Depois de 8 anos a viver de forma independente,
Sofia Silva, de 34 anos, jurista de formação, deixou de conseguir pagar a renda
do apartamento e voltou para casa da mãe. O Expresso fotografou-a esta
quarta-feira, no Barreiro. A pandemia foi o empurrão final que obrigou Sofia
Silva, de 34 anos, a sair do apartamento T2 que arrendava na Baixa de Lisboa
para regressar ao quarto de adolescente, na casa da mãe. Aconteceu logo nos
primeiros meses de confinamento, em 2020. O momento coincidiu com um percalço
de saúde, que lhe reduziu drasticamente os rendimentos de €1300 para €650. Um
cenário piorado com as novas restrições do país que a impossibilitaram de
continuar a subarrendar o quarto de hóspedes, o que lhe permitia até aí cumprir
com os €900 de renda deste 6º andar num prédio antigo, sem elevador.
Há cerca de oito anos que esta jurista conquistara
a independência. Desde aí, batalhava pela vida adulta, num equilibrismo de
contas entre os vários trabalhos precários que ia tendo, com salários quase
sempre em redor dos €800 e valores de renda cada vez mais incomportáveis. Com
esforço e alguns part-times que acumulava, ia-se aguentando. Compensava a
aritmética das altas rendas com o dinheiro que os hóspedes lhe davam pelo outro
quarto da sua casa. “Cheguei a arrendar duas camas nessa divisão para pagar as
contas”, evoca Sofia.
Nos primeiros meses em que o mundo ficou fechado em casa e a economia abrandou, a jovem consegue renegociar a renda com o senhorio para €750, mas depressa o valor voltou ao inicial e tornou-se inevitável o regresso de Sofia para casa da mãe, na Margem Sul. A mudança trouxe-lhe uma grande fatura. “Foi desolador e uma sensação enorme de falhanço voltar a casa da minha mãe depois dos 30. Senti-me a regredir e isso afetou bastante a minha saúde mental. Entrei numa profunda depressão e precisei de acompanhamento psiquiátrico intensivo durante dois anos”, revela. Durante esse processo, e para agravar a situação, é dispensada da sociedade de advogados onde trabalhava como estagiária e, desempregada, passa a ficar ainda mais dependente financeiramente da família.
O QUE A CULTURA NÃO EXPLICA
A história de Sofia conta a vida de mais de metade
dos jovens dos 25 aos 34 anos que ainda vivem atualmente na casa dos pais em
Portugal. Eram 54,4% no ano passado. Uma realidade muito acima da média da
União Europeia, que em 2022 se situava nos 30%. Portugal só apresenta melhores
resultados do que a Eslováquia (58,9%), a Grécia (59,4%) e a Croácia (67,3%).
Se olharmos na linha do tempo, desde 2005 que a situação se acentuou em 15
pontos percentuais.
Dos 27 países da UE, a Finlândia (3,6%) e a Suécia
(3,8%) são aqueles em que as pessoas no início da vida adulta menos ficam em
casa dos pais (ver mapa). E se isolarmos a faixa dos jovens mais velhos, a dos
30-34 anos, percebemos que quase metade destes (41%) permanecia na morada dos
progenitores no ano passado. Esta tendência tem sido crescente ao longo das
últimas duas décadas, contribuindo para atirar a idade média de saída de casa
dos pais para os 29,7 anos. E se não é inesperada no grupo dos 20-24 anos, em
que a quase totalidade (95%) vivia com os pais em 2022, torna-se surpreendente
entre os mais velhos, uma vez que já estarão formados e a trabalhar.
A pandemia terá ajudado a engrossar o número de
jovens a morar com os progenitores. “Muitos dos que estavam fora podem ter
vindo durante a pandemia e instalaram-se em casa dos pais, em vez de estarem
confinados no estrangeiro. E os que terminaram as licenciaturas optaram por
ficar durante a pandemia, em vez de irem viver para o estrangeiro”, analisa
Luísa Loura. E há ainda o fator teletrabalho, já que mesmo aqueles que
trabalhavam em empresas estrangeiras passaram temporariamente para a morada dos
pais. Mas se o aumento expressivo durante os anos de confinamento pode ter sido
circunstancial, a pandemia não explica o valor de 2022, que é 24 pontos
percentuais acima da média europeia e sete pontos percentuais acima do valor
pré-pandemia em Portugal. “Ou seja, se colocarmos a equação da pandemia de
parte, a tendência de mais jovens a viver em casa dos pais em Portugal
mantém-se, não acompanhando a tendência de abrandamento na UE”, traduz a
diretora da Pordata.
“Foi uma sensação de falhanço voltar a casa da mãe
depois dos 30. Sou a mais qualificada da família e a que está pior”, conta
Sofia Silva
O que nos trouxe até aqui? A somar a isto,
Portugal é o segundo país europeu a pagar pior aos jovens, apenas ultrapassado
pela Grécia. Também, segundo o Eurostat, os jovens em Portugal até aos 30 anos
recebem, em média, €1050 brutos: pouco mais do que a Grécia (€875), mas abaixo
da Bulgária (€1138) e Eslováquia (€1261) — e longe da média europeia, €1634.
Simultaneamente, o nosso país é o 7º da UE com maior taxa de desemprego jovem.
Um em cada cinco está fora do mercado de trabalho.
A diretora da Pordata mostra-se alarmada com a
tendência. “São dados preocupantes. Mesmo se considerarmos um certo padrão
cultural de maior permanência em casa dos pais nesta orla mediterrânica —
entre Portugal, Espanha, Itália, Croácia ou Grécia —, só a razão cultural não
explica tudo, muito menos a partir dos 30 anos, quando se espera que estejam
independentes e a trabalhar.” A explicação que a investigadora aponta
correlaciona-se com o facto de os salários serem “muitíssimo baixos no nosso
país”, em comparação com a maioria dos países da UE, e o preço das casas ser
dos mais altos da Europa. “Isto adia-lhes a vida adulta. Acabam por atrasar
mais a maternidade e a paternidade. E tudo isto tem consequências sociais
preocupantes”, alerta. Ao analisar o mapa da UE, que coloca os jovens
portugueses até aos 34 anos entre os que mais atrasam a independência, fica
claro que nos países nórdicos “tem havido um esforço dos Governos para que os
mais novos se emancipem mal entrem no ensino superior, através de subsídios e acesso
facilitado à habitação”.
Lia Pappamikail, socióloga e membro do
Observatório da Juventude, desmonta a narrativa de que tudo isto é cultural. A
discrepância de alguns países face a outros deve-se sobretudo a apostas
sociais. “Os nórdicos, enquanto Estados sociais fortíssimos, oferecem apoios ao
emprego jovem, à habitação jovem e a custos controlados.” E ainda acrescenta:
“Aquilo que ouvimos sobre os jovens dos países do Sul da Europa, como aquele
argumento de que são mais agarrados às famílias e gostam de ficar em casa dos
pais, não poderia ser mais injusto. O que está aqui em causa é a
impossibilidade de muitos conseguirem, de facto, autonomizar-se: terem um
emprego estável que lhes possibilite um contrato de arrendamento, o pagamento
de uma renda sem o apoio das famílias”, garante a investigadora e professora
universitária. E nesse apoio recebido “há muitas desigualdades”, afirma, “isso
também é preciso dizer”. Na “diversidade de situações” entre os jovens
escondem-se sempre os “patrimónios familiares”, sejam eles financeiros,
culturais ou outros. Por isso Lia diz que, “quando se fala de cultura, é só a
ponta do icebergue. Temos de perceber as razões estruturais, já que todos os
estudos indicam que as pessoas, tendo opção, gostariam de construir a sua autonomia.
Assim ficam rendidas a uma inevitabilidade”.
GERAÇÃO ILUDIDA
Apesar do tombo, Sofia não desistiu. Com a ajuda
da família, inscreveu-se num mestrado especializado no apoio social a crianças
e jovens em perigo. Mas o melhor que conseguiu até agora foi um contrato de
substituição por seis meses como técnica superior de trabalho social. De
momento está desempregada e sem qualquer apoio. Quando olha à sua volta,
identifica várias pessoas na mesma encruzilhada. “São muitos os jovens
qualificados em situações precárias, a viver debaixo do teto dos pais ou que
partilham apartamento com demasiadas pessoas. E há até quem mantenha relações
apenas por razões económicas. Atualmente uma pessoa sozinha não consegue
autonomizar-se.”
Esta jovem licenciada em Direito diz estar a
provar o sabor do falhanço. Por isso mesmo não dá a cara nesta reportagem, e
prefere ser nomeada pelo segundo nome. “Sempre que tenho de dizer que moro com
a minha mãe ou que estou desempregada, sinto-me bastante envergonhada”,
reconhece. E insurge-se com o facto de a sua geração ter sido “iludida”. “A
formação académica já não é um passaporte para uma vida independente e
confortável, ao contrário do que nos prometeram — que se estudássemos íamos ter
uma boa vida. Mentira. Já não é suficiente. Academicamente sou a mais
qualificada da minha família e a que está numa situação pior.”
E não espera conseguir sair desta situação tão
cedo e afirma desistir do sonho de formar família. “Até na Margem Sul de Lisboa
as rendas estão caríssimas. Mesmo um T1 nestas zonas periféricas vale €600.
Ora, com os ordenados baixos que os jovens recebem não dá para pagar uma casa
nem nas periferias distantes.” Por ter a convicção de que a política de
habitação é “profundamente insuficiente”, crê ser necessária “mais habitação
pública” acessível nas cidades. “Sou a prova de que atualmente não dá para
ambicionar o mínimo: uma casa, uma família. Por isso há muitos que emigram.”
Apesar da desesperança e de aos 34 anos estar sem emprego, sem casa própria e
sem horizonte, não planeia emigrar.
Mas há quem escolha sair do país. Luísa Loura alerta que serão muitos os jovens com boas habilitações académicas a partir. “Esta pressão está a fazer com que muitos destes qualificados emigrem, em busca de melhores condições de vida, para países com melhores salários e que lhes garantam maior poder de compra. Estes que vão trabalhar para fora com melhores ordenados passam logo a ser independentes, constituem família e têm filhos com maior prevalência. São jovens a realizar os seus sonhos fora do país. É o que tenho visto. E, enquanto a economia do país não melhorar, eles não regressam. Talvez nunca regressem…” (Expresso, texto dos jornalistas BERNARDO MENDONÇA E JOANA ASCENSÃO)
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