domingo, junho 21, 2020

Nota: um crescente europessimista sem grande esperança no acordo

Eu não sei qual será o desfecho deste complexo processo de aprovação da resposta financeira da Europa aos efeitos devastadores da pandemia nas economias europeias. Mas estou descrente, muito, acho até que só um imenso milagre, quem sabe se juntando os santos todos que se espalham por essa Europa fora, poderá determinar a aprovação de um programa ambicioso que acredito esteja em cima da mesa.
Nos últimos anos perdi muito entusiasmo do meu europeismo, que sempre acreditei ser inequívoco. Porque percebi que a Europa é cada vez menos uma "casa comum" para se transformar numa "empresa" gerida de forma egoísta pelos países mais poderosos e mais influentes, como se de um negócio se tratasse. A Europa perdeu muito da sua componente social, do humanismo que era um dos pilares essenciais da sua criação. O egoísmo dos estados apoderou-se do processo de decisão europeu e hoje tudo gira em função dos interesses específicos de dirigentes ou de países mais influentes, nomeadamente por via da imposição do primado dos interesses de quem quer vender tudo a todos e de quem quer comprar algo de apenas alguns. O próprio processo de alargamento das Europa assentou nessa lógica de interesses políticos associado a uma outra lógica que hoje predomina, a de que primeiro o negócio e depois as pessoas.
Falamos de uma Europa de gatunos e de corruptos, do lobbismo autorizado, das influências feitas antes das grandes decisões, uma Europa privada de líderes fortes, privada de um discurso mobilizados, que traga esperança aos europeus e que seja adaptado aos novos tempos, uma Europa refém dos interesses capitalistas selvagens, da influência da banca e dos sistemas de controlo que ela foi criando. Uma Europa onde tudo pode falir, as famílias, as empresas, os estados, menos a banca. Isso é terreno sagrado, nem que seja à custa da injecção de milhões roubados aos pobres e desempregados dessa Europa fora.
A Europa padece de vários males terríveis que nada têm a ver com ma falta de solidariedade entre estados-membros que devia ser, nunca foi, um dos pilares essenciais à sua consolidação: a corrupção política que faz com que até os cargos sejam negócios políticos demoradamente conversados e acordados, a cedência fácil a lobbys de pressão mais fortes e persuasivos, a falta de líderes fortes, carismáticos, pragmáticos  e convictamente empenhados no projecto europeu e a falta de um mecanismo interno de solidariedade que impeça que alguns países - os agora chamados frugais - por teimosia e revanchismo, impeçam ou tentem obstaculizar todos os entendimentos, porque olham para o sul - Portugal incluído - como um conjunto de países labregos, habitados por chulos que não trabalham, vadios que só querem farra, festas e bebidas enquanto são outros os vícios, colectivos ou individuais, nesses países chamados de frugais e no norte europeu mais radical.
Mas a Europa padece ainda de um discurso comum, mobilizador, forte, que se impunha a tudo e a todos em momentos de crise aguda onde a própria sobrevivência do projecto europeu está cada vez mais em causa.
Nos últimos anos comecei a aproximar-me perigosamente dos euro-pessimistas, quiçá a rondar a fronteira quase extremista dos antieuropeístas. Caso esta situação não se altere e a selvajaria da injustiça acabe prevalecendo, provavelmente será esse o meu percurso, cada vez mais contra uma Europa cada vez mais "merdosa" e de alguns, nunca de todos e para todos.
E não, não são os milhões ou algumas bandeiras emblemáticas hoje desvalorizadas e gastas, apenas agitadas por conveniência - caso da insularidade e da ultraperiferia que até prova em contrário caminham para não valerem mais que um rolo de papel higiénico - que me farão regressar por convicção a um fundamentalismo europeísta que me caracterizava. Para muitos europeus e Europa é hoje apenas dinheiro. Se ele faltar deixa de interessar a Europa nas demais componentes civilizacionais, culturais ou outras.
Uma Europa que diz que apenas negoceia tendo como interlocutores dos estados-membros, valorizando a estrutura de poder central dos estados, apesar de jurar que defende o regionalismo e a centralização, é uma Europa doente. Uma Europa que impede que regiões possam ter maior protecção mas exige aos estados-membros, ameaçadoramente se for preciso, medidas para salvar o sistema bancário por alegadamente não poder falir, é uma Europa doente.
Alemanha e França continuam a ser os pólos de um eixo que manda e que determina tudo o que é resolvido. Cada um arrastado debaixo da saia alguns países submissos, vendidos, sem vontade própria, mas que aceitam ser paus-mandados do tal eixo franco-germânico que parece estar, finalmente, preocupado de facto não apenas com os efeitos da pandemia nas suas economias e o que isso pode significar para o futuro da Europa, mas preocupados sobretudo com o espectro ameaçador de novos "brexits", por razões e motivações diferentes, sejam a norte, sejam a sul.
Li, entretanto, que esta semana poderá ser decisiva nas negociações de bastidores e que a próxima cimeira europeia (Conselho) não se realiza por videoconferência, mas sim em Bruxelas e presencialmente, o que também acho que pode ser importante. Uma coisa é certa, dificilmente os chamados países frugais - Áustria, Holanda, Dinamarca e Suécia (França e Alemanha só não estão juntos porque as suas econiomias estão de rastos, num caos imenso) – abandonarão o radicalismo das suas teorias o que implica a realização de difíceis negociações que não podem fracassar nem desiludir os europeus, sob penas da Europa dar um passo para o abismo e para a sua destruição, Vamos ver qual o desfecho de mais um processo, quiçá o mais complicado de todos nas últimas décadas, mas que exige pragmatismo, seriedade, coerência, coragem, solidariedade e unidade (LFM)

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