Não é impossível
Passos repetir o que só Soares conseguiu: ser eleito duas vezes primeiro-ministro
com um interregno pelo meio
Pedro Passos
Coelho vai ser reeleito triunfalmente líder do PSD nas diretas de março. Nenhum
dos seus potenciais rivais tem a coragem de o afrontar. Quando muito, no
congresso aparecerá uma lista para o conselho nacional alternativa à do líder
que os jornalistas conotarão com este ou aquele baronete ou grupo de
despeitados. Em concreto, o congresso será o arranque da marcha para tentar
retomar o poder. O interesse lateral será conhecer os escolhidos para número
dois e para chefe da máquina. O resto será a liturgia habitual dos congressos,
com as intervenções mais ou menos inflamadas dos que falarem sobretudo à hora
dos telejornais.
Para a recondução
incontestada de Passos contribui o cheiro a poder que alguns já anteveem a um
ano de distância, face às dificuldades do executivo Costa e ao resultado das
legislativas que trouxeram uma vitória a Passos, embora estéril quanto à
manutenção do poder.
Passos Coelho é objetivamente o melhor veículo para o centro-direita e a direita voltarem. Com ele, os portugueses sabem o que a casa gasta. E é bem possível que em eventuais eleições o chamem novamente, ainda que a sua governação não tenha tido o sucesso que PSD e CDS apregoam.
Nesta fase, Passos
moderou a sua imagem para recuperar o espaço ao centro que parcialmente lhe
fugiu. Não é líquido que essa metamorfose seja convincente para o eleitorado,
que o vê transformar-se num arauto da social-democracia depois de se ter
autodefinido como liberal para conquistar o PPD/PSD. Verdade se diga que o
partido de Sá Carneiro não tem as suas raízes fundadoras no campo
social-democrata. É mais fruto da ala liberal do “caetanismo”, de católicos
moderados e de uma burguesia apolítica e interclassista que tinha de se acolher
algures. Foram homens como Barbosa de Melo que lhe injetaram referências
sociais-democratas. Passos só terá andado nessas áreas durante um tempo
limitado: concretamente quando, muito jovem e vindo da esquerda, aderiu ao
partido, e durante a sua liderança da JSD. A partir daí foi--se sempre
distanciando dessa via, tornando-se pública essa evidência no congresso do
Coliseu em que apoiou Barroso e não Nogueira, mais moderado e à esquerda.
A linha mais à
direita acentuou-se quando se formou e optou pela vida empresarial e quando
apareceu a disputar o poder no PSD. Já no governo, aplicou-a sempre que pôde.
Vender a TAP, a REN, a EDP, a Fidelidade, tentar concessionar a RTP e admitir
privatizar a Caixa Geral de Depósitos remete muito mais para um projeto
conservador inglês do para a social-democracia do continente europeu.
É certo que Passos
se confrontou com uma realidade dramática a requerer medidas excecionais e
pesadas quando herdou um país falido em resultado da política megalómana de
investimento público promovida por Sócrates, que no início até apoiou. Mas uma
vez chegado ao poder, o seu caminho foi seguir à risca e até ultrapassar o que
reclamavam mercados, interesses e a troika. Surge, assim, como contraditória e
meramente tática a atual proclamação “Social-democracia sempre”. É um slogan
que não encaixa num Passos que habituou o país a manter coerentemente um rumo.
Uma reviravolta dessas seria mais previsível em Portas, que foi tudo e o seu
contrário. Jotinha. Jornalista de projeto exclusivamente político. CDS
democrata-cristão. Social-cristão. Ruralista. Liberal com o PP. Eurocético.
Novamente centrista e europeísta convicto.
Voltando a Passos,
percebe-se esta tentativa de reenquadrar o PSD a fim de reconquistar o centro
que o PS ocupou, enquanto este perdia terreno à esquerda para o Bloco. Mas
atenção. O eleitorado português não se deixa levar facilmente por amanhãs que cantam
e regenerações políticas.
Mesmo assim, e
deixando de parte a embalagem ideológica com que se apresenta agora, o facto é
que importa hoje reconhecer que, depois de Mário Soares, Passos pode ser o
único político capaz de ser reeleito primeiro-ministro sem ser em eleições
seguidas. Notável, sem dúvida! Isto, mesmo reconhecendo que António Costa é um
osso muito mais duro de roer do que alguns pensavam e talvez ainda pensem. O
primeiro-ministro consegue sempre surpreender. O último caso são as mensagens
que distribui sem intermediação jornalística pelas redes sociais. Copiou com os
meios de hoje o que Caetano fez na primavera marcelista. E esta, hem?! (Jornal
I, texto de Eduardo Oliveira e Silva, com a devida vénia)
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