A crise na Suécia
está a assustar o mercado imobiliário europeu, que já entrou num período de
viragem. A acontecer, uma crise imobiliária na Europa será desigual entre os
vários países. Em tempos um dos mais dinâmicos do espaço europeu, o mercado
imobiliário da Suécia está a tornar-se um dos maiores focos de preocupação da
economia europeia. Com os preços a caírem desde a segunda metade do ano
passado, as empresas do sector, que são das maiores proprietárias do país,
estão a ver os activos a deteriorar-se e a entrar numa corrida contra o tempo
para conseguir honrar as dívidas que têm de reembolsar no próximo ano. Pelo
caminho, reguladores e economistas temem um contágio do mercado sueco ao resto
da Europa, numa altura em que tanto os preços como as vendas já caem em vários
países.
O actual cenário
no mercado imobiliário sueco é explicado, sobretudo, pelo contexto de subida
das taxas de juro. Durante as últimas décadas, factores como a reduzida oferta
de casas para arrendar, incentivos fiscais à compra de casa e um contexto de
taxas de juro historicamente baixas levaram a uma explosão na procura de casa
para comprar na Suécia, onde os preços aumentaram ininterruptamente entre 2009
e 2021, com um crescimento acumulado de quase 70% neste período.
O cenário começou a alterar-se em 2022, ano em que a subida acentuada da inflação levou a uma mudança drástica e repentina de política monetária que, por sua vez, resultou numa subida significativa das taxas de juro, que até hoje se mantém. A viragem na política monetária significou um encarecimento do crédito, dificultando o acesso ao mercado por parte de novos compradores e encarecendo o custo dos empréstimos já contraídos por aqueles que já eram proprietários.
No caso da Suécia,
este cenário teve particular impacto, tendo em conta a prevalência das taxas de
juro variáveis: segundo os dados mais recentes do Eurostat, relativos a 2022,
quase dois terços dos suecos são proprietários da casa em que vivem, mas só
13,8% da população vive em casa própria sem qualquer crédito associado, ao mesmo
tempo que mais de 60% das famílias com crédito à habitação suportam taxa
variável – aquela que é afectada no actual contexto de subida das taxas de juro
e que leva a um aumento do custo dos créditos.
Desde então, o
mercado imobiliário sueco tem sofrido quebras mês após mês: desde o segundo
trimestre de 2022, quando foi atingido o pico histórico de preços, e até ao
primeiro trimestre deste ano, os preços das casas na Suécia já caíram mais de
15%. No segmento comercial, o cenário não é melhor, com dados que apontam para
uma percentagem de escritórios vagos superior àquela que se verificava antes da
pandemia.
O pânico
intensificou-se quando, em Maio deste ano, a SBB, empresa do sector imobiliário
que é uma das maiores proprietárias do país, anunciou a intenção de adiar o
pagamento de dividendos, para, pouco tempo depois, reportar prejuízos de quase
mil milhões de euros no segundo trimestre deste ano.
Já no mês passado,
o presidente executivo da SBB, Leiv Synnes, afirmou à Reuters que não
"acredita" que será necessária uma ajuda estatal para resgatar a
empresa. Mas o problema dos proprietários institucionais suecos vai para lá da
SBB: segundo cálculos feitos recentemente pela Bloomberg, o conjunto das
principais empresas a actuar no mercado de arrendamento sueco (ou seja,
empresas que, como a SBB, são senhorias) tem um montante total superior a 10
mil milhões de euros de dívida a reembolsar no próximo ano.
O resultado foi
quase imediato: por um lado, estas empresas vêem agora os seus ratings atirados
para o nível de "lixo" por parte das agências de notação financeira,
um fenómeno que dificulta posteriores tentativas de financiamento nos mercados,
agravando ainda mais a questão dos reembolsos devidos no próximo ano; por
outro, estas empresas podem vir a ver-se forçadas a vender casas que têm em
portefólio, presumivelmente a preço de desconto, o que contribuirá para
acelerar a queda dos preços da habitação. É, na prática, um ciclo vicioso.
A Suécia como
presságio
As preocupações em
torno da Suécia surgem, sobretudo, pelo efeito de contágio que o país poderá
ter sobre o restante mercado imobiliário europeu, já de si a entrar numa
inversão de ciclo nos últimos meses, como evidenciam de forma clara as
estatísticas mais recentes.
No primeiro
trimestre deste ano, os preços das casas caíram em seis dos 30 países que
enviam dados ao Eurostat: para além da Suécia, os preços caíram, em relação ao
ano passado, na Dinamarca, Alemanha (nestes dois casos, com quedas superiores a
6%), Luxemburgo, Países Baixos e Finlândia. Ao mesmo tempo, no conjunto de
2022, e ainda de acordo com os dados do Eurostat, a desaceleração do mercado já
era notória: o número de vendas de casas caiu mais de 30% na Dinamarca, outros
16% na Finlândia e Países Baixos e 15% no Luxemburgo, naquelas que foram as maiores
quedas registadas, mas não as únicas.
No entanto, para
antecipar potenciais novos focos de preocupação, é preciso olhar não só para a
evolução das vendas e preços, mas, também, para a estrutura de crédito em cada
país. Na União Europeia, segundo os dados disponibilizados pelo Eurostat, quase
70% da população é proprietária da casa em que reside e mais de 40% vive mesmo
em casa própria sem quaisquer créditos à habitação associados. É aqui,
sobretudo, que os perfis diferem entre os vários países.
Se nos países do
Leste europeu a larga maioria da população vive em casa própria e sem
empréstimos associados (na Roménia, por exemplo, quase 94% da população estava
nesta situação no final de 2022, enquanto na Bulgária a proporção era superior
a 82%), o cenário é exactamente o oposto nos países nórdicos: na Dinamarca, só
12% da população vive nesse contexto, enquanto na Noruega a proporção sobe para
19% (dados de 2019) e na Finlândia para 30%.
Este cenário é
agravado pelo tipo de taxa associada a estes créditos, um indicador que, mais
uma vez, coloca os países nórdicos em maior risco de crise imobiliária. Segundo
o levantamento mais recente feito pela Federação Europeia de Crédito
Hipotecário, publicado em 2022, mais de 90% do crédito à habitação contratado
na Noruega e na Finlândia tem taxa variável. É essa, também, a proporção de
crédito à habitação com taxa variável em Portugal, bem como em alguns países do
Leste europeu, como a Bulgária ou a Polónia. Pelo contrário, em países como França
ou Bélgica, esta percentagem é inferior a 10%, enquanto na Alemanha ou Países
Baixos fica abaixo de 20%.
É também preciso
contar com o volume de endividamento das famílias, a sua relação com o
rendimento disponível e a avaliação dos imóveis em causa. Ainda de acordo com
os dados da mesma federação, o rácio entre o volume de crédito à habitação e o
rendimento disponível das famílias era superior a 100% em países como a Suécia,
Noruega, Dinamarca ou Países Baixos.
Ao mesmo tempo, a
sobreavaliação em alguns mercados já não é um risco, mas uma certeza. "O
rápido crescimento dos preços das casas nos últimos anos levou a avaliações
esticadas em alguns países da zona euro, onde as dinâmicas do mercado excederam
o valor intrínseco das casas. Em alguns países da zona euro, as estimativas de
sobreavaliação do mercado residencial, no quarto trimestre de 2022, superam os
10%, o que faz aumentar o risco de uma correcção de preço", refere o Banco
Central Europeu (BCE), no mais recente relatório de estabilidade financeira,
apontando para países como Portugal, Países Baixos, Irlanda ou França.
E, por fim,
importa olhar para o segmento comercial do imobiliário, que, conforme referiu
já o BCE no mesmo relatório, "sofreu uma quebra mais acentuada, impactado
pelo ambiente macroeconómico, que tem agravado as vulnerabilidades estruturais
que surgiram durante a pandemia".
É neste contexto
que consultoras e entidades como o BCE ou o Fundo Monetário Internacional (FMI)
reconhecem a existência de um risco de crise imobiliária. "Os riscos
continuam a apontar para uma evolução desfavorável, especialmente nos países
onde os níveis de endividamento são elevados e os imóveis podem estar
sobreavaliados", refere o BCE no mesmo relatório.
"Um colapso
do mercado habitacional ainda pode estar por vir. Certo é que, a acontecer,
será desigual. Os mercados imobiliários europeus são demasiado diferentes uns
dos outros para que a Europa experiencie uma crise como aquela que se viu nos
Estados Unidos em 2007", escreveu, por seu lado, a consultora Morningstar,
numa nota recente.
Também em Portugal
o mercado não está imune à política monetária e, na verdade, apesar do
ininterrupto aumento dos preços, o número de vendas já está a cair
consideravelmente. No primeiro trimestre, o número de vendas de casas caiu mais
de 20% face a igual período do ano passado, levando o montante total
transaccionado a recuar mais de 15%
A excepção
portuguesa
Portugal, por seu
turno, mantém-se, para já, como uma das principais excepções na Europa, com os
preços das casas a continuarem a aumentar a ritmo acelerado e muito acima da
média europeia.
No primeiro
trimestre deste ano, de acordo com os dados do Instituto Nacional de
Estatística (INE), o índice de preços da habitação registou, em Portugal, um
aumento de 8,7% face a igual período do ano passado. Esta taxa de variação
representa uma desaceleração em relação ao trimestre anterior, mas, ao mesmo
tempo, é uma das mais significativas da Europa, num trimestre em que o índice
de preços da habitação registou uma variação média de 0,8% no conjunto da União
Europeia e de 0,4% na zona euro.
Ao mesmo tempo,
apesar de reconhecerem os riscos existentes, as próprias imobiliárias têm vindo
a manter a confiança no sector. "Os novos projectos residenciais que foram
lançados tiveram forte procura, com muitas unidades já reservadas ou vendidas.
Embora a inflação e as taxas de juro a aumentarem representem um potencial
desafio, a baixa taxa de desemprego e os níveis consideráveis de poupanças
contribuíram para um mercado imobiliário estável", referia a consultora
imobiliária JLL no mais recente relatório de análise ao mercado, relativo ao
primeiro trimestre deste ano.
A isto, soma-se a
(ainda) crescente procura de Portugal por parte de investidores estrangeiros,
que também têm contribuído, em larga medida, para o aumento dos preços. Segundo
os dados mais recentes do INE, no primeiro trimestre deste ano, os compradores
com domicílio fiscal em território estrangeiro foram responsáveis por 7,2% do
total de casas vendidas em Portugal nesse período, acima da proporção de 5,9%
que representavam em 2022 e de 4,2% em 2021.
Mas, também em
Portugal, o mercado não está imune à política monetária e, na verdade, apesar
do ininterrupto aumento dos preços, o número de vendas já está a cair
consideravelmente. No primeiro trimestre, ainda de acordo com os dados do INE,
o número de vendas de casas caiu mais de 20% face a igual período do ano
passado, levando o montante total transaccionado a recuar mais de 15%, uma
diminuição explicada, sobretudo, pela retracção do mercado nacional.
E, por esta
altura, os alertas já começam a surgir também em relação a Portugal. No mais
recente relatório sobre a economia portuguesa, o FMI aponta que, nos cenários
mais adversos de uma inflação persistente e consequente prolongamento da subida
das taxas de juro, quase metade das famílias portuguesas com créditos
contraídos ficaria numa situação de vulnerabilidade financeira, arriscando-se a
ter de reduzir consumos essenciais ou a falhar a amortização dos seus
empréstimos.
Um cenário desses terá, inevitavelmente, um impacto sobre a solidez da banca, como, aliás, já admite o Banco de Portugal (BdP), que, no relatório de estabilidade financeira, aponta "o arrefecimento no mercado imobiliário residencial, com impacto sobre os preços e sobre o valor do colateral de créditos garantidos por imóveis", como um dos principais riscos para a estabilidade do sistema bancário nacional (Publico, texto da jornalista Rafaela Burd Relvas)
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