domingo, setembro 14, 2014

Cerca de quatro milhões de pessoas são chamadas a participar no referendo de dia 18 sobre a independência da Escócia. E nem todas elas são escocesas. O que suscita alguma polémica. Se o "Sim" ganhar isso emitirá ondas de choque por todo o Reino Unido e toda a Europa. Se o "Não" sair vencedor, Londres terá de repensar a sua relação com o resto da União, aceitando descentralizar poderes em áreas como a dos impostos, saúde ou educação
David Cameron admitiu andar nervoso. Quase chorou, quando na semana passada foi a Edimburgo pedir aos eleitores que não votem no "Sim" à independência da Escócia. "Ficaria com o coração partido se esta família de nações que reunimos, e com as quais fizemos tantas coisas, se separasse", disse o primeiro-ministro britânico, "quase em lágrimas", reportou o 'The Guardian'.
Esta 2.ª feira, Cameron, líder do Partido Conservador, volta à Escócia para defender o "Não". A incerteza é total, mostra a guerra de sondagens, que ora dão a vitória a uns, ora a dão a outros.
Daí o esforço de última hora do líder britânico, que não quer ficar nos livros de História como o primeiro-ministro do Reino Unido que perdeu a Escócia (após uma União com mais de 300 anos). Atualmente, o Reino Unido é formado por Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte.
O alarme de Cameron e dos líderes dos principais partidos políticos do Reino Unido - como o vice-primeiro-ministro liberal-democrata Nick Clegg e o líder da oposição trabalhista Ed Miliband - soou alto quando, há uma semana, no dia 7, uma sondagem YouGov para o 'The Sunday Times' deu pela primeira vez o "Sim" à frente do "Não" nas intenções de voto. 51% para um lado e 49% para o outro. Uma semana depois, uma sondagem ICM, realizada on-line e divulgada este domingo pelo 'Sunday Telegraph', deu 49% ao "Sim", 42% ao "Não" e 9% de indecisos. Excluindo estes, o "Sim" tem 54%, o "Não" 46%. Porém, este inquérito foi feito junto de uma amostra de apenas 705 pessoas, refere o próprio jornal.
Cameron, Clegg e Miliband cancelaram os compromissos que tinham na semana passada - incluindo a participação na sessão semanal de perguntas ao Governo - e partiram para a Escócia . Desde então, outras sondagens têm colocado o "Não" em vantagem. No sábado, um inquérito de opinião ICM, publicado pelo 'The Guardian', deu 42% ao "Não" e 40% ao "Sim", acusando ainda a existência de 17% de indecisos. Se estes não forem levados em conta, os inquiridos que disseram ir votar "Não" são 51% e os que disseram ir votar "Sim" são 49%.
Apoiado por conservadores, liberais-democratas e trabalhistas, o ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown, natural da Escócia, prometeu que se o "Não" vencer no dia 18, no dia seguinte será apresentado um novo plano para transferir mais poderes de Londres para o Parlamento escocês. Alex Salmond, primeiro-ministro escocês, líder do Partido Nacionalista Escocês, criticou os políticos britânicos dizendo que "a equipa Westminster" está "em pânico". E recusou qualquer plano B para a Escócia que não seja a independência. Salmond e o seu partido (SNP, em inglês) conseguiram maioria absoluta nas eleições de 2011 e viram a partir daí aberto o caminho para convocar um referendo, que foi autorizado por Londres, após algumas negociações.
As esperanças dos nacionalistas na independência são, em grande parte, alimentadas pelas receitas do petróleo do Mar do Norte que, dizem, deviam ser geridas pela Escócia. Mas há muitas questões em aberto, desde a moeda, o estatuto perante a UE, a capacidade de ter um sistema de pensões sustentável, de manter o nível de despesa sem aumentar impostos, etc... A campanha do "Não", que tem o 'slogan' Better Together' (Melhor Juntos) e escolheu como líder o ex-ministro das Finanças Alistair Darling, argumenta que votar pela independência é dar um salto para o abismo e que ninguém sabe, ao certo, o que poderia acontecer no dia 19 se o "Sim" ganhasse no dia 18. Londres recusa, por exemplo, permitir que a libra esterlina seja a moeda de uma Escócia independente, como quer Salmond. Num artigo publicado no 'New York Times, na semana passada, o Nobel da Economia, Paul Krugman, deixou um alerta: "a combinação de uma independência política com um moeda partilhada é a receita para o desastre".
Desastre ou não, Salmond também já esclareceu, numa entrevista que deu este domingo, que se o "Não" vencer no dia 18, o referendo sobre a independência da Escócia não deverá ser repetido pelo menos nos próximos 20 anos. Se o "Sim" ganhar, cantará vitória, Cameron tentará fazer uma gestão de danos, podendo desde logo começar a ver surgir uma rebelião para o tirar do poder dentro do seu próprio Partido Conservador. E quanto à Rainha Isabel II? O Palácio de Buckingham fez saber que a monarca é neutra nesta questão. Até porque se a Escócia sair do Reino Unido, os escoceses querem que Isabel II continue a ser a Rainha da Escócia.
A Europa está também atenta ao resultado da consulta popular, onde votam pessoas com mais de 16 anos e que vivem na Escócia (os escoceses a viver fora não podem votar). Países como a Espanha, por exemplo, esperam para ver, pois o desfecho do referendo escocês tanto pode desencorajar como encorajar ainda mais os nacionalistas catalães. Estes têm previsto realizar um referendo sobre a independência da Catalunha a 9 de novembro, à revelia da justiça e do Governo espanhol. Ao contrário do que aconteceu no Reino Unido, não houve qualquer acordo entre o primeiro-ministro Mariano Rajoy (do Partido Popular) e o presidente da 'Generalitat' Artur Mas (da coligação Convergência e União)" (texto da jornalista do DN de Lisboa, Patrícia Viegas, com a devida vénia)