segunda-feira, dezembro 16, 2013

MP encontra mais prendas a Vara e Penedos

Escreve o jornalista do Sol, Joaquim Gomes quer "na recta final do julgamento do caso Face Oculta, o MP corrige a acusação: ex-vice do BCP recebeu afinal dois relógios, de €2.800 e €4.500, e ex-presidente da REN mais três prendas, de €900.O Ministério Público pediu ao Tribunal de Aveiro, que julga o processo Face Oculta, algumas correcções às listas de prendas de Natal que Manuel Godinho, industrial da sucata, ofereceu a outros arguidos como forma de “potenciar um clima de cumplicidade” favorável aos seus interesses e negócios. As alterações constantes da lista junta ao requerimento, apresentado esta terça-feira pelo procurador da República João Marques Vidal, consistem em correcções de datas, valores e alguns objectos. Cópias das listas de prendas foram apreendidas durante as buscas às empresas de Manuel Godinho, mas só posteriormente, já na fase de julgamento, é que foi possível aceder à sua versão completa, guardada em ficheiros digitais. E isto graças ao autor dessas listas, o arguido Namércio Cunha, antigo braço-direito de Manuel Godinho, que revelou as palavras-chave dos ficheiros. Sportinguista, Namércio tinha como passwords “Sporting” e “leão”. Com as listas completas, cujo conteúdo foi de resto confirmado por Namércio Cunha em julgamento, o MP propõe, por isso, uma “alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia” relativamente às listas de prendas oferecidas por Godinho entre os anos de 2002 e 2008 - com impacto nas acusações de Armando Vara e José Penedos, entre outros arguidos, que respondem por crimes de tráfico de influência e corrupção, respectivamente.
Segundo as listas corrigidas, Armando Vara, ex-vice-presidente do BCP, recebeu dois relógios: um de 2.864 euros, em 2006, e outro de 4.500 euros, em 2007. Isto a juntar a um estojo com decantador Herdade de Prata, de 685 euros (2004) e uma caneta Dupont de 380 euros (2005). Quanto a José Penedos, antigo presidente da REN, são-lhe atribuídos mais três presentes, totalizando cerca de 900 euros: uma caneta Dupont (em 2005, 380 euros), um Cantil Português (2006, 296 euros) e um Cantil Espanhol (2008, 320 euros). Isto a juntar aos outros quatro presentes que já antes constavam da acusação: um centro de mesa Grand Lagoon, em cristal, de 1.432 euros, uma fruteira de 1.897 euros, uma jarra de prata de 1.689 euros e um Cantil D. João II de 330 euros.
Godinho gastava 80 mil euros
Por ano, Manuel Godinho gastava cerca de 80 mil euros nessas prendas, segundo afirmou no julgamento Namércio Cunha, único arguido que tem colaborado com a Justiça desde o início. Um dos factos corrigidos agora pelo MP é precisamente a identificação deste arguido como o autor das listas e seguindo o que o próprio assumiu em julgamento: “Pelo menos entre 2002 e 2008, por ocasião do Natal, Namércio Cunha sistematizava os indivíduos a serem obsequiados, os objectos a ofertar e o seu valor, tendo por referência o seu grau de importância comercial para o universo empresarial administrado por Manuel Godinho”.
Os destinatários das prendas eram desde políticos e autarcas, a gestores de empresas públicas a cujos concursos de tratamento de resíduos Godinho concorria (como REN, EDP, Refer, Estradas de Portugal, Estaleiros Navais de Viana do Castelo e CP), passando por funcionários de organismos estatais de fiscalização. Os nomes eram classificados com letras (de A a F), em função da importância que assumiam para a O2, o grupo empresarial de Godinho. Penedos e Vara tinham, por exemplo, a classificação máxima (“AAAA”). O objectivo, aponta o MP, era “desde logo criar e potenciar um clima de permeabilidade e cumplicidade para posteriores diligências e de predisposição à aceitação das suas pretensões”. Os presentes, de menor ou maior valor consoante a importância do destinatário, iam desde peças em cristal e prata, a canetas e relógios de marca, e garrafas de uísque.
Penedos entrega prendas ao tribunal
O requerimento do MP surgiu um dia depois de José Penedos ter entregado ao tribunal duas das referidas prendas - o cantil Dom João II (da Vista Alegre, 330 euros) e o centro de mesa (Atlantis, 1.432 euros) -, para demonstrar o seu valor irrisório e que, por isso, não houve qualquer corrupção. “Talvez ver os presentes possa ajudar a compreender melhor o absurdo e o ridículo das imputações a José Penedos” - salienta no requerimento o seu advogado, Rui Patrício. E acrescenta: “É ridículo, é absurdo e viola as mais elementares regras do bom senso e da experiência comum partir-se do princípio de que um presidente de uma empresa como a REN, que ganha centenas de milhares de euros por ano, se deixaria corromper por presentes de Natal”. Para Rui Patrício, “seja uma peça de cristal, seja um centro de mesa, seja uma peça Vista Alegre, seja o que for, mesmo que o presente tenha o valor de mil e tal euros, ou de dois mil e tal euros, ou 500, ou 300, ou 50”, não faz sentido tais ofertas levarem à alegada corrupção passiva por parte de Penedos ou de outra pessoa. Raul Cordeiro, juiz-presidente do colectivo, ordenou que ambas as peças fossem “guardadas num local conveniente” do cofre do tribunal.
Alegações em Janeiro
Esta foi a última sessão do julgamento (iniciado em Novembro de 2011) antes das férias judiciais do Natal. Prevê-se que as alegações comecem em Janeiro, se até lá nenhum advogado solicitar mais meios de prova. O juiz-presidente marcou o dia 7 de Janeiro para avaliar a situação e se possível iniciar as alegações finais entre os dias 8 e 10. Entretanto, Raul Cordeiro comunicou também algumas alterações que o próprio colectivo decidiu efectuar nos factos da pronúncia: são 21 páginas de correcções, sobretudo de datas e horas, diferentes das descritas na pronúncia. Apesar de serem consideradas pelos juízes “alterações não substanciais” e de terem dado dez dias à defesa para exercer o contraditório, os advogados lavraram logo em acta requerimentos em que consideram que tais alterações serão substanciais - e por isso “nulas” ou, no mínimo, irregularidades"