sexta-feira, novembro 13, 2015

Mania de escrever: Os erros primários de Passos (e Cavaco) a que chamaria de idiotices

É um dado adquirido que não há à esquerda um acordo único e consistente, com princípios comuns e propostas concretas. Nada disso. Há uma sequência de três entendimentos isolados, teóricos, políticos e provavelmente por causa disso assinados quase clandestinamente, sem jornalistas, e que na realidade não passam de compromissos gerais que não garantem qualquer obrigatoriedade política do PCP e do Bloco relativamente a um governo do PS que, caso seja constituído, vai ter que tomar medidas duras e impopulares. Que comunistas e bloquistas não aceitarão. Salvo se colocarem à frente dos seus interesses políticos (e eleitorais) a preservação da maioria absoluta que impeça a dissolução da Assembleia da República e  a convocação de eleições antecipadas.
E mesmo que venham agora dizer que havendo um governo do PS - não um governo de coligação - não faz sentido que tivesse sido negociado um acordo comum, pelo menos nas linhas essenciais, não tentem enganar as pessoas. Só há um governo do PS porque António Costa conseguiu levar a reboque PCP e Bloco. Resta saber até quando e em que condições.
O primeiro erro foi político. Quando resolveu formalizar a coligação com o CDS - porque se não o fizesse antes o PSD provavelmente perderia as eleições ou ficaria ao mesmo nível do PS e ficaríamos a saber o que hoje vale eleitoralmente o partido de Portas, que acabou por ter uma representação parlamentar empolada e hiper-inflaccionada relativamente ao que suspeito ser a sua real dimensão eleitoral - nunca teve a coragem de assumir a maioria absoluta com o objectivo de explicar aos eleitores os motivos da sua necessidade e importância.
Demorou muito a coligação a inverter embora timidamente, esta estratégia, provavelmente convencido que os eleitores acabariam por dar ao PSD e ao CDS o que eles queriam mas que nunca tiveram a dignidade e a coragem de pedir. Ou seja, não havendo maioria absoluta na Assembleia da República, os primeiros culpados são os dois partidos da coligação. Que deviam ter feito um esforço - e não fizeram - para perceberem porque razão isso não aconteceu.
O segundo erro, de natureza interna e estratégica, tem a ver com o facto da coligação ter demonstrado, desde a noite de 4 de Outubro quando, apesar de ter sido a mais votada, perdeu a maioria absoluta de mandatos para a esquerda, ficando refém de entendimentos - dificultados pelo radicalismo sectário que caracterizou a Legislatura passada - com terceiros.
O que quero dizer é que PSD e CDS deveriam ter discutido com antecedência um cenário, perfeitamente plausível, como o que resultou das eleições de 4 de Outubro, nomeadamente definindo que tipo de relacionamento teriam que ter com o PS, que cedências efectivas -incluindo programáticas - teriam que ser feitas e que tipo de discurso político teriam que usar. O PS estava claramente radicalizado devido a tudo o que se passou nos últimos 4 anos, pelo que qualquer entendimento, ainda por cima num cenário parlamentar destes, estava praticamente inviabilizado. O PS quanto muito estaria disposto a ajustar contas com a coligação PSD-CDS e nunca a ser cúmplice ou parceiro dela só por causa da necessidade parlamentar decorrente dos resultados eleitorais.
Mas a ajustar contas também pelo facto do PSD ter liderado o processo de contestação parlamentar que em 2011 derrubou o governo socialista de Sócrates quando o PS fez tudo para manter-se no poder, mesmo com a presença da troika e com o memorando de entendimento, porventura gerido de uma outra forma.
Para além destes erros políticos primários, acresce outro, o terceiro erro - aliás o ex-ministro Poiares Maduro colocou o dedo na ferida ao reconhecer que a apologia da austeridade, nos moldes em que o governo do PSD e do CDS fez, teve custos políticos eleitorais altos - que se refere àquela encenação idiota da assinatura de um facto de governação. Este acordo de Governo e de colaboração política entre o PSD e o CDS foi assinado por Passos Coelho e Paulo Portas, dois dias depois das eleições e de ambos saberem que deixaram de ter a maioria absoluta autocrática que dispuseram entre 2011 e 2015. Para Portas este foi o "primeiro passo para que Portugal tenha um Governo", reclamando que "Portugal precisa de ter um Governo para poder completar a transição para um ciclo de crescimento económico". Na mesma cerimónia Passos Coelho sublinhou que o acordo reflectia os resultados das eleições pelo que os dois partidos, "interpretado o resultado, ouvidos os órgãos internos, entenderam com naturalidade expressar ao país e ao Presidente da República que mantêm o seu compromisso de contribuírem para uma solução de Governo, que vai ao encontro do desejo expresso pelos portugueses nas últimas eleições". O problema é que esta palhaçada - porque não passou disso mesmo - valia zero, já que o parlamento tinha uma maioria absoluta de deputados, com fortes probabilidades de entendimento, o que implicava a queda a prazo de qualquer governo PSD-CDS.
O desespero negocial foi tremendo, percebeu-se que tanto Portas como Passos estavam desesperados, queriam continuar no poder custasse o que custasse, estavam dispostos a ceder ao PS o que durante meses negaram aos socialistas, chegaram a convidar o PS para ir para o governo - Portas até disse que estava disposto a prescindir de ser o nº 2 do futuro governo para o ceder a Costa - mas essa ambição ruiu quando se começou a perceber que o PS e Costa estavam a jogar em dois tabuleiros diferentes, ou sejam, mantinham contactos e negociações com os dois lados.
O quarto erro neste processo foi cometido por Cavaco com a cumplicidade de Passos. Logo na segunda-feira, 5 de Outubro, depois de serem conhecidos os resultados eleitorais e o fim da maioria absoluta, o PR cometeu um erro desastroso - mais um - quando convidou Passos a Belém para o encarregar de diligências para obter entendimentos políticos e parlamentares que viabilizassem o futuro governo. Esqueceu-se lamentavelmente - já ouvi algures que porventura até foi deliberadamente - de chamar ao seu gabinete o líder do PS, segundo partido mais votado, maior partido da oposição, com apenas menos 3 deputados (!) que aqueles que o PSD tem na Assembleia da República, e por quem passava qualquer solução política que fosse ao encontro do que Cavaco queria de facto que acontecesse.
Neste quadro, e à medida que as negociações lideradas por Passos fracassaram, porque as negociações do PS com os partidos à sua esquerda iam evoluindo, Cavaco percebeu que tinha cometido um erro gravíssimo ao não chamar Costa no mesmo dias que o fez com Passos. Provavelmente não pretendeu dar a mesma importância aos dois políticos mas era incontornável que Passos estava amarrado e que nuca obteria qualquer entendimento sem a anuência de Costa. O PS irritou-se, Costa incomodou-se com a marginalização presidencial. Surgiu então o tal quarto erro, desta feita de Cavaco, com aquele discurso patético quando resolveu perorar e deambular no dia em que convidou Passos a formar governo - e muito bem, porque tinha que cumprir as disposições constitucionais - inclusivamente deixando no ar um apelo à revolta no grupo parlamentar do PS, contando certamente para o efeito com os 15 deputados socialistas considerados próximos de Seguro. Ora esse discurso desastroso teve o efeito contrário, cimentado a unidade interna do PS que recusou fazer o jogo - aliás viu-se bem - de Cavaco.
Timidamente, surgiu o quinto erro político, relacionado com o programa de governo e com a estrutura do próprio executivo com a introdução de uma pasta da Cultura - elevada à categoria de ministério depois de secundarizada durante 4 anos como secretaria de estado de segunda ou terceira linha e permanentemente envolvida em polémicas e "casos". Uma tentativa, disseram vários comentadores, de se aproximar ao PS quando tudo estava perdido. Vários passos que deveriam ter sido dados na elaboração do programa de governo, por exemplo, na gestão da reversão das medidas de austeridade, no alívio da carga fiscal, na travagem das penhoras de habitações próprias por causa de dívidas insignificantes, etc, e não foram considerados.
O que acontece agora? Depois do discurso do medo usado durante toda a campanha eleitoral, a coligação PSD-CDS opta por uma postura de vingança pela queda do governo recusando aprovar seja o que for da autoria de um eventual governo do PS. A maioria de esquerda está entregue a si própria, o PS fica mais vulnerável porque fica refém de comunistas e bloquistas. A coligação de direita vai optar por caminhos ínvios e perigosos do ajuste de contas e da vingança, posturas que não reúnem normalmente a cumplicidade e a concordância dos eleitores.
Passos cometeu o outro erro, o chamado erro zero, original, quando ignorou que uma coligação com o CDS nos termos em que aconteceu nas autárquicas de 2013 (que perdeu), nas europeias de 2014 (que perdeu apesar de forma menos ampla do que a estimada) e agora nas legislativas nacionais de 2015, além de esvaziar e descaracterizar ideologicamente o PSD e de obrigar a uma viragem  à direita como aconteceu, penaliza o partido, já que muitos eleitores social-democratas recusam votar numa coligação com o CDS de Portas que ainda por cima, graças à sua experiência e matreirice, acabou por ser claramente um "vencedor". Basta ver a representação parlamentar alcançada por um partido que recusa concorrer separadamente a qualquer acto eleitoral por temer resultados adversos. O primeiro aviso, e mais recente, foi dado na Madeira nas eleições regionais deste ano, onde o CDS caiu abruptamente e perdeu deputados. Seguiu-se, também na Madeira, a perda de um deputado que o CDS tinha conseguido eleger pela Madeira, factos que certamente preocuparam Portas.

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