Um jornalista açoriano, da velha guarda,
lembrou, a propósito das eleições nos Açores, a importância da televisão
(leia-se RTP-A), quer pelos debates promovidos, quer pelos partidos que deixou
fora desses debates, quer pela cobertura assegurada durante a campanha
eleitoral, no desfecho eleitoral e nas surpresas registadas. Primeiro porque
permitiu que partidos desconhecidos tivessem "desembarcado" nos
Açores - sobretudo os casos do Chega e da Iniciativa Liberal (o ocaso do PCP
resultou essencialmente da excessiva colagem dos comunistas face aos
socialistas, tornando mais convidativo o voto no "original" em
detrimento de qualquer "cópia" de segunda categoria, beneficiando
desde logo, e em minha opinião, o Bloco de Esquerda e o PAN) - chegassem ao
parlamento regional de forma algo surpreendente, mas claramente à custa da
recuperação de abstencionistas e do "roubo" de votos, quer ao CDS
quer ao PS.
Lembro que o Chega elegeu 2 deputados (1
através do círculo de Compensação), graças a 5.260 votos e 5,1%, que o PAN
totalizou 2.004 votos, 1,9% e um mandato (Compensação) e que a Iniciativa
Liberal chegou aos 2.012 votos, obteve um mandato (Compensação) e atingiu os
1,9%. Estamos a falar de partidos que jogaram sobretudo com o aproveitamento
inteligente e selectivo do espaço mediático propiciado pela televisão - acresce
que a pandemia trouxe novas restrições e condicionalismos mais rigorosos, e
nunca antes impostos, a que se junta uma evidente falta de recursos financeiros
e humanos (logística) destes partidos quando comparados com os tradicionais.
O que se passou nos Açores, em grande
medida porque Vasco Cordeiro lhes dava "guita" e palco, fez-me
lembrar, na lógica daquele profissional e comentador açoriano, o que Alberto João Jardim fez na Madeira
depois de 2007, quando "alimentou" tanto o PTP como o PND,
envolvendo-os na discussão política regional de forma mais notória
(particularmente no parlamento e nos média) para que, com isso, retirasse
sobretudo votos e representação parlamentar ao PS-M (se analisarmos os resultados
eleitorais de 2007 e 2011, ambos com AJJ, acabamos por constatar que esse
desiderato foi materializado, também com a "ajuda" e por culpa
própria dos socialistas locais e das apostas eleitorais falhadas). Aliás,
quando AJJ deixou a ribalta política, não deixa de ser curioso - só para os
mais desatentos - que PTP e PND tivessem iniciado um ocaso eleitoral, ambos
ainda no último mandato do ex-líder madeirense.
E nem a abstenção este ano serviu de
pretexto para "justificar" o injustificável por parte dos partidos
açorianos. Recordo ainda que a abstenção nos Açores - 124.993 eleitores _ se
situou nos 54,6% este ano, contra 134.971 eleitores e 59,2% quatro anos antes,
em 2016.
De facto, o peso dos meios de comunicação
social e particularmente da TV na carreira de alguns políticos é imenso.
Marcelo Rebelo de Sousa, que falhou como
líder do PSD, arrastou-se durante anos como comentador de várias televisões
para acabar em 2016 por candidatar-se ao lugar que sempre ambicionou, a
Presidência da República. Contou para o efeito de uma imagem pública construída
enquanto comentador "dono" de espaço de opinião sem contraditório
onde a verdade do agora Presidente imperava como "lei"!
O mesmo aconteceu com Trump que durante anos ambicionou o
envolvimento na corrida presidencial e sonhava a com a Casa Branca - mas julgo
que ele próprio nunca acreditou nessa possibilidade... - mas uma crise de
liderança associada a uma desconfiança dos americanos nos políticos e no
sistema político, bem como uma crise económica e social acentuada, acabaram por
facilitar a ascensão metódica e mediática de Trump que acabou por ser eleito
Presidente dos EUA em 2015, sem ter sido o
candidato mais votado, mas porque soube jogar com o peso dos estados com maior representação no
colégio eleitoral.
Hoje, uma pandemia que deu cabo de todos os
sucessos económicos, ligada a uma instabilidade social no país, ao crescimento
do desemprego e das falências e ao facto de Trump nunca ter sido um pagador de
impostos, apesar dos milhões ganhos (?). E quando tudo isso de conjuga, não há
televisões nem meios de comunicação social que salvem seja quem for.
E podíamos lembrar ainda Costa - que foi
durante anos autarca e comentador televisivo num espaço de partilha de opinião
política com outros dois comentadores, - que foi construindo paulatinamente a
sua imagem pessoal, conjugando a passagem por várias pastas ministeriais (a
proximidade pessoal e política com Sócrates e a forma como afastou Seguro da
liderança do PS depois das europeias de 2014) com esse papel de comentador,
para culminar com a sua ascensão à chefia do governo graças a um acordo, nunca
antes acontecido na política nacional. De facto Costa foi "mestre",
ao convencer PCP e Bloco, a se envolverem, no quadro parlamentar, num acordo de
governação que deixou para trás PSD e CDS que em coligação foram os mais
votados, ganhando as eleições legislativas de 2015, sem terem alcançado os
mandatos suficientes para governarem.
O que hoje temos nos Açores, pelo menos na
altura em que escrevo este texto, é uma estranha tentativa de construção de uma
geringonça de direita – PSD, CDS, PPM, IL, PAN e Chega – liderada pelos
social-democratas (que perderam as eleições regionais) para fazerem nos Açores
ao PS, o mesmo que o POS de Costa em 2015 fez em Lisboa, na Assembleia da
República, ao PSD e CDS coligados. O problema é que essa coligação não depende de 3 partidos e é mais do que
evidente que uma das forças necessárias a essa maioria absoluta parlamentar,
capaz de afastar o PS-Açores do poder,
não garante qualquer estabilidade nem
sequer o cumprimento rigoroso do que for acordado, Falo do Chega e sobretudo do
Ventura, uma descoberta de Passos Coelho (que o PASD nunca levou muito a sério)
e que se foi radicalizando desde 2013 até hoje. E por causa disso lamento o que
ali se passa, porque a confirmação de uma caranguejola, como alguém um dia se
referiu a este tipo de acordo de direita, será sempre sinal de instabilidade e
de incerteza quanto ao futuro dos Açores num tempo de pandemia e de
dificuldades que não se compadece com brincadeiras de gente idiota, de líderes
sem categoria e sem classe, de ausência
de regras democráticas, independentemente de tudo o que outros tenham feito e do precedente aberto.
O PSD pode chegar ao poder nos Açores sem
ter ganho eleições, depois de décadas de frustrante travessia do deserto, por
culpa própria, graças a sucessivas escolhas falhadas, a um discurso que não
marcou nenhuma diferente. O actual líder social-democrata, e vice de Rio,
travou em 2020 esse definhar do PSD-Açores, mas apesar de ter mudado o discurso
e de ter alguma credibilidade – curiosamente outro autarca saído de Ponta
Delgada… - não foi ainda suficiente para a legitimação democrática do voto
maioritário na urna. E por causa disso, acho lamentável que o assalto ao poder
se prepare, mesmo sem saber se o PS-Açores, como deve acontecer, seja convidado
a formar governo e que se apresente perante o parlamento regional, sem que ninguém saiba ao certo o
que partidos pequenos fundamentais neste novo xadrez parlamentares açorianos –
casos do PAN e da Iniciativa Liberal, farão nesse quadro.
A demonstração final da incompetência, da
fome de poder, da forma pateticamente artesanal como o PSD-Açores lidera este
processo, foi o anedótico anuncio de um acordo de governo feito por PSD, CDS e
PPM, deixando de fora os pequenos partidos potenciais aliados destas palhaçada
– Chega, PAN e IL - sem os quais a diferença entre o PS com 25 deputados e os
26 do PSD-CDS-PPM é nenhuma. Recordo que num parlamento com 57 mandatos a maioria
absoluta exige 29 mandatos no mínimo
Cenários possíveis para os Açores
a) Governo liderado pelo PS (25) apoiado no
parlamento pelo Bloco (2 deputados) e com a abstenção do PAN (1) e do
Iniciativa Liberal (1) com um potencial de 27 votos a favor, 2 abstenções.
Contra estariam os 26 votos contra do PSD(21)-CDS(3)-PPM(2) deixando os 2
mandatos do Chega a decidir: se fossem contra, isso obrigaria o PAN e a
Iniciativa Liberal a votarem a favor do PS, se fossem de abstenção os
socialistas precisariam apenas dos seus votos e dos votos do Bloco;
b) PSD, CDS, PPM, PAN, Iniciativa e Chega –
30 votos impedem o PS de formar governo nos Açores, neste caso de nada valendo
os votos do PS e do Bloco juntos (27).
O essencial é ter presente esta
contabilidade parlamentar:
- Composição da Assembleia, 57 deputados
- Maioria absoluta; 29 deputados
- PS (25 deputados)
- PSD (21), mais CDS (3) mais PPM (2), 26
deputados
- Outros protagonistas: Bloco (2
deputados), Chega (2 deputados), PAN (1 deputado) e Iniciativa Liberal (1
deputado). O PCP perdeu representação.
Os resultados oficiais foram publicados hoje, 4ª feira (4.11.2020) no Diário da República pelo que o Representante da República deverá iniciar imediatamente a ronda pelos partidos para perceber o que deve fazer. (LFM)
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