Inquérito dos
Panama Papers é discutido e votado em Estrasburgo. Para combater o
branqueamento de capitais, eurodeputados pedem maior controlo sobre os centros
financeiros das regiões económicas especiais. Madeira entra na agenda.
O caminho tem
sido percorrido passo a passo. O assunto é de elevada sensibilidade política, o
consenso difícil de alcançar. Mas entre a batuta da Comissão Europeia, a
pressão do Parlamento e a resistência de alguns governos, cresce o rol de
iniciativas na Europa para combater a evasão e o planeamento fiscal agressivo.
Hoje e amanhã são
dias simbólicos. Os eurodeputados começam a discutir hoje, em Estrasburgo, as
recomendações do relatório final da comissão de inquérito dos Panama Papers
(PANA). Votam amanhã. Há propostas mais suaves e outras mais incisivas, ao
sabor de cada grupo parlamentar. E entre as mais de 200 recomendações há uma
mão cheia de propostas sobre as regiões ultraperiféricas na Europa e uma delas,
proposta pela mão dos Verdes europeus com o apoio dos socialistas, particulariza
o caso da zona franca da Madeira. O objectivo é claro: desafiar Bruxelas a
verificar se os objectivos iniciais dos regimes fiscais das zonas económicas
especiais estão a ser cumpridos.
O assunto vem
agitar as águas, dividir o Parlamento e colocar no centro da agenda um debate
antigo, sobre o cumprimento dos objectivos do regime de benefícios fiscais do
Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM), cuja gestão e exploração,
sob concessão, é da responsabilidade da Sociedade de Desenvolvimento da Madeira
(SDM), controlada pelo grupo Pestana.
Eis o que se lê
na emenda: “[A Comissão PANA] salienta que, na União Europeia, zonas económicas
especiais como a Madeira são utilizadas de forma abusiva por grandes sociedades
e particulares ricos para esconder lucros sem pagamento de impostos; considera,
por conseguinte, que a Comissão deve rever o estatuto dos regimes em causa, se
os objectivos iniciais não tiverem sido cumpridos, e rever também as
orientações em matéria de auxílios regionais da UE com base em condições
fiscais mais estritas”.
A proposta partiu
de oito eurodeputados dos Verdes (de nacionalidades britânica, francesa, alemã,
espanhola, finlandesa e austríaca) e, ao contar com o voto favorável dos
socialistas durante a comissão de inquérito, acabou incluída no relatório final
que é hoje, 12 de Dezembro, votado no plenário em Estrasburgo. O tema é
sensível. Os democratas-cristãos, discordando da redacção do texto
(nomeadamente por referir ausência de impostos), avançaram com recomendações
alternativas onde o nome da Madeira não é referido. E com ressalvas cirúrgicas.
Por exemplo, numa delas, a responsabilidade é colocada nos Estados-membros, instando-os
a adoptarem medidas necessárias para criarem pressão sobre as “regiões
ultraperiféricas que eventualmente não respeitem as normas internacionais em
matéria de cooperação fiscal, a transparência e o branqueamento de capitais”.
Noutra emenda
apresentada entretanto, o PPE defende a necessidade de a UE avançar com uma
“definição clara de ‘offshore’, ‘país ultramarino’ e ‘região ultraperiférica’,
uma vez que cada uma destas definições está associada a diferentes sistemas,
práticas e regimes jurídicos”. Mais à frente diz-se que o combate à evasão deve
acontecer “independentemente do local onde ocorram”. Uma nuance para ler com a
frase que surge a seguir: “Os actuais regimes nas regiões ultraperiféricas
aplicam a legislação da União e respeitam as normas internacionais e da União,
em conformidade com o respectivo estatuto especial estabelecido” no tratado
sobre o funcionamento da UE e “confirmado pelo Tribunal de Justiça da UE” em
2015.
Mudança de
atitude
Entre as centenas
de propostas do relatório final há uma outra onde se sublinha que a OCDE tem
uma “visão crítica” sobre as zonas francas, que “podem ser unidades de
armazenamento offshore, que permitem o branqueamento de capitais e o comércio
não tributado de valores”. O caso da Madeira já suscitara a discussão durante
os trabalhos da PANA. O secretário regional das Finanças e da Administração
Pública da Madeira, Rui Gonçalves, esteve em Bruxelas em Maio a defender
existir transparência e boas práticas no centro de negócios.
A eurodeputada do
PS Ana Gomes, vice-presidente da comissão de inquérito, contrapõe que a
Madeira, “como jurisdição muito problemática a nível fiscal, só existe porque a
Comissão Europeu lhe deu o beneplácito”. Durante muito tempo, diz, Bruxelas
“fechou os olhos”. Mas esse tempo, acredita, está a chegar ao fim. Gomes nota
uma “mudança de atitude da Comissão”, para a qual diz ter sido determinante o
escândalo LuxLeaks, “por afectar a credibilidade de Juncker”.
A Madeira já foi
um dos temas da missão de eurodeputados da PANA em Lisboa, em Junho. A
eurodeputada denuncia a “demissão” das instâncias nacionais relativamente ao
que se passa na Madeira, contando o que ouviu durante numa das reuniões: “É
escandaloso que teoricamente a autoridade tributária tenha a obrigação e o
dever de controlar o que se passa fiscalmente na Madeira, mas efectivamente não
o faça – isso foi-me dito a mim directamente na cara pela directora-geral [da
administração tributária, Helena Borges]”.
O Ministério das
Finanças tem-se defendido colocando responsabilidades nas mãos do executivo
regional. Em Abril de 2016, respondia ao PÚBLICO que as competências fiscais
sobre a zona franca “são exercidas pela Região Autónoma da Madeira, através dos
respectivos serviços tributários, dado terem sido transferidas para a região as
competências e atribuições relativas aos impostos” ali cobrados (texto do jornalistado Público, Pedro Crisóstomo)
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