As eleições presidenciais venezuelanas de 28 de julho desembocaram num braço de ferro: a oposição alega que as eleições foram fraudulentas e que venceu o candidato Edmundo González Urrutia, o Presidente Nicolás Maduro mantém que foi eleito de forma legítima. A desconfiança do processo eleitoral instalou-se e emergiram protestos nas ruas. Pelo menos 27 pessoas morreram e 2400 foram detidas, de acordo com dados da Reuters. As Forças Armadas Nacionais Bolivarianas da Venezuela declararam “absoluta lealdade” a Maduro.
“Acredito que [a oposição] está a ser brutalmente reprimida. A Venezuela está cansada de Maduro, mas também de tanta repressão, as pessoas não querem continuar a expor-se a mais repressão. A nomeação de Diosdado Cabello, uma das figuras mais intolerantes do chavismo, significa que a mão dura contra a oposição se vai acentuar”, comentou Javier Corrales, professor de Ciência Política no Amherst College, ao Expresso.
Na terça-feira, Maduro exigiu mudanças no Governo, entre as quais a nomeação de Diosdado Cabello como ministro do Interior, da Justiça e Paz, cargo que já tinha ocupado em 2002. Os Estados Unidos colocaram Cabello, visto como o segundo homem mais forte do chavismo, na lista de traficantes procurados em 2020, acusando-o de participar numa “conspiração corrupta e violenta” de narcoterrorismo. “Iniciamos uma etapa de autogoverno popular, na qual não há lideranças aéreas e atuações de governo superficiais, e se concretizam mudanças profundas”, disse Maduro, citado numa publicação do Governo na rede social Facebook sobre as alterações de pastas ministeriais.
“A Venezuela está numa encruzilhada. Há um caminho possível que está a levar o país para um modelo totalmente repressivo e que à primeira vista parece ser o que estão a tentar fazer, com as recentes mudanças ministeriais, a repressão e a fraude flagrante. Mas não creio que seja um resultado inevitável. A outra alternativa é quem está no poder negociar uma saída”, disse ao Expresso Tamara Taraciuk Broner, diretora do Programa de Estado de Direito da organização Inter-American Dialogue.
Broner destaca que quem está no poder não fará concessões gratuitamente e coloca o foco na capacidade da comunidade internacional se unir com forças internas democráticas da oposição, para uma dupla abordagem: “ameaças claras que deixem quem está no poder nervoso”, nomeadamente com processos penais no estrangeiro, e “incentivos para abrir a porta a uma transição para a democracia”.
DADOS POR PUBLICAR
Apesar do Supremo Tribunal da Venezuela ter validado a vitória atribuída pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) a Nicolás Maduro, os únicos alegados documentos da contagem desagregada de votos foram tornados públicos pela oposição e contrariam esse resultado. A publicação online destes documentos está a ser alvo de uma investigação do Ministério Público. O procurador-geral venezuelano Tarek William Saab diz tratar-se de “documentos forjados ou falsificados, com os quais se pretende usurpar ilegalmente as funções do Conselho Nacional de Eleições”.
A versão preliminar de um estudo de Dorothy Kronick, professora assistente na Universidade da Califórnia, conclui que os dados da oposição refletem “quase de certeza” os votos submetidos. Destacando a segurança do sistema eleitoral venezuelano, Kronick defende que “mesmo níveis extraordinários de capacidade organizacional, perspicácia conspirativa e recursos não conseguiriam perpetuar fraude da contagem dos votos e produzir dados de campanha sem deixar rasto documental”.
Quatro semanas após as eleições, as autoridades nacionais ainda não publicaram provas que contrariem a informação veiculada. A CNE alegou que foi alvo de um ciberataque.
Broner descreve as eleições como “um momento político que gerou este terramoto que coloca agora a Venezuela à porta de uma transição para a democracia”, e responsabiliza as autoridades pelos erros de cálculo quanto à margem de vitória da oposição e a má organização documental dos resultados.
O candidato eleitoral da oposição, Edmundo González, está na clandestinidade há três semanas e ignorou duas intimações para prestar declarações na investigação criminal que decorre contra si, segundo noticiam vários meios de Comunicação latino-americanos. A aliança opositora Plataforma Unitária Democrática (PUD) considera que González está a ser sujeito a “assédio judicial” e “perseguição”.
Questionado sobre o que levaria Maduro a sair do poder, Corrales indica que a mudança terá de surgir de dentro, com a quebra de pelo menos dois dos pilares que o sustêm, e que são, segundo o académico, o partido do Governo, gangues criminosos, órgãos institucionais e os aliados externos. “Por agora não vemos ruturas em nenhum destes pilares. Nem todos estão fortes, mas mantêm-se”, observa.
Na esfera internacional, Maduro não está isolado. Países como a China, a Rússia e Cuba reconheceram a sua reeleição. Ainda assim, vários Estados da América Latina exigem provas dos resultados e pedem uma auditoria imparcial dos votos. Para os Estados Unidos, a informação disponível “mostra que os eleitores venezuelanos escolheram Edmundo González como o seu futuro líder”.
NÚMEROS
67, é a percentagem de votos das alegadas atas (correspondentes a cerca de 80% do total) divulgadas pela oposição e que dão a vitória a Edmundo González
2400 detenções nos protestos e operações policiais que se seguiram às eleições, e que provocaram também 27 mortes
2020, foi o ano em que o Departamento de Estado norte-americano ofereceu um máximo de dez mil dólares por informações que levassem à detenção de Cabello (Expresso, texto da jornalista Salomé Fernandes)
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