sexta-feira, maio 18, 2018

Nini à Visão: “Ser conhecida no estrangeiro é bom porque me dá muito trabalho. Acho que vim à frente do meu tempo”

Nascida na Madeira, Nini Andrade Silva quis ser designer de interiores quando poucos sabiam o que era o design. Apaixonou-se pela luz asiática, criou ambientes de casas e hotéis sobretudo porque, diz, quer “ajudar os outros”. É com um sorriso no rosto que,  a pedido da VISÃO (entrevista da jornalista Margarida Vaqueiro Lopes), Nini Andrade Silva, 56 anos, faz uma viagem pelos seus mais de 30 anos de carreira como designer. Premiada internacionalmente, conquistou, agora, o mercado português, onde se tem destacado na área da hotelaria, que representa cerca de 80% dos seus negócios. Com parcerias nos quatro cantos do globo, é uma apaixonada pela Ásia e pela Madeira, ilha onde nasceu e para onde regressa sempre que pode, para descansar e cuidar dos seus projetos do coração: o Design Centre Nini Andrade Silva e a Associação de Desenvolvimento Comunitário do Funchal Garouta do Calhau. Porque, acima de tudo, acredita que veio ao mundo com a missão de ajudar quem mais precisa.

O seu nome verdadeiro é Isabel. Como surgiu o Nini?
Sou Nini porque foi a primeira palavra que eu disse. Até me chamarem Nini, não houve mais nada para ninguém [risos]. Mãe, pai, irmãos, água... tudo era Nini. E eu passei a ser Nini. 
A minha mãe costumava dizer-me: “Até o teu nome tu escolheste!”
Decidiu ser designer nos anos 1980, no Funchal…
A maior parte das pessoas nem sabia o que era um designer. Daí que tenha o meu Design Center na Madeira. Queria criar um sítio para as pessoas meditarem e acreditarem nas profissões novas e nos outros. Na altura, o design não era mesmo uma profissão. O meu pai ainda me perguntou se tinha a certeza de que não queria ir para arquitetura. Mas eu queria ir para o IADE estudar design. E a minha mãe disse que se era isso que eu queria, que fosse e depois logo se via...
Como tinha essa certeza?
Sempre gostei muito de criar, de inventar, de ser livre na minha maneira de pensar. A arquitetura não me dava isso. Não desfazendo (até porque são profissões completamente diferentes), creio que na arquitetura as linhas são mais rígidas, enquanto no design podemos enlouquecer mais um pouco [risos].
Mas, na verdade, a sua carreira começou com uma loja de decoração...
Sim. Após sair do IADE, fui para Nova Iorque, depois para a Dinamarca e depois comecei uma loja de decoração com três sócios.
Porque foi logo para fora?
Na Madeira havia a família Kiekeben, que tinha as Tapeçarias da Madeira, com lojas nos EUA. Vinham muitos designers e decoradores dos EUA à Madeira para fazer tapetes – da Estée Lauder, da Casa Branca, da Starck & Co... E havia um arquiteto, David Easton, que ia muito à Madeira, que eu conheci e que depois acompanhei muitas vezes aos EUA. Tive a facilidade de poder trabalhar e estudar em Nova Iorque, de estar no meio destas pessoas, onde cresci e aprendi imenso. Foi o Funchal que me levou para o mundo.
E a Dinamarca?
Fui fazer um curso de arranjos florais. Por isso é que, quando faço hotéis, gosto de ser eu a fazer os arranjos. Estive lá dois meses, foi muito bom. Depois, tirei um curso de pintura na África do Sul. E quando voltei para a Madeira, abri uma loja com o Stephen [van Blommestein], a Isabel [Borges] e o Augusto Jacqué, o nosso sócio brasileiro.
Está a falar do nascimento da sua empresa, a Esboço…
Sim, no final dos anos 1980. Inaugurámos primeiro no Garajau, que era fora da cidade, onde as pessoas podiam ir e parar o carro. Tinha uma linha muito diferente das linhas clássicas que se via no Funchal. Fomos, de facto, os primeiros a trazer algo completamente diferente para a Madeira.
Foram os seus primeiros passos a sério?
Sim, nessa altura fiz a minha casa 
e concorri aos prémios Andrew Martin, em Londres. Pensei: se isto resultar, estou no caminho certo. Se não resultar, estou no caminho errado. Lembro-me de que na altura fui ao museu Victoria & Albert para saber quem seria selecionado e uma jornalista veio perguntar-me se eu achava que ia ser selecionada. Disse-lhe que sim. Ela perguntou como é que tinha tanta certeza e lembro-me de lhe responder: “Porque venho de muito longe e acho que o meu trabalho está fantástico. Portanto, não tenho hipótese de não ser selecionada.” [Risos.] Foi o primeiro dos nossos trabalhos a serem expostos lá fora. Mais tarde, consegui integrar mais umas três ou quatro vezes os livros do Andrew Martin e, entretanto, deixámos de concorrer porque queríamos fazer outras coisas.
Os hotéis?
Houve uma altura em que fazíamos muitas casas e certa vez viemos a Lisboa para fazer a Lux Decor, na altura, na Cordoaria Nacional. O espaço era muito grande e muito alto e eu pensei: “Aqui não posso fazer uma casa, tenho de fazer um hotel.” Foi depois disso que fizemos o Aquapura Douro Valley.
Foi aí que começou a sua carreira como a conhecemos.
Sim, na hotelaria, sim. Foi com esse projeto... foi natural.
Fala como se tudo se encadeasse na sua vida.
Sim. Não é fácil, mas encadeia-se. As coisas têm de ir crescendo, mas para isso nós temos de as deixar fluir. Temos de deixar acontecer e pensar pouco sobre o assunto... Por exemplo, quando fiz o Aquapura, não vinha muito a Lisboa e não conhecia muita gente aqui. Todos os decoradores sabiam quem era Diogo Vaz Guedes e eu não fazia a mínima ideia... Vieram ter comigo, falei normalmente e, depois, alguém me perguntou se eu sabia com quem tinha estado a falar: “Não, na realidade não faço ideia.” Disseram-me que eram os donos do Aquapura e eu perguntei: “O que é o Aquapura?” [risos] Não me preocupo mesmo. No mesmo sentido, fui viver para a Ásia durante três meses, desenhei muitos móveis do hotel e fiz muitas coisas nas Filipinas, na China, na Tailândia. Enchi contentores sem ter a certeza de que os clientes iam comprar. Mas acreditava tanto naquilo que fazia, que era impossível falhar. Na altura, foi o projeto mais falado em Portugal e, mesmo lá fora, teve muita projeção.
Porque é que a Nini tem mais projeção no estrangeiro?
Sem dúvida, muito mais do que em Portugal. Não perco tempo a pensar porque é que o meu trabalho tem mais projeção no estrangeiro do que em Portugal, não se ocupa a cabeça com o que não importa. [Risos.] Ser conhecida no estrangeiro, para mim, é bom porque me traz muito trabalho, tanto lá fora como cá dentro. Confesso que acho que vim à frente do meu tempo.
Portugal é pequeno para si?
Não. Portugal é um canto que adoro, mas, para crescer, tive de sair para o mundo. O meu coração é português, mas eu sou do mundo. O planeta transformou-se numa cabana. E devo dizer que nunca tive tanto trabalho em Portugal como agora. Temos muitos hotéis cá, o que é bom. É ótimo trabalhar em casa.
Os trabalhos do seu atelier, na sua maioria, são hotéis?
Sim. Fazemos também muitas casas, muito grandes, mas que os clientes não nos deixam mostrar. Creio que fazemos 80% de hotéis e 20% de casas.
E também fazem casas no estrangeiro?
Estamos a fazer uma em Tóquio, de um cliente japonês que queria um designer europeu. Estão a ir para o Japão muitos projetos desenhados por nós e feitos em Portugal, o que é um orgulho. Essa casa é fabulosa.
Gosta muito da Ásia. Lá, ainda é vista como uma designer europeia?
Passei a vida na Ásia. Já ganhámos lá vários prémios – de móveis, de design… Tenho um estilo muito próprio e não apenas europeu. Em Tóquio, tenho uma parceria com o arquiteto Taro Ashihara, que até há pouco tempo era presidente da Ordem dos Arquitetos e que tem muito trabalho na Ásia, o que me facilita o caminho.
Continua a trabalhar sete dias por semana, 24 horas por dia?
[Gargalhada.] Trabalho muito, sim. Mesmo quando acho que não estou a trabalhar, estou. Penso muito. Tudo me serve de inspiração. Museus, campo, rua, até quando olho para 
o lixo – no lixo encontram-se coisas que parecem não combinar umas com as outras, mas, de repente, aparecem ali duas cores que nunca vi na vida e que estão juntas porque alguém baralhou. É aí que consigo encontrar oportunidades.
Então, não posso perguntar-lhe que lugar é que mais a inspira…
O mundo? A sua cabeça deve ser cheia de coisas bonitas.
A minha cabeça é uma confusão. Recentemente, estive doente, com um problema de ouvidos, e reduzi o ritmo. No outro dia, comentei com um cliente que já estava a ficar bem e ele disse-me logo: “Por amor de Deus, não...” [Risos.]
Já não é a primeira vez que tem problemas de saúde.
É de tanto viajar.
Não se assusta?
Assusto. E, na última vez, assustei-me bastante porque, quando acordei, vi a casa toda a andar à volta. O médico mandou-me mesmo parar de viajar e, portanto, fiquei na Madeira três meses. Foi tão bom... Pude ficar com os meus amigos na minha casa. Fiz tudo através do Skype e também foi importante para que, em Portugal, as pessoas percebessem que é possível trabalhar através da internet – algo que já faço com os meus clientes no estrangeiro. Portanto, acho que se calhar vou conseguir parar um pouco.
Não se casou nem teve filhos. Nunca sentiu a pressão social para tal, tendo nascido na época em que nasceu?
Quando tinha 25 anos, adoeci e tive de tirar o útero, não podia ter filhos. A minha mãe, então, disse-me: “Nini, está resolvido e não podes ficar triste com isto. Tu sempre gostaste de trabalhar, não é uma decisão tua, foi a vida que te levou a isso, o que tens de fazer é mesmo viajar e trabalhar.” E foi isso que fiz. Acredito mesmo que, na vida, quando uma porta se fecha, é porque outra vai abrir-se. Não vale a pena ficar triste, portanto. É porque tenho outro caminho para fazer. Se voltasse atrás, faria exatamente o mesmo.
Foi um caminho que deu certo.
Tenho tantos filhos, sabe? Tenho a Associação Garouta do Calhau, tenho o atelier. Tenho um coração de mãe na mesma. Sinto que tenho uma obrigação para com o mundo…
Porquê?
Acho que nasci com essa missão. Só fui designer porque tinha de ser conhecida, para conseguir que fosse mais fácil as pessoas ajudarem-me na minha verdadeira missão, que é ajudar os outros.
Foi por isso que criou a Garouta do Calhau e o Design Center?
Sabe, os meus pais eram professores. E eu sempre vivi no meio de muitas crianças, algumas mais favorecidas e outras menos. Os meus pais sempre ajudaram as pessoas que precisavam mais. Nasci nisto. Eu e os meus irmãos fazíamos coisas para vender, no Natal, para poder ajudar as pessoas. E o meu irmão é o presidente da Garouta do Calhau, eu sempre que posso faço trabalhos que revertam para a associação. Nos hotéis, sempre que há extras, são doados.
Isso significa que a sua vida enquanto designer não é um fim mas um meio?
Sim! Vejo-a como um meio para chegar a isto que quero fazer, que é ajudar cada vez mais os outros.
O que pretende fazer no Design Centre Nini Andrade Silva?
O Design Centre é uma ilha fora da ilha. É muito simples, sem ser simplório. Tem a história dos garotos do Calhau e faz todo o sentido ser ali no porto do Funchal, porque era ali que paravam os navios que iam para a África do Sul – chamávamos-lhes Vapores do Cabo – e os miúdos vinham a meio da noite, com os pescadores, davam uns mergulhos para apanhar moedas (a chamada mergulhança). O Design Centre tem várias coisas em exposição, que são um pouco a história da minha vida. Mas, acima de tudo, destaco o que se sente lá: quero que seja um local de reflexão, quero que as pessoas se sintam lá bem.
É um lugar onde junta o que é importante para si?
É ali que estão a minha vida inteira e as vidas das pessoas que trabalharam comigo. Quem quiser conhecer-me, basta lá ir.
Onde estará daqui a dez anos?
Tenho de estar muito mais à frente. Muito longe. Não sei onde estarei, mas espero ter saúde, que é o principal.
Quais foram os acontecimentos da sua vida que mais a marcaram?
A morte da minha mãe – não que 
a do meu pai não tivesse sido importante, mas a da minha mãe foi a primeira e mãe não morre… Foi mesmo muito difícil. Coisas boas? Tive várias. É com emoção e com alegria que penso na minha vida. Não consigo escolher. Tiro sempre o melhor do pior. Aqui no atelier, por exemplo, não há problemas. Só se fala em arranjar uma solução. Às vezes, dizem-me: “Temos de arranjar uma solução grande, grande.” [Risos.]
Podemos falar do facto de só viajar com roupa preta ou branca?
Sim. Continuo a ter só roupa preta e branca, sempre. Vim agora dos EUA e o arquiteto estava sempre a dizer que eu tinha o yin e yang. Mas, de facto, é ótimo: só preciso de trocar de sapatos para cada ocasião e toda a roupa se conjuga. É prático (Visão com a devida vénia)

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