27 de Julho de 1992. Quarenta e cinco velejadores de 45 nações em 45
pranchas à vela iniciam a sua participação nos Jogos Olímpicos de Barcelona. O
português João Rodrigues, madeirense de 21 anos, é um deles. Na primeira
regata, fica em 25.º, não muito longe daquela que seria a sua classificação
final (23.º). Nesse dia, algures em Guimarães, a 873km de distância da capital
da Catalunha, Rui Bragança era um bebé de sete meses que ainda gatinhava. Vinte
e quatro anos depois, João Rodrigues ainda anda de prancha à vela, Rui Bragança
cresceu e encontrou no taekwondo a sua vocação desportiva. Daqui a seis meses,
serão dois dos atletas portugueses nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.
Portugal já tem 52 vagas garantidas nos Jogos cariocas do próximo Verão.
Quando as qualificações terminarem e os rankings internacionais fecharem, é
provável que esse número duplique. Rodrigues e Bragança estão entre essa
primeira meia centena que já tem coisas para fazer em Agosto próximo. Para João
Rodrigues, o ambiente olímpico já não será novidade. Vai ser a sua sétima vez
consecutiva, depois de Barcelona 1992, Atlanta 1996, Sydney 2000, Atenas 2004,
Pequim 2008 e Londres 2012. Já era o português mais olímpico de sempre e,
agora, vai sê-lo ainda mais. Para Rui Bragança, será uma estreia aos 24 anos,
mas podia ter sido olímpico em 2012. Não foi por uma questão de segundos.
“Foi um daqueles azares da vida.
Foi contra um atleta contra quem tinha ganho sempre. Naquele dia, passei o
combate todo a ganhar, mas, nos últimos segundos, escapou-se”, recorda ao
PÚBLICO o vimaranense sobre o combate com o sueco Uno Sanli no torneio europeu
de apuramento em 2012. Desta vez, não dependeu de um combate, mas de um
percurso que o levou ao topo da hierarquia na categoria de -58kg – é terceiro
no ranking olímpico. “Não foi um dia de sorte que me deu o lugar nos Jogos. Foi
o trabalho duro nos últimos anos.”
João Rodrigues tem muitas histórias de qualificação para contar, mas não
tem dúvidas em considerar o caminho para o Rio como o mais difícil de todos.
“De todas as qualificações, esta foi a mais complicada. Não só não me
qualifiquei na primeira fase - Mundial de 2014 - como na segunda tentativa, foi
por um fio. Mas também, diga-se em abono da verdade, isso fez com que a mesma
tivesse um sabor particularmente especial”, considera o madeirense de 44 anos,
que tinha 20 em Barcelona. Fisicamente, diz o velejador, está diferente, mas há coisas que não
mudam: “Assim à primeira vista, rugas, menos cabelo, mas mais branco. Barba
quase toda branca também. Diria que o João de 20 anos era alguém que queria
perceber o que era ele mesmo. O João de 44 continua a assombrar-se de cada vez
que, redescobre que ainda há tanto para descobrir sobre ele mesmo.” Apesar de
estar em permanente redescoberta, João Rodrigues garante que esta será a sua
última aventura olímpica: “Por muito que isso ainda hoje seja tentador, por
muito que continue a adorar velejar a este nível, não faz mais sentido
continuar. Até porque o preço que hoje em dia pago, seja em termos físicos ou
emocionais, começa a ser demasiado alto.”
Doutor e engenheiro
As vidas de João Rodrigues e Rui Bragança são um espelho fiel do que é
ser atleta de alta competição em Portugal, que é o mesmo que dizer,
dificilmente conseguem conciliar as duas coisas, por mais títulos que ganhem e
por mais alto que subam. João Rodrigues já foi campeão do mundo (1995), campeão
da Europa (1996, 1997 e 2008) e já andou perto das medalhas olímpicas (6.º em
Atenas e 7.º em Atlanta). Se ainda conseguiu ser estudante de engenharia e
velejador, já não conseguiu ser engenheiro e velejador.
Aconteceu algures entre Sydney e Atenas. “Sentia cada vez mais
dificuldade em compatibilizar as
responsabilidades, deveres e obrigações de um engenheiro, com uma vida de
nómada”, conta. O nómada venceu e a ele se juntou o escritor – já tem dois
livros publicados. E depois do Rio? Responde o escritor: “É até com alguma dose
de excitação que antecipo o dia em que pegarei na caneta para começar a
escrever as páginas do resto da minha vida". Rui Bragança ainda é um médico em formação – mais um ano e pode acabar -
e vai conseguindo estar entre os melhores do mundo. Foi vice-campeão do mundo
em 2011, campeão da Europa em 2014 e medalha de ouro nos Jogos Europeus em
2015. Depois, é como diz o atleta vimaranense, o Rio de Janeiro “tem uma
cortina preta”. “Depois dos Jogos, não sei. Vamos ver… Se continuar com a bolsa
olímpica, tento continuar, mas se a perder não tenho disponibilidade para pagar
as coisas. Até agora era estudante, mas vou deixar de ser e não posso ficar sem
fazer nada”, diz este futuro médico que gostaria de seguir uma destas
especialidades, anestesia ou ortopedia. “Mas posso sempre mudar, como tem
acontecido tantas vezes na minha vida.”
Vinte anos separam João Rodrigues e Rui Bragança. Dentro de seis meses,
os seus destinos vão cruzar-se - um vai estar na água, o outro fica em terra,
mas com o mesmo fim, estar entre a elite atlética mundial. Palavra final a João
Rodrigues, o veterano olímpico que não continua na prancha à vela apenas porque
exige sacrifícios. “Só porque estamos a falar de alta competição, não quer
dizer que não possa ser divertido.” (Público, texto do jornalista MARCO VAZA)
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