"O que começou de modo algo displicente
desembocou numa guerra de nervos e termina hoje no clímax de uma votação que
envolve pouco mais de 4,2 milhões de eleitores. Um número reduzido de votos
para o que está em causa no resultado do referendo escocês: o futuro da
Escócia, em primeiro lugar, condicionando o do Reino Unido (que, caso vença o
“sim”, se fragmentará pela segunda vez na sua história), mas também o futuro da
Europa. Se nos Balcãs ou no Leste europeu o redesenhar das fronteiras do
pós-guerra tem vindo a fazer-se à custa de mudanças globais (a queda do muro de
Berlim, o fim da União Soviética) ou combates sangrentos (ex-Jugoslávia,
Ucrânia), na Europa a reunificação da Alemanha e a ampliação da União Europeia
apontavam no sentido de um fortalecimento dos Estados, como refere nesta edição
Carlos Gaspar. No entanto, a porta que se abre com o referendo escocês, seja
qual for o seu resultado, é a da fragmentação. Razões históricas ou de
circunstância, baseadas em cálculos oportunistas acerca das vantagens de poderes
fraccionários emergentes, servem de adubo à vaga de potenciais secessões em
países de fronteiras estáveis, embora com problemas internos na relação dos
respectivos poderes centrais com estados autonómicos ou similares. Não por
acaso, o referendo escocês tem vindo a reanimar, em maior ou menor grau,
desejos independentistas não só no Reino Unido (Irlanda do Norte, País de
Gales) mas também em Espanha (Catalunha, País Basco), na Bélgica (Flandres), na
Itália (Tirol do Sul, Veneza e o Veneto), na França (Bretanha, Córsega) ou na
Alemanha (a Baviera). O caso catalão é o mais “incendiário” no curto prazo, mas
ardem nos outros pequenas chamas que só uma rejeição clara da independência na
Escócia aplacará, sem contudo aniquilar. Porque a porta que se abriu na Escócia
não se fechará tão cedo. E, em nome do “direito à escolha”, a Europa pode ver
tremer o que imaginava mais seguro" (editorial do Público, com a devida
vénia)