“Os maiores financiadores dos
partidos políticos são empresários, muitos com negócios com o Estado. E há
mesmo quem financie mais do que um partido ao longo de vários anos. Depois de o
Presidente da República ter pedido no 5 de outubro maior transparência no
financiamento partidário, o Observador consultou os processos das contas dos
partidos do poder, PS, PSD e CDS, para lhe dizer de onde partem os donativos e
a angariação de fundos. A família dona da construtora Mota-Engil distribuiu
cerca de 95 mil euros entre PS, PSD e CDS entre os anos de 2004, 2005, 2008 e
2009. António Manuel Mota, Maria Manuela Vasconcelos Mota, Maria Paula
Vasconcelos Mota Meireles e Maria Teresa Vasconcelos Mota Neves da Costa são
quatro dos dirigentes do grupo Mota-Engil que aparecem com maior frequência nos
donativos aos partidos políticos. Todos estes quatro membros da família deram
dinheiro ao PS, PSD e CDS, registados no exercício dos partidos, em anos de
eleições legislativas. António Manuel da Mota, chairman do grupo Mota-Engil, é
mesmo um dos principais financiadores dos vários partidos, tendo doado mais de 32
mil euros aos três partidos. O Observador tentou obter um comentário dos
membros da família Mota sobre estes donativos, mas tal não foi ainda possível. Com
ligações ao Grupo Mota-Engil aparece ainda o nome de Carlos Manuel Marques
Martins, presidente da Martifer, empresa da qual a Mota-Engil é acionista. O
presidente da empresa doou cerca de 10.000 euros ao PS e ao PSD em 2004 e 2005.
Distribuir o bem pelas várias
aldeias
Mas há mais famílias mãos
largas para os partidos. No topo da tabela entre os que mais dão a partidos,
estão dois membros da família Neiva de Oliveira: Adalberto Neiva Oliveira e
Tiago Neiva de Oliveira.
Os dois empresários do Grupo
Cabelte, da área da energia e telecomunicações, são os que abriram mais o
cordão à bolsa e distribuíram 75 mil euros em donativos no ano de 2009. Nas
contas declaradas ao Tribunal Constitucional, encontram-se donativos ao CDS
(5.000 euros), PSD (20.000 euros) e ao PS (50.000 euros registados nas contas
da campanha eleitoral para as legislativas).
Adalberto Oliveira é mesmo o
maior doador singular a vários partidos, tendo distribuído 40.000 euros em
2009. Uma justificação para a disponibilidade do empresário poderá ser o facto
de já ter feito parte do mundo da política. Adalberto Oliveira foi deputado da
Aliança Democrática entre 1979 e 1983. Tiago Neiva de Oliveira está também na
parte de cima da tabela com 35.000 euros.
E quem doa uma vez, doa duas
ou três. Depois dos dois empresários da família Neiva de Oliveira, António da
Silva Rodrigues é o empresário que mais distribui por vários partidos. O
presidente da Simoldes, a empresa líder na construção de moldes para automóveis
na Europa, de Oliveira de Azeméis, deu ao todo 32.750 euros ao PS, PSD e CDS
entre 2008 e 2009 (pode ter dado ao mesmo tempo, mas os partidos registam em
contas de anos diferentes). No topo dos empresários que
dão 30 mil euros ou mais, aparece um empresário desconhecido, João Crisóstomo
Silva, que deu 20 mil euros à campanha para as legislativas do PS em 2005, mas
em 2009 aparece como doador nas listas do PSD, com um valor de 10 mil euros.
Financiar rima com família
Financiar partidos políticos é
obra de família, seja ao mesmo partido ou a partidos diferentes. Nas contas que
o Observador consultou (campanhas legislativas 2005 e 2009 e contas anuais dos
partidos 2004, 2005, 2008 e 2009), há várias famílias que dão largos donativos
aos partidos. Luís Melo Champalimaud e a
mulher, Andrea Dahmer Baginski Champalimaud, deram quase 32 mil euros em 2009
ao PS e ao PSD. O empresário da Cimentos Liz, e herdeiro da família
Champalimaud, deu o máximo permitido por lei para as contas anuais do partido
(25 vezes o IAS – Indexante de Apoios Sociais), 10.625 euros ao PSD e outros
tantos ao CDS. A mulher deu o mesmo ao PSD. Na lista dos que jogam em mais do
que um tabuleiro no que aos financiamentos diz respeito, há ainda dois
empresários do grupo Adriparte (com ligações à construtora Monteadriano, que
entretanto foi assumida pelo Vallis, um fundo detido pelos principais bancos
portugueses): Carlos Alberto Alves Gonçalves e Luís Manuel Vieira Santo Amaro.
Estes dois homens deram exatamente o mesmo a cada partido: 9.000 euros ao PS
cada (registados em 2004) e 7.500 euros cada ao PSD (registados em 2005). Contudo,
estes donativos são feitos pelos empresários em nome individual e não pela
empresa que dirigem ou que detêm. Os financiamentos feitos por empresas são
proibidos por lei, contudo, o Tribunal Constitucional tem estado atento ao
financiamento indireto. Foi o que aconteceu em 2002, quando a Entidade das
Contas considerou ilegal um financiamento da Somague ao PSD, no valor de 233
mil euros. Na época, José Luís Arnaut, secretário-geral do partido assumiu a
responsabilidade, dizendo, no entanto, desconhecer o procedimento que levou o
partido a aceitar esse financiamento.
Os apoios polémicos que deram
que falar no PS
Entre os donativos feitos
diretamente ao partido ou às campanhas eleitorais, o Observador contou 1.388
donativos acima de mil euros, nove deles acima de 20.000 euros. O limite máximo
dos donativos para as campanhas eleitorais é maior do que para as contas anuais
dos partidos: até 60 vezes o IAS em vez de 15 IAS. Foi o que fizeram seis
doadores em relação ao PS, nas duas campanhas de 2005 e 2009. Na campanha de
2011, o partido de José Sócrates já não inscreveu donativos tão elevados. Mas é
só mesmo este partido que é possível escrutinar, porque tanto PSD como CDS não
registaram nos processos os nomes de quem deu dinheiro para as campanhas
eleitorais de 2005, 2009 ou 2011. Aliás, o CDS nem registou qualquer donativo
na última campanha e o PSD registou 160 euros de Lucinda Dâmaso, a presidente
da UGT.
O dono da Delta e o dono do
Grupo Semapa são os dois nomes que mais deram dinheiro ao PS em 2005. O
comendador alentejano, Rui Nabeiro, injetou nas contas da primeira campanha
eleitoral de José Sócrates 22.645 euros, à data, o máximo permitido por lei. Mas
não é, nos nomes registados, o que mais contribuiu. O dono do grupo Semapa,
Portucel e Secil, Pedro Queirós Pereira, é um tradicional contribuinte para as
contas socialistas. Em 2005, deu os 22.645 euros para a campanha e em 2009
contribuiu para a conta do partido com 10 mil euros, o máximo permitido para
quem dá diretamente ao partido político. Além destes nomes mais conhecidos,
Ernesto Mendes Ribeiro, atual presidente da Sagestamo e à época gestor privado,
doou 20 mil euros, o mesmo que o empresário João Crisóstomo Silva e que outra
desconhecida, Maria Celeste Ramalho Martins. Nestas eleições, o PS registou 64
doadores acima de mil euros (dado o volume de informação disponível, o
Observador restringiu a análise mais fina aos doadores que entregaram mais de
mil euros, os restantes nomes foram apenas verificados e não trabalhados). Nas
legislativas de 2009, que Sócrates ganhou, o PS recebeu donativos de apenas
oito pessoas.
Pela pesquisa do Observador,
houve quatro donativos no valor máximo permitido por lei, 25 mil euros. Um
deles foi feito por Rui Pedro Soares, à época administrador do Taguspark da PT,
que chegou a ser acusado de corrupção passiva para ato ilícito num contrato
entre a empresa e o ex-futebolista Luís Figo, que envolveu a realização de um filme
para a campanha de Sócrates. O apoio de Figo à campanha de José Sócrates,
alegadamente, serviria de contrapartida a um contrato de publicidade que fez
com o Taguspark no valor de 250 mil euros por ano. Rui Pedro Soares negou a
relação entre as duas coisas e foi absolvido do caso em 2013. Além de Rui Pedro
Soares, também os empresários José Sousa Cunhal Melero Sendim, Adalberto Neiva
Oliveira e Tiago Ferreira Neiva Oliveira doaram 25 mil euros.
Na lista de donativos de 2009,
mas de valor inferior, figuram ainda Eurico Faustino Correia, empresário (5.000
euros); Jorge Armindo Carvalho Teixeira, presidente da Amorim Turismo e que foi
nomeado em 2013 administrador não executivo da Soares da Costa (1.000 euros);
Armando Vara, ex-ministro do PS, ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos e
ex-vice presidente do BCP (2.500 euros) e Carlos Jorge Santos Ferreira, à época
presidente do conselho de administração do Millennium BCP (2.500 euros). Santos
Ferreira e Armando Vara são aliás, dois dos nomes de banqueiros que fizeram
donativos a partidos. Ao contrário do que acontece nas eleições presidenciais,
em que muitos donativos foram feitos por membros da família Espírito Santo, no
que às legislativas diz respeito, não aparece nenhum dinheiro dado por aquela
família. Mas aparece o nome do banqueiro José Oliveira Costa. O ex-homem forte
do BPN deu ao PS em 2005 o valor de 2.500 euros. De qualquer modo, é bom
registar que nem todos os partidos em todos os anos entregaram as listas de
nomes de donativos ao TC. Já nas ofertas diretas ao partido surgem mais nomes
de empresários de empresas familiares. É o caso de dois membros da família
proprietária do Grupo Monte, dedicado sobretudo à construção civil de obras de
infra-estruturas, saneamento básico e abastecimento de águas no Alto Minho.
Alípio Gomes Monte e Manuel Gomes Monte, foram fiéis ao PS e deram (em 2004)
9.000 euros cada um. Nas contas de 2004, depois dos financiamentos da família
Vasconcelos da Mota (os maiores contribuidores) aparece, com 9.100 euros, o
empresário António Barroca, dono do Grupo Lena, empresa dedicada à construção
civil que teve grande importância nas obras da Parque Escolar e que foi o grupo
que assegurou contratos de maior volume depois de fazer parte de comitivas do
anterior Governo à Venezuela de Hugo Chávez.
PSD é o que mais donativos
recebe
O registo dos donativos
recebidos é feito pelos partidos de forma diferente. O PS colocou durante anos
grandes donativos nas contas das campanhas eleitorais e declarou quem eram as
pessoas que davam dinheiro. Já o PSD tem grandes listas com donativos nas
contas anuais referentes ao exercício do partido. Só em 2009, o partido
registou, segundo as contas do Observador, 663 donativos acima de mil euros. Em
2005, tinha já registado um grande volume de donativos superiores a mil euros:
392 pessoas. Dos três partidos, o PSD é, assim, não só o que mais nomes regista
nas contas anuais como, consequentemente, o que mais recebe de doadores
singulares: só em 2009, recebeu quase 2,7 milhões de euros.
O PSD estava na oposição em
2009, mas nem mesmo assim deixou de registar o valor mais alto em donativos de
todos os partidos e referente a todos os anos consultados. Para esse montante
contribuíram Carlos Marinho, empresário da área do turismo e imobiliário, com 15.000
euros, o valor mais elevado doado diretamente ao partido. Depois, aparece o
casal Champalimaud, referido em cima e ainda o presidente da Simoldes, António
da Silva Rodrigues, também referido em cima, o que leva a concluir que três dos
seis melhores doadores ao PSD de Manuela Ferreira Leite acharam por bem doar
também ao PS de José Sócrates. O mesmo se passou em 2005 com Pedro Santana
Lopes. Depois da dissolução da Assembleia da República no final de 2004 e da
convocação de eleições para fevereiro de 2005, o partido registou vários
donativos diretos, registados nas contas do PSD de 2005. E os principais quatro
doadores, todos da família do Grupo Mota-Engil, doaram ao mesmo tempo ao PS. Ao
longo dos anos, encontram-se nos maiores doadores ao PSD vários nomes de
empresários, alguns deles desconhecidos como Hélder Alberto Martins Fialho, que
deu dinheiro em 2004 e 2009. Já no CDS a leitura é mais difícil de fazer. Em
2004 e 2005, não constam no processo as listas de nomes que fizeram donativos
ao partido. Nas que foram entregues (2008 e 2009), António Silva Rodrigues,
presidente da Simoldes foi quem deu um donativo maior, 10.600 euros, logo
seguido de dois membros da família Mota: António Manuel Mota e Maria Manuela
Mota, 10.500 euros cada. Nas contas do CDS, apenas dois nomes aparecem como
contribuindo duas vezes para o partido e são dois nomes desconhecidos: António
Damasceno Silva foi o maior contribuidor para as contas do CDS nesses dois anos
doando 10.100 euros em 2008 e 8.000 euros em 2009; e Emídio Deodato Farias Dias
Silva, que doou 2.500 em 2008 e 3.000 euros em 2009.
De Belmiro a Tomás Taveira
Nas listas de mais de mil
nomes que doaram acima de mil euros a partidos estão alguns nomes conhecidos do
grande público, mas que deram dinheiro apenas esporadicamente. Foi o caso do
patrão da SONAE, Belmiro de Azevedo que deu 4.000 euros ao PSD em 2009. Dos
grandes empresários, aparece ainda o presidente do Grupo Mello, Vasco Maria
José de Mello, como doador do CDS em 2008 (10.000 euros). Apesar de ser
identificado como o arquiteto do cavaquismo, Tomás Taveira fez ofertas a
partidos, mas não ao PSD. O nome do arquiteto lisboeta aparece nas listas do PS
de 2004 e 2005 (1.000 euros). Os partidos políticos são sobretudo financiados
por empresários e menos por políticos. Nem José Sócrates, nem Manuela Ferreira
Leite, nem Santana Lopes, Paulo Portas, Passos Coelho ou António Costa aparecem
nas listas de donativos particulares. António José Seguro foi o único dos
líderes que passaram pelos três partidos a fazer uma contribuição para o
partido. Foi em 2005 e no valor de 1.500 euros” (reportagem a jornalista do
Observador, Liliana Valente, com a devida vénia)