sexta-feira, novembro 13, 2015

Mania de escrever: As dúvidas de Cavaco, a habilidade tardia de Passos e os receios da esquerda

Não tenho dúvidas que Cavaco Silva é hoje mais do que um presidente em final de mandato, uma personagem desacreditada, e cheia de dúvidas sobre o que vai fazer perante a realidade política e parlamentar que não é aquela que ele deseja e  por ela tanto lutou.
Cavaco tem uma agenda própria, não tem pressa, não acredita no entendimento à esquerda, não acredita na sua consistência, nem na capacidade de liderança do PS e na gestão desses acordos, todos eles colados a cuspo, sem qualquer estrutura consistente. 
O que se passou foi que PS, PCP e Bloco decidiram, à luz da nova realidade parlamentar, que existiam condições, só possíveis por via do diálogo e do entendimento, para afastarem o governo PSD-CDS independentemente de terem ganho as eleições, vitória que não se expressou também em mandatos conseguidos (lembro que só na Madeira e nos  Açores, o PSD perdeu 3 deputados e o CDS 1 mandato!). Nesta lógica, procuraram concentrar-se na formalização de um acordo em torno de todos os pontos em que havia convergência possível entre eles e que aproximavam desavindos. Deixaram de lado as divergências e todas as outras matérias em torno das quais dificilmente haverá entendimento. O problema é esse mesmo. Cavaco não acredita na estabilidade dos entendimentos alcançados. Por isso não quer correr o risco de decidir sozinho. Optou por uma agenda de contactos, admito que venha a convocar o Conselho de Estado - se tem tantas dúvidas tem o dever institucional de convocar os seus conselheiros - para furtar-se a uma decisão tomada sozinho que venha a isolá-lo ainda mais. Cavaco já percebeu que o PS espera ser convidado a formar governo e que PSD e CDS esperam que Cavaco não o faça. O jogo mudou-se para Belém e para um protagonista ele próprio derrotado na sua aposta, sobretudo à luz do primeiro discurso feito quando convidou - e bem - Passos para formar governo e resolveu - mal - perorar sobre procedimentos políticos, atitudes de partidos, desafios a deputados, etc. Tudo isso saíu furado.
Conhecendo Cavaco como todos conhecemos, e atendendo à postura de crítica adoptada pelo PS, PCP e Bloco ao longo do mandato presidencial, se Cavaco pudesse já teria dissolvido a Assmebleia e convocado novas eleições. 
O problema é que Cavaco acabou por ser o primeiro responsável pelo impasse em que mergulhgamos.  E culpado porquê? Porque em vez de ter feito o frete a Passos - que precisava de tempo para ir a eleições - deveria ter antecipado eleições, tinha fundamentos para isso, ganhava tempo, distanciava-se de datas-chaves como as que nos encontramos e teria eventualmente a alternativa de convocar eleições caso fosse este o cenário saído dessas eleições antecipadas. Por isso não tenho pena nenhuma de Cavaco acho mesmo que ele devia sair ainda mais chamuscado deste processo para que aprendesse a lição. Cometeu erros primários, armou-se numa espécie de "rainha da Inglaterra" convencida e muito bem instalada em Belém , sentou-se se sofá a ver a banda passar e agora tem uma crise complexa nas mãos que dificilmente deixará de ter o desfecho que todos antecipamos. Receio que ele não tenha a coragem e de habilidade política para superá-la com dignidade.
Repare-se que Cavaco até neste processo de auscultação meteu água. Chamou empresários, ouviu os capitalistas e "esqueceu-se" de convocar os sindicatos, UGT e CGTP, que só depois de declarações na comunicação social, foram apressadamente convocados para evitar que Cavaco fosse ainda mais penalizado. No fundo Cavaco ia fazendo o mesmo que fez quando chamou Passos a Belém, um dia depois das eleições e  sabendo que ele não tinha maioria absoluta nem estava em condições de sozinho negociar fosse o que fosse com o PS, e ignorou deliberadamente António Costa, líder do maior partido da oposição.
Os medos da esquerda
À medida que este processo demora e o impasse gera especulação na comunicação social com contradições entre analistas, os partidos da esquerda sabem que o calendário funciona contra eles. As pessoas começam a ficar fartas deste impasse, começam a perceber que os derrotados querem governar, podem inclusivamente arrepender-se de não terem propiciado à coligação PSD-CDS a tal maioria absoluta que ela nunca teve a dignidade e a coragem de pedir, tudo estaria resolvido com um governo já empossado e os calendários a serem cumpridos. E se aumentarem as pressões dos mercados, se os juros da dúvida protuguesa começarem a subir, se as mafiosas agências de rating começarem a pressionar o país ameaçando-o com descidas de "rating", então nesse caso as coisas vão complicar-se e os eleitores podem ter, num cenário de eleições antecipadas, uma atitude de ajuste de contas com o PS e demais partidos da esquerda, independentemente das medidas propostas - as quais, pela sua natureza, obviamente são aceites e apoiadas por todos. Resta saber se este pretenso governo do PS não estará a  acelerar demasiado, pelo simples facto de estar refém do apoio parlamentar do PCP e do Bloco e de ter que ceder alguma coisa às exigências destes dois partidos. Uma das raízes das dúvidas hoje existentes reside exactamente aqui, na incerteza quanto à estabilidade garantida.
Acredito, muito sinceramente, que PS, PCP e Bloco, sobretudo estes dois últimos, tudo farão para garantir ao  PS a estabilidade parlamentar que impeça a dissolução da AR e dê motivos ao futuro Presidente da República para convocar eleições antecipadas. Mas eles sabem que qualquer sinal de instabilidade mata o entendimento e provocará a imediata dissolução da Assembleia. Penso mesmo que o PS não tolerará provocações do PCP e do Bloco, pelo que ao mínimo sinal de "rebeldia" ou de provocação, dispensará comunistas e bloquistas e avançará com propostas de eleições antecipadas. Mas esse cenário nunca se colocará, caso Cavaco convide Costa, antes de Setembro ou Outubro do próximo ano, quando se começar a sentir a pressão de um orçamento de estado para 2017. Penso que no tocante ao orçamento para 2016 esse entendimento será mais facilitado, apesar de não acreditar que Bruxelas dê luz verde a algumas das propostas já anunciadas como estando no rol de iniciativas agendadas pelo PS para o próximo ano.
Neste quadro de sobrevivência política da esquerda -  é óbvio e indesmentível que Bloco e PCP, mais do que o PS, temem que eleições antecipadas venham a impor-lhes uma derrota com a perda de votos e der deputados já que não haverá tempo suficiente para que os partidos da esquerda sejam capazes de rentabilizar a seu favor, em termos eleitorais, as medidas previstas - penso que tudo será feito para que o actual quadro parlamentar seja mantido.
Neste contexto, a proposta de Passos Coelho de uma revisão constitucional extraordinária e acelerada para alterar os preceitos constitucionais que impedem a realização de eleições antecipadas antes de Junho ou Julho do próximo ano, para além de oportunista, sectária, tendenciosa, nunca será aceite pelos partidos da esquerda. Alguém acredita que PS, PCP e Bloco - bastaria o PS mais os deputados do PSD e do CDS para que a Constituição fosse alterada - aceitariam envolver-se numa iniciativa partidária que no essencial aposta na derrota da esquerda, para impedir que os partidos - caso o PS chegue ao poder - tenham tenmpo para consolidarem junto do eleitorado uma imagem favorável que penalize a coligação PSD-CDS - no fundo é esse o grande receio de Passos e de Portas, que um governo do PS com a cumplicidade da Europa, consiga concretizar medidas do agrado das pessoas susceptíveis de porem em causa as orientações do governo anterior.
Claro que um cenário de eleições antecipadas cria um problema complexo à esquerda. Ao contrário da direita - que partilha hoje o mesmo eleitorado, apesar das crescentes fugas de eleitores com ela identificados para a abstenção por se recusarem dar a anuência ao reboque do PP pelo PSD (o que incomoda o PS e seus parceiros é a possível mobilização destes abstencionistas que ainda não fizeram as pazes com o PS e o CDS, e nos quais tanto Passos como Portas várias vezes falaram na campanha eleitoral, apelando ao seu apoio, que em caso de eleições antecipadas votaria nos partidos da direita para derrotarem PS e parceiros- a esquerda não viabilizaria qualquer aliança eleitoral. Ou seja, PS, PCP e Bloco continuariam a concorrer sozinhos, isolados, tentando segurar o seu eleitorado, até porque os três partidos movem-se num contexto político habitual em que que partilham uma mancha eleitoral comum e que oscila as suas opções de forma limitada.
As habilidades de Passos que podem sair furadas
Desesperados com a queda do governo e com o afastamento do poder nas circunstâncias em que tudo aconteceu - poder onde queriam manter-se custasse o que custasse - perceber-se que PSD e CDS passaram a adoptar um discurso cada vez mais radicalizado, compreensivelmente agressivo, ameaçador e apostado em isolar a esquerda, recusando qualquer cumplicidade com este bloco. Ou seja, na óptica do PSD e do CDS, o votos dos deputados na Assembleia da República relativamente a todas as propostas com origem num eventual governo socialista, será contrário. Mas isso vai colocar problemas políticos complicados: então PSD e CDS votarão contra medidas caso sejam populares e agradem aos cidadãos? Votar contra um aumento das pensões, por exemplo, será uma boa decisão? Quais os custos eleitorais disso? Votar contra um pequeno aumento do salário mínimo nacional é uma boa decisão? Com que custos políticos e eleitorais? A manter-se esta orientação radicalizada e se se perceber que PSD e PP podem estar a ser penalizados e prejudicados eleitoralmente por essa obsessão doentia de ajuste de contas e vingança mais pessoal que partidária,  quanto tempo poderão Passos e Portas manter-se na liderança dos dois partidos?
E se o PS, caso Cavaco formalize o convite a Costa, conseguir inverter junto da sociedade portuguesa uma certa imagem agressiva por tudo o que se passou e pelo abuso dos perdedores em se apoderarem do poder de forma que alguns dizem ser golpista e eticamente indecente?
Mais. Parece-me evidente que PSD e CDS apostam em eleições antecipadas, com base na lógica de que o processo  de "fraude eleitoral" e o "golpismo socialista" - duas acusações de Passos - os beneficie em detrimento do PS e dos seus pares. E se não acontecer isso? E se os eleitores mantiverem a sua tendência de voto expressa em 4 de Outubro ou a alterarem numa direcção oposta à que é esperada por  PSD e CDS? Quais as opções ideológicas dos abstencionistas? Até que ponto uma mobilização dos abstencionistas pode mudar radicalmente o cenário eleitoral? Perante as propostas anunciadas pelo PS - e que colocam ao PSD e CDS dificuldades acrescidas para justificarem as suas propostas, claramente diferentes das que foram propostas pelos socialistas - como vão reagir os eleitores, os pensionistas, os reformados, os funcionários públicos, os penhorados pelas finanças, etc, quando confrontados com a propaganda do PSD-CDS que foi reconhecidamente eficaz durante a campanha eleitoral mas insuficiente para propiciar a maioria absoluta que era claramente o objectivo eleitoral da coligação?
Radicalização, menos 735 mil votos e menos 25 deputados
Neste quadro de radicalização e agressividade políticas, Passos jogou na proposta de uma revisão constitucional cirúrgica - a mesma revisão constitucional que durante quatro anos recusou, podendo estar a pagar agora por isso, e muito justamente - para alterar um artigo da Constituição que impede a realização de eleições antecipadas. O que pretende Passos? Permitir que as eleições antecipadas se efectivassem no imediato, contornando o impedimento constitucional hoje em vigor. Ora para haver revisão constitucional PSD e CDS precisam do PS. Pergunto: alguém acha que nesta conjuntura e com este radicalismo o PS aceitará seja o que for da anterior maioria depois de tudo o que foi dito nos últimos dias pelos dirigentes do PSD e do CDS? Como é que Passos reclama uma revisão constitucional acusando os socialistas - que ele sabe serem essenciais a esse processo - de golpistas e fraudulentos eleitorais, independentemente de se perceber a razão de ser de tais acusações? O desespero não pode impedir o bom senso e o pragmatismo. Acho que PSD e CDS entraram numa perigosa espiral de vingança, de ajuste de contas, de cegueira, que pode ser-lhes fatal.

Como é que Passos e o PSD acreditam que PS e seus parceiros da esquerda - embora neste caso bastassem os socialistas - aceitariam alterar a Constituição para viabilizar um acto eleitoral antecipado sobre o qual ninguém pode prognosticar qualquer desfecho? Bem vistas as coisas, não foi a coligação PSD-CDS que não alcançou a maioria absoluta, portanto falhou,  e que perdeu 735 mil votos e 25 deputados? Falamos de uma perda de 26,1% dos votos comparativamente aos obtidos em 2011 e de uma queda de  18,9% dos deputados que tinham sido eleitos em 2011. É muita perda da qual não gostam de falar. (LFM)

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