Em 2026 vão nascer três novos “impostos” para as empresas, a acrescer ao IRC. Têm nomes e siglas indecifráveis, em português e inglês, implicações práticas que ainda estão a ser digeridas, mas já há algumas conclusões que podemos tirar. Uma delas é que as sociedades da Zona Franca da Madeira (ZFM), que pagam um IRC de 5%, vão ser abrangidas e, a menos que tenham uma sociedade do grupo no continente para mitigar os efeitos, irão sentir um forte impacto. A outra é que algumas das questões mais sensíveis deverão ser esclarecidas através de notas técnicas, e outra ainda é que a sua complexidade fará nascer um novo ramo de planeamento fiscal.
O Regime de Imposto Mínimo Global (RIMG) tem origem numa diretiva europeia, em relação à qual Portugal está atrasado, tendo levado um puxão de orelhas de Bruxelas. O diploma passou primeiro pelo Fórum dos Grandes Contribuintes, onde, como o nome indica, estão representadas as grandes empresas, e depois por dois meses de consulta pública, onde despertou pouco interesse. Segundo o Ministério das Finanças, recolheu oito contributos, seis de empresas e associações de empresas e dois de outras entidades. O diploma, denso e complexo, tem ainda de passar pela Assembleia da República.
As novas regras começam a ser aplicadas em 2026, retroativamente ao exercício fiscal deste ano, e até lá as empresas e os consultores fiscais terão tempo para irem digerindo os IIR, UTPR, QDMUT/ICNQ — três tipos de regras de tributação em que se desdobra o imposto mínimo (ver caixa). Portugal optou preferencialmente pelo imposto complementar nacional qualificado mínimo (ICNQ-PT/QDMUT), o que lhe permite, enquanto Estado da fonte dos rendimentos, cobrar o imposto em falta até se completar a taxa mínima de 15%, evitando assim que o dinheiro seja transferido para o Estado da empresa-mãe dos grupos.
Neste contexto, o Fisco português ganha primazia para cobrar um mínimo de 15% a grandes empresas internacionais (ou nacionais) que cá estejam a operar, como é o caso da ZFM. “O ICNQ-PT (cuja qualificação como QDMTT se antecipa) é aplicável a todas as entidades abrangidas pelo RIMG localizadas em Portugal e sujeitas a baixa tributação. O ICNQ-PT e os restantes mecanismos do RIMG visam garantir uma tributação global à taxa efetiva mínima de, pelo menos, 15% para grandes grupos, não existindo qualquer exclusão específica para as entidades licenciadas na ZFM”, explica fonte oficial do Ministério das Finanças.
A receita que daqui advirá é incerta, mas Ana Paula Dourado, professora catedrática de Direito Fiscal da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e diretora da revista “Intertax”, considera que o novo imposto (ICNQ-PT) não beliscará a atratividade da região. “Vale a pena manter a ZFM, porque a taxa efetiva mínima é calculada jurisdição a jurisdição. Se houver uma entidade em Portugal continental com mais de 15%, os 5% da ZFM são compensados, fazendo a média.” Além disso, acrescenta, “a ZFM beneficia de algumas exceções, como o transporte marítimo, o que é uma vantagem”. Sendo possível pagar o novo imposto sobre a média do IRC na Madeira e no continente, as empresas terão vantagens em abrir uma sociedade instrumental no continente? “Em teoria podem, mas dependerá da fiscalização que se faça à substância económica das empresas, do tipo de investimento e do que fica cá”, explica. A função de fiscalizar a correta aplicação das regras caberá à Unidade dos Grandes Contribuintes, diz o Ministério das Finanças.
TRIBUTAÇÃO EFETIVA: O QUE É?
Embora a produção legislativa esteja avançada, há ainda várias questões por clarificar. Por exemplo, não se sabe se as tributações autónomas, que incidem sobre despesas que a lei considera não serem necessárias à atividade empresarial, como viagens, carros, almoços, são ou não somadas ao IRC já pago. Também não é claro se benefícios fiscais como o SIFIDE e o RFAI, que representam mais de €770 milhões de despesa, quase 10% de toda a receita do IRC, são levados em conta. Ou ainda o que acontece com as contribuições especiais (banca, farmacêuticas, energia). O Expresso perguntou ao Ministério das Finanças qual é o espírito do legislador nesta matéria, mas esta questão em particular ficou sem resposta.
Ana Paula Dourado considera que, “para não atrasar mais o processo, estas questões devem ficar para ofícios da Autoridade Tributária”, mas, desde já, diz que as tributações autónomas não devem ser incluídas. “São um imposto sobre a despesa, não sobre o rendimento.”
PLANEAMENTO É CERTO
Os efeitos práticos das novas regras estão longe de poderem ser antecipados. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que deu o pontapé de saída no processo, estima que há uma receita potencial global até €200 mil milhões, e o economista Gabriel Zucman avançou com algumas estimativas por país. Por cá, o Ministério das Finanças estima que “serão abrangidas pelo RIMG cerca de três mil entidades a operar em Portugal, pertencentes a grupos nacionais e multinacionais”, mas não arrisca previsões. “Daqui a uns dois anos talvez se tenha uma ideia mais clara, mas por enquanto está tudo a mexer ainda”, nota a docente universitária. E “tudo” é, por exemplo, como se posicionarão os 130 países que manifestaram interesse em aderir ao mecanismo e os próprios EUA. Seja como for, o objetivo “é evitar concorrência desleal”, sublinha a especialista. Certo é que, sendo estas “regras muito técnicas, muito complexas [...], vão criar os seus especialistas, tal como há os especialistas dos preços de transferência”.
TRÊS NOVAS FORMAS DE TRIBUTAÇÃO
Os grupos nacionais ou multinacionais com uma faturação anual superior a €750 milhões terão de calcular a taxa efetiva de IRC em cada jurisdição. Sendo inferior a 15%, os Estados poderão exigir um imposto complementar. A responsabilidade está do lado das empresas; os Estados fiscalizam a execução das regras. Há três vias.
Imposto complementar nacional qualificado mínimo (ICNQ-PT ou QDMTT, em inglês) É o imposto ao qual é dada primazia na União Europeia (UE). Se uma empresa em Portugal pagar uma taxa de IRC abaixo dos 15%, tem de pagar o excedente, a título de imposto complementar. Portugal, enquanto Estado da fonte, tem primazia.
Regra de inclusão de rendimentos (IIR) É o segundo estádio para a garantia da tributação mínima. Se o Estado da fonte de rendimento não cobrar o imposto, o Estado onde se localiza a empresa-mãe cobra o IIR. “Na UE, o IIR é obrigatório, pelo que ou há QDMTT ou há IIR”, explica Ana Paula Dourado.
Regra dos lucros insuficientemente tributados (UTPR) Se o Estado da empresa-mãe não exigir o IRC mínimo, através do IIR, outra jurisdição pode fazê-lo. Esta regra, contudo, só se aplica a grupos fora da UE. Por exemplo, se um grupo cuja casa-mãe está em Singapura ou nos EUA não aplicar a taxa mínima, Portugal pode fazê-lo sobre a afiliada que está cá, informa a fiscalista (Expresso, texto da jornalista Elisabete Miranda)
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