Confesso que
mantive deliberadamente uma certa precaução na abordagem da problemática da
nova Grécia, porque não tinha a certeza, nem tenho, de que o caminho escolhido
pelo Syriza, apesar de lhe ter valido a vitória eleitoral no país, fosse viável.
Temo que o Syriza, e tudo aponta nesse sentido, tenha tido agora, depois das
eleições, enormes dificuldades em adaptar o seu discurso político à realidade
financeira do país, à dependência da Grécia dos credores, aos efeitos
corrosivos da pressão manipuladora dos mercados. Uma coisa foi o discurso de
Syriza, desde a oposição ao poder, outra coisa é governar com uma realidade que
por muito que tenha sido distorcida e escondida, e foi claramente, condiciona
tudo e todos.
Com uma dívida
monstruosa, com uma fortíssima pressão dos credores externos, com a Alemanha à
perna quase todos os dias, e sem uma solidariedade incondicional dos parceiros europeus,
que certamente estaria à espera, parece estar a ensaiar um travão estratégico e
devidamente calculado, tentando uma reaproximação que torne a dívida grega
sustentável sem que isso implique a manutenção ou o agravamento da austeridade
impostos aos gregos.
É um facto que
a Grécia, a braços com um desemprego vergonhoso e com problemas sociais
gravíssimos, votou nas promessas demudança porque acreditou no discurso
radicalizado de Tsipras e do seu partido, particularmente a ideia de que o objetivo
principal depois das eleições seria o de renegociar a dívida, controlar e
reduzir a austeridade e resolver os imensos problemas sociais que estão a
destruir e a empobrecer o país. Li há dias um estudo segundo o qual mais de 55%
dos eleitores do Syriza - embora existam outros trabalhos que sustentam valores
mais elevados - não têm qualquer identificação ideológica ou programática com o
partido de Tsipras. Segundo o mesmo estudo, os gregos, apesar de se afirmarem
europeus, estão dispostos a sacrificar a sua continuidade no euro e em última
instância na própria União Europeia, se a isso corresponder uma melhoria da
situação, mais empregos e um aliviar da pressão e da austeridade! Estamos a
falar da classe média, completamente destruída na Grécia, pela juventude
desesperançada e de uma enorme mancha de eleitores flutuantes - sem compromissos
partidários efetivos - que resolveram dar uma oportunidade ao Syriza porque
deixaram de acreditar nos chamados partidos tradicionais, responsabilizados
pela crise. O PASOK (socialista), que esteve no poder nos últimos anos
anteriores ao estalar da crise e da falência da Grécia, praticamente desapareceu
do mapa político de eleitoral do país, algo que curiosamente não acontece em
Portugal.
Quando o Syriza
ganhou as eleições, reconheço que uma onda varreu a Europa, levando a esperança
sobretudo aos países do sul - Espanha, Portugal, Itália - que rapidamente se
alargou à Irlanda. A esperança de que Tsipras podia impor à Europa mudanças de
atitudes e de políticas.
Se essa
esperança não se desvaneceu totalmente, apesar dos contratempos nos contatos
europeus de Tsipras e do ministro das finanças, a verdade é que passadas
algumas semanas, verifica-se que existe de facto uma diferença enorme entre o
discurso político e o populista eleitoralismo e a realidade, basicamente tudo
aquilo que o governo de Atenas terá que enfrentar.
Depois de uma
ronda europeia, há uma ideia mais ou menos unânime de que o Syriza recuou em
muitas das suas propostas mais radicalizadas. Não bastam as encenações, como é
o caso da recusa em usar gravata ou da submissão pública do governo perante a
poderosa Igreja ortodoxa grega, etc. Isso não resolve os problemas dos gregos.
O governo de Tsipras na sua primeira reunião, com alguma provocação à mistura,
readmitiu cerca de 600 empregadas de limpeza do Ministério das Finanças e de
alguns outros serviços públicos - excedentários sem atividade - aumentou o
salário mínimo nacional e suspendeu o programa de privatização dos portos
gregos (60%) conforme exigência da troika no quadro do programa de ajustamento
financeiro.
A verdade é que
tanto o primeiro-ministro grego como o seu ministro das finanças, regressaram à
Grécia, depois do périplo europeu, sem grandes esperanças e com as mãos vazias.
Previsivelmente era isso que aconteceria. A Alemanha travou tudo, insiste em
enviar recados aos gregos, admite mesmo a saída da Grécia do euro, desvaloriza
qualquer impacto negativo dessa decisão, tenta isolar a Grécia de uma forma que
terá que obrigar o governo de Atenas a rever a sua estratégia.
Penso que a
Grécia será obrigada a repensar, em minha opinião, a sua estratégia junto da
Europa. A ideia de separar o BCE e o FMI da Comissão Europeia, com base numa
lógica de que a Comissão tem que ser solidária com os estados-membros e ter
para com eles posturas e visões diferentes das que instituições financeiras
obviamente alimentam, pode ser inteligente, admito que o seja, mas não sei até
que ponto dará os frutos desejados.
A recusa de
Tsipras de voltar a reunir com a "troika" que na realidade não passa
de um conjunto de repugnantes tecnocratas engravatados, cuja atividade
profissional pouco ou nada tem a ver com a realidade dos países
intervencionados, já que se circunscrevem ao manuseamento de indicadores e de
folhas de excel, caiu bem nalguns países, já que tanto a França como a Itália,
subscrevem a ideia de que os países e os governos legitimados pelo voto popular
não podem submeter-se a uma corja de tecnocratas que visões muito redutoras e
que pretendem representar mais os interesses dos credores do que em negociar
soluções que permitam o crescimento dos países intervencionados para que eles
tenham condições financeiras e orçamentais para cumprirem os seus compromissos,
sem abrirem crises sociais graves internas.
O que se passou
em Portugal foi isso mesmo, uma devassa vergonhosa da realidade nacional, a
imposição de uma austeridade que ultrapassou tudo o que a própria troika
previa, resultando de todas estas patifarias, que tiveram sempre a cumplicidade
ativa e submissa do governo do PSD e do CDS, o empobrecimento do país, a
multiplicação de dramas sociais tremendos, a desestruturação das famílias e das
empresas, enfim, uma subversão violenta e acelerada da realidade nacional que
não podiam nunca ficar sob a batuta de técnicos da "troika" que
contaram sempre com o colaboracionismo rastejante do Ministério das Finanças e
de Passos Coelho. Aliás é bom que as pessoas tenham isso presente quando forem
chamadas a votar e percebam que os problemas, de uma maneira geral, subsistem.
Os políticos portugueses ainda no poder, por mero oportunismo saloio,
limitaram-se a tentar limpar a face - quem sabe se pensavam mais em putativos
tachos em organizações europeias, com o apadrinhamento alemão - do que em
defenderem mais os portugueses e o país como lhes competia. Mas um dia a
História vai contar-nos tudo o que se passou, todas essas patifarias, incluindo
as trampas nos bastidores das negociações com a troika, ainda no tempo de
Sócrates e da cumplicidade que PSD e CDS sempre asseguraram, apesar de terem
hipocritamente tentado "sacudir a água do capote" e
desresponsabilizar-se de um processo - a negociação de um programa de
ajustamento financeiro - no qual foram parte ativa.
A recusa de
Atenas em manter negociações com a troika, e que irritou tanto a Alemanha, pode
esbarrar em novos muros, que a Grécia que evitar. Isto significa que a presença
da troika em Atenas provavelmente vai manter-se, mais discreta, com um outro
modelo de funcionamento e com outros interlocutores gregos que não os ministros.
Penso que isso obrigará a que a Comissão Europeia, ao contrário do que costuma
fazer (e nesse aspeto a Comissão de Barroso foi um desastre e um rio imenso se
incompetência), passe a acompanhar, porque a isso obrigada, o processo negocial
com a Grécia. Mas passe sobretudo a exigir dos seus parceiros na troika a
necessidade de compatibilizar a austeridade e o acerto das contas públicas
gregas com a realidade do país, com a necessidade de evitar mais dramas sociais
e o agravar da pobreza e do desemprego que está a destruir a pátria da
democracia europeia.
Foi claramente
o Banco Central Europeu a dar o primeiro grande safanão ameaçador, quando
deixou de aceitar títulos de dívida pública grega nas suas operações de
refinanciamento. Com esta decisão o BCE suspendeu o regime favorável do qual
beneficiavam até agora os bancos gregos, por "não ser possível neste
momento antecipar uma resolução positiva" do programa de ajuda internacional
aplicado na Grécia.
Convém recordar
que nos últimos dois meses, os bancos gregos perderam cerca de 21 mil milhões
de euros em depósitos, situação que levou já bancos a recorrerem a empréstimos
de emergência junto do Banco Central Europeu. Há quem admita que o novo governo
do Syriza possa impor um limite aos levantamentos e transferências de dinheiro
para fora do país, pois isso permitiria a Alexis Tsipras ganhar tempo para
negociar com os parceiros europeus. Daquele montante cerca de 6 mil milhões de
euros foram levantados em Dezembro e os restantes 15 mil milhões saíram dos
bancos gregos em Janeiro.
É um facto que
Tsipras, apesar das dificuldades e de um certo desaire nas negociações
europeias, vai manter o discurso político mais radicalizado para consumo
interno, porque foram essas ideias que lhe propiciaram a vitória eleitoral.
Veja-se esta declaração recente: "Após cinco anos de um resgate bárbaro o
nosso povo não aguenta mais. Nos últimos dias sentimos que o nosso orgulho foi
restaurado. É nosso dever não desiludir. A decisão irreversível do nosso
governo é aplicar totalmente as promessas eleitorais feitas" (LFM/JM)