões à imprensa regional e local.
O acesso a estas ajudas tem uma condição: a empresa não poderá despedir, cessar contratos ou recorrer ao lay-off; se o tiver feito, deverá reintegrar os trabalhadores em causa para receber o apoio. O financiamento de todas estas medidas extraordinárias, esclarece o PCP, deveria ficar previsto em Orçamento do Estado.
Apesar de já haver vários jornais e grupos de media a aderirem ao lay-off (cerca de 50, segundo a Associação Portuguesa de Imprensa, citada pela Lusa), a medida destina-se apenas a estes casos. Tudo porque, argumenta o PCP no mesmo projeto, o setor da comunicação social é “vítima da concentração da propriedade, num punhado de grupos económicos” que “usam o poder económico e os meios dos quais são proprietários para produzirem os conteúdos mais convenientes à sua lógica de mercado" e para "ocultarem ou divulgarem a informação da forma que melhor serve os seus interesses económicos, políticos e ideológicos”.
Envolvimento de MRS
Percebo a preocupação de MRS em se envolver numa realidade que ele conhece bem, mas acho que o PR vai muito, sempre foi assim, ao corrente da agenda, corre atrás dos factos à medida que eles estão na agenda mediática e política mas depois vira a página. Embora não tenha capacidade de decisão acho que poderia ter, caso queira, um papel preponderante na procura de soluções.
No final de 2019 em várias intervenções públicas, MRS falou do tema, mas os resultados - na altura discutiam-se as propostas de alteração na especialidade da proposta de OE-2020 - foram nulos porque nenhuma proposta apresentada passou no plenário.
Muito sinceramente acho que está muita coisa em jogo, está mesmo muita coisa em cima da mesa em termos do futuro da comunicação social. E não assumir isso descomplexadamente, é errado porque atenua a verdadeira realidade e alinda a imagem do sector que é uma das piores de sempre, senão mesmo a pior de sempre.
E não se iludam, pois até os grandes grupos de comunicação social estão com problemas graves que preferem esconder.
O futuro da comunicação social depende da forma como sairmos desta crise e da recuperação do mercado.
Um cenário, apenas como exemplo, de austeridade à moda de 2011 dificilmente deixará de ser o fim da comunicação social.
São conhecidas algumas propostas já apresentadas ao longo dos últimos tempos
Flexibilização dos regimes de manutenção de postos de trabalho e lay-off para todo o sector, com base na verificação de decréscimo homólogo das receitas superior a 20%; possibilidade de aplicação parcial ou geral
Forte aquisição de espaço publicitário por parte do Estado, a preços de tabela, em todos os meios e plataformas para divulgação massiva das campanhas em curso: saúde, segurança pública, economia e outras
Taxa de 0% no IVA de assinaturas digitais e serviços associados à distribuição de publicações em papel; suspensão da liquidação de IVA pelos pontos de venda durante quatro meses
Eliminação das taxas da ERC e da ANACOM e isenção da taxa de exibição/audiovisual (4% das receitas) até ao final do ano
Regularização dos créditos com empresas de media
Comparticipação nos gastos de energia dos emissores de radiodifusão durante o período do surto
Suspensão das obrigações relativas à programação portuguesa e europeia, produção independente e quotas criativas, durante pelo menos quatro meses
Apoios à produção de conteúdos informativos e audiovisuais de origem nacional, como a majoração do investimento em produção portuguesa (Expresso)
A Santa Casa Misericórdia e a Fidelidade ao comprarem assinaturas para oferecerem a clientes, profissionais de saúde, etc deram o exemplo, um bom exemplo. Uma boa ideia, que não resolve nada.
As receitas da imprensa proveem essencialmente da publicidade e de iniciativas promovidas pelos jornais, conferências, viagens, publicações etc. Não de vendas em banca ou de assinaturas.
Distribuidores entalados
A comparticipação dos custos de transporte pelo Estado, suspensão do pagamento do IVA e atribuição de um crédito fiscal para todos os pontos de venda são algumas das propostas enviadas ao Governo no final de março. Na ausência de resposta, VASP pede aos editores para se juntarem ao apelo.
A distribuidora nacional de jornais e revistas VASP – que tem como acionistas os grupos Cofina, Global Media e Impresa (dona do Expresso) – enviou uma carta ao Governo, no dia 27 de março, com um conjunto de “medidas compensatórias urgentes” para as empresas de distribuição e comercialização de produtos de imprensa.
Açores aplaudidos pelo SJ
O Sindicato dos Jornalistas (SJ) saudou a iniciativa do Governo Regional dos Açores de apoiar os órgãos de comunicação social privada “no valor de 90% da retribuição mínima mensal regional, por trabalhador, com contrato de trabalho, por mês”.
Falamos de um “apoio excecional” a ser prestado durante os meses de abril e maio e justificado para “para garantir o funcionamento, em termos de recursos humanos, das respetivas redações, comprometendo-se a entidade a não reduzir o seu nível de emprego, sob pena de ter de devolver o apoio concedido”.
Lembro que a medida considera elegíveis para efeitos de atribuição de apoio, os trabalhadores com categoria profissional que desenvolvam actividade no âmbito da redacção, produção, edição e difusão de conteúdos informativos, com contrato de trabalho há, pelo menos, três meses.
A crise da imprensa privada nos Açores é conhecida e piorou com esta pandemia. Mas não é só lá. No país há jornais e rádios locais a encerrarem a sua actividade por não terem receitas que suportem os encargos. O último caso conhecido, já esta semana, é o Diário de Coimbra a braços com uma enorme dificuldade em manter a sua actividade
Em Canárias vários meios de comunicação recorreram a uma solução semelhante ao nosso layoff apesar dos protestos dos jornalistas (LFM)

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