domingo, fevereiro 24, 2013

Opinião: “Dos "PIIGS" aos "FISH" - o novo contexto europeu em 2013”

"A Comissão Europeia prevê continuação da recessão em 2013 na zona euro. Num contexto em que o vento recessivo já abrange a Holanda. Uma das alterações poderá ser uma maior preocupação com os peixes graúdos - os FISH (França, Itália, Espanha e Holanda). O acrónimo PIIGS poderá ficar em desuso. A Comissão Europeia (CE), na sua Previsão de Inverno, agora divulgada, aponta para estimativas de recessão em 2012 na Finlândia (0,1% de contração do PIB) e Holanda (0,9% de queda), membros da zona euro com notação triplo A, para além do clima recessivo ter continuado a pender sobre a cabeça de duas grandes economias, como são a Espanha (1,4% de recessão) e a Itália (2,2% de quebra). A França é dada como tendo estado em estagnação (0%). A CE afirma ter ficado "desapontada" com o segundo semestre de 2012. Para 2013, a CE admite que a França crescerá ligeiramente 0,1% e a Finlândia 0,3%. Mas a Holanda, com uma previsão de quebra de 0,6% do PIB, a Itália com uma descida de 1% e a Espanha com nova queda de 1,4% da economia, mantém-se na zona vermelha. O quadro de análise da CE aponta para dois anos consecutivos de recessão na zona euro - 2012 e 2013 -, ainda que ligeira, com uma quebra de 0,4% e 0,3% respetivamente.
2014: o (novo) ano da luz ao fundo do túnel
O pressuposto de algum optimismo que perpassa pelo documento hoje divulgado é que se assistem já, em 2013, a "alguns sinais" de que o PIB da zona euro estará a chegar ao seu ponto mais baixo na trajetória de declínio recente e que o investimento e o consumo domésticos poderão regressar "tardiamente" este ano. O pano de fundo é que "as condições financeiras melhoraram" e o risco de desintegração da zona euro - muito vivo antes da reestruturação da dívida grega - recuou significativamente.
Para 2014, a CE espera uma retoma efetiva na zona euro, de 1,4%, com a Alemanha a liderar o pelotão do crescimento e todas as grandes economias e todos os países com notação triplo A a crescerem. Ainda que algumas das grandes economias cresçam menos de 1%, como são os casos de Espanha e Itália. A mensagem desta Previsão de Inverno é que 2014 é o ano em que, com exceção de Chipre, todas as economias da moeda única terão visto a luz ao fundo túnel, incluindo a Grécia e Portugal. É o novo ano apontado como saída da crise. Só nas próximas Previsões de Inverno, daqui a um ano, saberemos se não será "revisto".
Atenção ao peixe graúdo
Os analistas dizem, por isso, que 2013 vai ser o ano dos FISH (França, Itália, Espanha e Holanda, segundo as letras do acrónimo em inglês), o peixe graúdo, deixando para trás os PIIGS (o acrónimo jocoso para os periféricos da primeira fase das crises da dívida soberana, Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha). Aliás, no caso dos PIIGS, a Irlanda há muito que é uma exceção, com uma linha de crescimento continuado desde 2011 e que se prevê que continue até 2014. O acrónimo FISH foi usado por Gillian Tett, no "Financial Times", em meados deste mês.
Esta mudança do eixo de maior risco torna mais clara a razão por que o desfecho das eleições em Itália no domingo surge como um dos fatores de grande "ansiedade" nos investidores, como referiu a Bloomberg. Ou porque os desenvolvimentos em Espanha do caso Bárcenas são seguidos muito de perto. Isso não significa que o risco abrande na Grécia e em Portugal, ainda com planos de resgate. A Grécia acumulará uma contração de 17,9% entre 2011 e 2013. Uma verdadeiro situação depressiva a que se junta em 2013 uma entrada em deflação que se prolongará em 2014. No conjunto dos dois anos, uma deflação acumulada de 1,2%. Uma situação com alto risco no plano político e de "fadiga" da sociedade. Portugal acumulará uma recessão de 6,7% entre 2011 e 2013. A estimativa de recessão em 2012 da economia portuguesa por parte da CE é de 3,2% e a previsão para 2013 é a do Banco de Portugal, com uma quebra do PIB de 1,9%. O ministro das Finanças Vítor Gaspar avançou, esta semana, com uma previsão pior, de 2% de contração. Os níveis de desemprego em Espanha, Grécia e Portugal continuarão uma trajetória alarmante. No caso português, o desemprego deverá atingir, este ano, os 17,3% da população ativa, e descerá para 16,8% no ano seguinte, ainda muito acima do nível estimado para 2012, de 15,7%.
Os analistas apontam, por isso, para a possibilidade de, a partir de maio, quando forem publicados dados definitivos nas Previsões da Promavera, Bruxelas possa decidir por "aliviar" os planos de ajustamento nos países com défice excessivo , "conjetura" que o ministro Vítor Gaspar já fez esta semana para o caso português.
O contexto da mudança no mercado da dívida
Desde julho de 2012 que Mário Draghi, o presidente do Banco Central Europeu (BCE), garantiu que não deixará sair nenhum membro da zona euro e que fará "tudo o que for necessário" para tal. Em setembro do ano passado anunciou um programa de compra ilimitada de dívida soberana no mercado secundário (conhecido pela sigla OMT) que será acionado em caso de necessidade, convencendo os investidores a continuarem a comprar dívida dos países "periféricos", mesmo que ela tenha notação de "lixo financeiro" ou próxima. O economista Paul De Grauwe considerou, ontem, num artigo publicado no blogue VOX que esta decisão de Draghi foi uma verdadeira mudança do jogo.
Esta nova estratégia "comunicacional" do BCE provocou uma descida acentuada no mercado secundário das yieldsdas obrigações dos países periféricos e permitiu o regresso dos investidores (incluindo progressivamente os de fora da zona euro) à compra de dívida emitida por aqueles países. O prémio de risco, contabilizado no anterior disparo das yields, de uma saída da zona euro de alguns membros ou de uma desintegração desta diminuiu drasticamente. O simples anuncio deste programa revelou-se mais eficaz do que o anterior programa de aquisição de obrigações no mercado secundário, criado por Jean-Claude Trichet, em maio de 2010, conhecido por SMP, e que sobretudo serviu para segurar Itália.
Graças ao novo contexto, Irlanda e Portugal realizaram, entretanto, emissões obrigacionistas sindicadas - iniciando o chamado processo de regresso aos mercados - e Espanha emitiu inclusive, esta semana, obrigações denominadas em dólares. O primeiro sinal de que a zona euro não deixaria cair a Grécia - e, por arrasto, qualquer outro membro - foi dado com o incentivo a uma reestruturação parcial da dívida grega envolvendo um corte de cabelo (hair cut) significativo na dívida detida por credores privados, o que se chamou, então, de "envolvimento do sector oficial" (PSI, no acrónimo em inglês), e que terminou em março de 2012. Desde fevereiro de 2012 que a tendência de subida das yields se inverteu claramente nos "periféricos" resgatados. No caso português, o pico ocorreu em 30 de janeiro desse ano. Mais recentemente quer o BCE quer Bruxelas ou os governos dos países membros começaram a acreditar numa retoma económica no segundo semestre de 2013 que permitisse o cumprimento das metas de redução de défice nos países resgatados e nos outros com défice excessivo. Mas, na reunião deste mês do banco central, Draghi já "moderou" um tal discurso e falou da probabilidade de uma retoma gradual mais "tardiamente" no ano. Olli Rehn, o comissário dos Assuntos Monetários e Financeiros da União Europeia, adotou, também, o discurso do "gradualismo" para o segundo semestre, mas sem usar a palavra "tardiamente". Também os números de 2012 não eram esperados tão negros.
Flexibilização de metas nominais
No caso da situação macroeconómica se agravar é previsível que as metas "nominais" sejam revistas, como admitiu, no início do ano, Christine Lagarde, diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), em entrevista ao Expresso, e como o repetiu, recentemente, Olli Rehn: "Se o crescimento se deteriora inesperadamente, pode ser concedido a um país mais tempo para corrigir o seu défice excessivo, desde que tenha cumprido com os esforços estruturais orçamentais acordados". Nem Lagarde nem Rehn estabeleceram qualquer relação entre, por um lado, o agravamento da recessão no espaço da zona euro, e, por outro, as políticas seguidas de correção dos défices excessivos desde 2010 e os pressupostos técnicos que baseavam a avaliação do efeito económico da austeridade orçamental (o que ficou conhecido como o erro do FMI, revelado pelo próprio em outubro passado). As estimativas da CE para 2012 falam, por isso, no caso português, de "um declínio inesperadamente maior" da atividade económica no último trimestre do ano. O ministro Vítor Gaspar, esta semana, ao rever para o dobro a previsão de recessão em 2013 (2% em vez de 1% de contração), na continuação de uma recessão de 3,2% em 2012, "conjeturou" que o alívio do plano de ajustamento possa chegar com a extensão por mais um ano. As Previsões de Inverno da CE apontam para um défice orçamental de 4,9% do PIB em 2013 e de 2,9% em 2014, superiores aos anteriormente fixados. Mas, mesmo estas previsões são condicionadas: se se concretizar uma inversão da recessão ainda na segunda metade de 2013 e se for realizado um corte de despesa na ordem de, pelo menos, 1,75% do PIB. A própria "retoma suave", de que fala a CE para Portugal, depende de desenvolvimentos de mercado que "permanecem frágeis". Entretanto, na reunião do G20 de Moscovo, a pretensão da Alemanha de fixar "um (novo) objetivo numérico" para os planos de consolidação orçamental nos países desenvolvidos foi rejeitado. Os próprios objetivos de metas numéricas e temporais fixados na cimeira de Toronto, em 2010, no início da crise das dívidas soberanas, não foram recordados. Ficaram na gaveta. Decidira-se, então, reduzir os défices públicos para metade no horizonte de 2013 em relação ao nível de 2010 e de iniciar um processo de diminuição do sobreendividamento a partir de 2016. O lema do G20, agora, é o usado pelos Estados Unidos: estratégia de médio prazo no ajustamento orçamental. Evitar que a austeridade mate a retoma económica” (texto do jornalista Jorge Nascimento Rodrigues, Expresso, com a devida vénia)