quarta-feira, fevereiro 25, 2015

Opinião: Jovens “malditos"?



Um dos grandes males da política portuguesa - não sei, confesso, se se trata de um fenómeno europeu que transversalmente envolve todas as democracias da Europa - é que tem sempre uma dificuldade em abrir-se aos jovens. A reboque desse estado de espírito muito restritivo, mas que revela muitas vezes a fragilidade dos protagonistas, os partidos comportam-se em linha com esse pensamento, fechando-se a qualquer tipo de renovação (interna e externa), limitando-se a umas intervenções pontuais, meramente cirúrgicas, que nada representam em termos concretos.
Na Madeira, digam o que disserem, essa realidade existe, não de hoje, mas desde há muitos anos. Penalizadas com essa postura ficaram as organizações políticas de juventude, olhadas pelos respectivos partidos não como escolas e/ou viveiros "fabricadoras" de políticos, mas sobretudo como uma espécie de "mercado abastecedor" de coladores de cartazes em períodos eleitorais, de uma claque para animar comícios e outras ações políticas de rua, e pouco mais.
Passou-se do oitenta, nos anos setenta, para os oito dos anos noventa em diante. Depois do 25 de Abril, onde os conflitos eram constantes, quase diários, alimentados por uma disputa ideológica que tinha mais a ver com as cores partidárias dos jovens - subitamente atirados para uma revolução portuguesa que esteve à beira de ficar privada de qualquer controlo democrático - do que com conceitos filosóficos ou políticos. A partir do final dos anos noventa em diante, passou-se aos oito, muito minimalista, em que as organizações de juventude perderam influência, diria mesmo consistência interna nos respetivos partidos e na sua presença nas escolas, nas universidades, no mercado de trabalho, etc, salvo algumas nuances meramente pontuais e sem grande impacto.
Não acredito que os nossos jovens (e elevo o patamar etário aos trinta e mais anos), independentemente dos partidos de que façam parte, se sintam hoje minimamente motivados pela política. Não estando motivados pela política, recusam envolver-se com partidos. Não motivados com a política e distantes dos partidos é natural que não troque as redes sociais, as noitadas ou os videojogos pela ida às urnas sempre que se realizam eleições. Hoje é mais do que evidente que os jovens foram, a par dos idosos, dos reformados e dos pensionistas, dos mais sacrificados pela crise e pela austeridade. E as sucessivas mudanças na legislação laboral feitas em Portugal, que roçaram o banditismo moral e ético nalguns aspetos de princípio, destinaram-se claramente a disfarçar ou manipular as estatísticas oficiais do desemprego na medida em que ficam longe, muto longe mesmo, de garantirem o emprego aos jovens e a sonhada estabilidade no emprego, sobretudo isso.
Não me perguntem de quem é a culpa. Porventura de muita gente e de muitas instituições, políticas e não políticas. A verdade é que continuamos reféns de mentalidades conservadoras, no sistema, na praxis política, nos próprios partidos onde existe uma estranha conceção de autodefesa. Não tenho dados sobre isso. Não me aventuro com especulações nem alinho numa "caçada" a culpados por esta lamentável estado de coisas.
Sejamos sérios e pragmáticos: um jovem que vê a família ameaçada pela hipoteca da sua casa, porque deve 100 euros às finanças, sente-se minimamente interessado em votar? Um jovem que fica a saber que o pai paga às finanças multas criminosas porque pagou a porcaria do selo do carro fora do prazo, por acaso vai votar nos culpados desta situação? Um jovem que estudou na Universidade, em quem a família investiu tudo o que tinha e não tinha (muitos contraindo empréstimos nos bancos ou sujeitando-se ao apoio de familiares com mais disponibilidades financeiras) e que regressa à sua terra, não consegue emprego e é atirado para a selva da frustração, perdido num quotidiano de incerteza, porventura estará motivado a votar? Um jovem que vê a sua família ficar sem água e sem luz, porque desempregados, enfrentam dificuldades no pagamento regular de faturas, vai a correr às urnas? Um jovem que olha para os avós, roubados pelo governo de Passos Coelho e do CDS, nas reformas e pensões, sente-se interessado em votar? Um jovem que não tem emprego e que em casa tem um dos progenitores desempregado (alguns os dois), e que percebe as dificuldades titânicas daquelas heroicas famílias em garantirem pelo menos o pão e a sopa na mesa, quer ter alguma coisa a ver com a política, os partidos ou as urnas? Um jovem que é obrigado a abandonar os estudos superiores para ir trabalhar, porque os seus pais, que entretanto ficaram desempregados devido a circunstâncias várias que marcaram estes tempos de bandidagem libertina, deixarem de ter condições financeiras para fazer face a tais encargos, por acaso vão a correr abraçar partidos e votar nas urnas?
Sejamos sérios e realistas, acham, depois disto tudo, que os jovens devem ser apontados a dedo, como tantas vezes são, com algum sentimento punitivo, sempre que se fala da abstenção eleitoral e do exercício de um direito de cidadania?
A situação dos jovens portugueses na política, em termos de envolvimento efetivo, tem muito a ver com os partidos e com a sua dimensão social, política e eleitoral. Os partidos de poder, mais atrativos por isso mesmo, são aqueles que mais dificuldades apresentam, regra geral. Os partidos mais pequenos, até pela sua escassa dimensão social, política e eleitoral, e por isso mesmo menos atrativos e procurados, discutem ao milímetro qualquer abertura aos jovens. Porque não há lugar para todos. O mesmo se poderia dizer relativamente às mulheres. Deixarei isso para outra oportunidade, na certeza também que muitas mulheres seguem a política, acompanham a evolução dos acontecimentos e sabem mais de política do que muitos homens que por lá anda a desempenhar cargos de responsabilidade. O problema é que as mulheres, também na política, sofrem de um problema que não sendo nacional, é também nacional.
Há dias li num estudo, centrado apenas na relação entre as empresas e as mulheres em posições de destaque, reconhecia que não é fácil ser mulher em Portugal: "Portugal é o pior país na Europa, e um dos piores no mundo, no que toca à presença de mulheres em cargos de topo nas empresas. Com apenas 7,9% de mulheres presentes em conselhos de administração, Portugal tem menos de metade do que a Alemanha (18,5%) e menos de um quarto do que a Noruega (35,5%)".
Se este estudo fosse direcionado para a política, para a presença de mulheres em cargos de responsabilidade, política, partidária ou governativa, a situação seria bem mais negra. Em 2009 funcionou pela primeira vez na política portuguesa a aplicação da Lei da Paridade, que obrigou os partidos à inclusão de um terço de mulheres nas listas eleitorais. Os partidos reconheceram então que estavam a deparar-se com dificuldades em angariar candidatas, sobretudo para as autárquicas mas a verdade é que a questão das quotas das mulheres nas listas de candidatos, continua a não ser cumprida nos sucessivos atos eleitorais. No caso da Madeira basta ver quantas mulheres ocupam cargos públicos de responsabilidade política, governativa e empresarial para percebermos o que se passa a este nível.
Temos, regressando ao tema principal deste meu artigo, o que vulgarmente de reconhece ser a geração mais bem preparada das últimas décadas em termos profissionais e académicos. O ensino massificou-se o acesso à Universidade deixou de ser privilégio para os ricos, as alternativas em termos de formação superior multiplicaram-se, etc. O problema é que, paralelamente a tudo isso, começaram a faltar empregos, os jovens passaram a bater com a cara em muitas portas nas quais tinham esperanças fundadas de que se abrissem. A crise, a austeridade, a desconfiança, conjugadas com o facto de estarmos a ser inundados por medidas legislativas que a pretexto da crise dificultam a normal renovação dos recursos humanos, nas instituições e/ou nas empresas, têm sido a face negra da realidade de uma juventude portuguesa, desiludida com o seu quotidiano, incapaz de mostrar o que vale, privada de ter oportunidades para mostrar as suas capacidades e competências e compreensivelmente desiludida com a política, os partidos e os políticos. E isso acaba por contagiar as famílias, que depositaram tudo nos jovens filhos e/ou netos, muitas delas investindo tudo o que tinham e não tinham, e que depois vêm os dias passar-se sem que os jovens tenham a oportunidade desejada e o emprego tão esperado.
As organizações de juventude, e não se trata de nenhuma crítica mas da necessidade de sermos honestos na abordagem do assunto, não valem hoje rigorosamente nada, enquanto forças de persuasão, comparando com o que acontecia no passado, nos primórdios do Portugal pós-25 de Abril e no Portugal verdadeiramente democrático.
Neste quarto é evidente que as organizações políticas de juventude não consigam dar a volta à situação porque estão completamente amarradas, num colete-de-forças que lhes é imposto. São desvalorizadas, olhadas com desconfiança, obrigadas a dar muito duro para dizerem que existem, a partir muita pedra para mostrarem que têm recursos humanos capazes e válidos que esperam e merecem uma oportunidade. E mesmo quando trabalham no duro, as oportunidades não aparecem.
Depois, hipocritamente, os políticos adultos escandalizam-se todos porque os jovens europeus aderem ao Estado Islâmico, envolvem-se em atentados e outros atos violentos na puritana, ridícula e hipócrita Europa em que vivemos ou porque alinham com movimentos políticos mais extremistas, da direita e da esquerda, sem que os estudiosos encontrem, consensualmente, uma justificação plausível para isso. Não será por acaso uma fuga? Não será por acaso uma consequência lógica de uma frustração e de uma noção de marginalização social que se vai acumulando ao longo dos anos, e que depois rebenta? Não se trata de querer justificar tudo isso ou de tentar atribuir uma explicação para essas opções. Nada disso. Trata-se de vincar que a sociedade tem que definir prioridades. Como é possível aceitar que a Europa, por um lado, assuma o "compromisso" de combater o desemprego dos jovens, cerca de 10 milhões indivíduos, e por outro obrigue os estados-membros - apesar dos milhões de euros derramados inutilmente nalguns deles, em programas criados nas secretárias aconchegadas de Bruxelas, longe da realidade no terreno, destinados a "resolver" o problema... - a adotar medidas liberalizadoras no quadro da legislação laboral e que criam a precariedade laboral e não dão aos jovens qualquer segurança no emprego e certeza quanto ao futuro?
            Quem disser que tem um retrato fiel do comportamento dos jovens madeirenses nas urnas, está a mentir. Não tem rigorosamente coisa nenhuma. No passado, e já lá vão uns bons anos, admito que devido ao facto de ter havido então havia uma lógica sequencial no ordenamento do recenseamento eleitoral que remetia os jovens para as secções de voto finais, dado que era aí que se concentravam os novos eleitores depois de formalizada a inscrição nos cadernos recenseadores. Com o tempo passou a funcionar a lógica das secções de voto estruturadas sobretudo em termos de residência e/ou freguesia, o que implica que hoje os jovens, quando se inscrevem no recenseamento, são distribuídos pelas diferentes secções de voto existentes na freguesia de residência que naturalmente se vão renovando.
            Qualquer estudo - e seria útil que se promovesse um, após quatro anos de crise social e de austeridade, tendo em vista propiciar indicações para percebermos por exemplo, e pela análise das secções de voto, qual a relação entre a abstenção eleitoral com a emigração na Madeira – só será possível com a colaboração das Câmaras Municipais.
            Os resultados eleitorais são divulgados em termos totais, nas freguesias, e nos concelhos, não havendo o conhecimento dos resultados em cada secção de voto – que indicariam, por exemplo, a relação da abstenção com os sítios de residência dos eleitores na respetiva freguesia, entre outros dados.
            Acho que no caso da Madeira dificilmente se pode hoje efetuar qualquer estudo com um mínimo de fiabilidade sobre o comportamento dos jovens na sua relação com as urnas, exatamente porque eles não são obrigados a divulgar as suas opções, mas porque eles deixaram de estar concentrados num pequeno grupo de mesas eleitorais dada a dispersão pelas várias secções de voto existentes em cada freguesia.
            Neste momento desconhecem-se os resultados da atualização reportados a 2015 – o recenseamento ficou suspenso depois de terem sido convocadas as eleições regionais na Madeira – mas para que as pessoas percebam a evolução na Madeira, deixo os seguintes resultados oficiais registados no último dia de cada ano:
·         2001 - 212.729 eleitores
·         2002 - 215.158
·         2003 - 223.834
·         2004 - 227.613
·         2005 - 229.508
·         2006 - 230.630
·         2007 - 232.416
·         2008 - 258.582
·         2009 - 253.226
·         2010 - 255.705
·         2011 - 257.060
·         2012 - 257.689
·         2013 - 257.764
·         2014 - 251.013 eleitores
            Ainda sobre este tema, e particularmente sobre as dificuldades na relação entre a política e os jovens, problemática que não é de hoje, já em 2008 uma sondagem realizada a quase 2 mil pessoas, dos 15 aos 65 anos, pelo Centro de Estudos e Sondagens da Universidade Católica Portuguesa, concluiu que no caso da faixa etária entre os 18 e os 29 anos:
·         48,2% dos inquiridos afirma interessar-se pouco pela política e 22,3 % não se interessa nada;
·         55,7% dos inquiridos lê a secção de política num jornal menos do que uma vez por semana embora 44,1% veja notícias sobre o tema todos os dias na TV;
·         26,1% dos inquiridos não acerta quando responde à pergunta: Quem foi o primeiro presidente eleito depois do 25 de Abril?
·         52,1% dos inquiridos não acerta quando responde ao “Número de Estados da União Europeia”;
·         49,7% dos inquiridos vota sempre contra 17,5% que nunca votam.
            Um estudo recente mostrou que "os estudantes pré-universitários portugueses consideram que trabalhar no sector público é menos apelativo do que no privado, manifestando uma clara preferência pelo lançamento de um negócio por conta própria". De acordo com o estudo, realizado entre Setembro e Outubro de 2014, "apenas 11% dos jovens portugueses vê o sector público como uma saída profissional interessante, enquanto o sector privado e o trabalho por conta própria reúne mais de 40% das preferências". Este trabalho abrangeu um grupo de 2.026 indivíduos em Portugal, Espanha, Itália e Grécia (LFM/JM)