“O bastonário dos técnicos oficiais de contas acusa o governo de dar com
uma mão e tirar com outra.
Uma das medidas do governo tem sido o combate à fraude e à evasão
fiscal. Esta semana detectaram uma fuga de 200 milhões. O objectivo está a ser
cumprido?
Não tem havido tanto combate à fraude e à evasão fiscal como tem sido
divulgado. O que tem havido é uma maior eficiência da máquina fiscal e é
preciso ter em atenção em que momento do acto tributário é que se considera que
é feito esse combate. A autoridade tributária entende o momento da liquidação,
mas todo o processo pode passar por uma série de situações, o contribuinte pode
discordar e vai reclamar e, muitas vezes, o acto ou é anulado ou alterado de
forma profunda. Entendo que o governo tenha de mostrar trabalho feito e por
isso estamos a ouvir uma série de barbaridades. Quando se questiona em que
áreas é que foi feito esse combate à fraude e à evasão fiscal não conseguem
dizê-lo, pondo em dúvida os valores que se avançam. Há uma maior eficiência,
mas também alguns abusos nos actos inspectivos que, por vezes, põem em causa a
prática da legalidade.
Os 200 milhões podem não estar nos cofres do Estado?
Poderão estar apenas liquidados.
São anúncios populistas?
Estamos a assistir a um desmerecimento muito acentuado dos direitos dos
cidadãos. Vamos ser realistas, se tem o seu rendimento, a sua família
constituída, uma casinha que construiu com sacrifício e no momento em que não
paga uma contribuição autárquica e deve 1800 euros, o Estado vai por um valor
destes colocar a casa em leilão? As casas acabam geralmente por ser vendidas
abaixo do preço real, em que o Estado desde que cobre o seu, o problema não
existe. Isto é uma falta de sensibilidade enorme por parte de quem gere a
sociedade.
E é frequente existirem cada vez mais casos desses...
Sim e será que uma pessoa tem de ser penhorada por dever 1800 euros?
Arrisca-se a ficar sem casa e não há ninguém com sensibilidade do lado do
governo que diga: espere aí, estamos a pôr uma casa na praça por 1800 euros? As
pessoas estão a ser tratadas como números. Se o Estado não pagar 1800 euros
está impávido, sereno e nada acontece, mas se devemos ao Estado 1800 euros ele
vai buscar a sua casa. Mas que diabo é justiça esta? Sempre defendi que a
máquina fiscal tem de ser coerente, competente nas inspecções que faz, tem de
ser rigorosa e acima de tudo ter um conceito de justiça. O que está a acontecer
agora? Assisto diariamente a liquidações injustificadas. Há o conceito que ao
Estado tudo é permitido e ao cidadão tudo é devido.
São os tais portugueses de primeira e os de segunda…
Não tenha dúvida nenhuma. O grande problema é que são mais os de segunda
do que de primeira. Estourámos com uma classe média, a quem se triplicou a sua
comparticipação nos impostos e temos hoje uma sociedade em que um grupo vive à
grande e à francesa e que é protegido pelo nosso sistema.
A carga fiscal é demasiado elevada...
Está demasiado acentuada, não digo que não tivemos necessidade de
estabelecer o equilíbrio financeiro, sempre defendi isso, mas peço que não seja
pedido tudo a uns e a outros não.
Tributar as mais-valias iria criar um maior equilíbrio?
Evidentemente que sim. Porque é que as rendas de habitação pagam um
imposto de 28% e um trabalhador pode ser tributado até 48%? Não entendo.
O governo diz que não tem condições para baixar os impostos.
Não há condições para baixar a uns, mas mantém as diferenças positivas
para outros.
Insensibilidade do governo?
Não é só deste governo. É um problema que se arrasta há muito tempo.
E há condições para reduzir a sobretaxa?
Seria bom que se pudesse reduzir a sobretaxa, independentemente dos métodos
seguidos. O que custa ao governo publicar uma portaria a dizer que aumenta o
IRS? É como se diz: é simples, é barato e dá milhões. Para as empresas é fácil,
chegam aos vencimentos dos trabalhadores e tiram. Mas não temos elementos
suficientes para fazer as afirmações que foram feitas. Este governo tem usado o
sistema de dar com uma mão e tirar com outra. Falou-se aí que iria haver uma
redução da carga fiscal, teoricamente há um aumento de deduções porque na
prática essas deduções não existem.
O que aconteceu?
No ano passado íamos a uma farmácia, comprávamos um medicamento. Se a
taxa aplicada era de 6% entrava na declaração de IRS, mas se tivesse um
problema de pele e tivesse de aplicar um produto taxado a 23% e se fosse
prescrito pelo médico essa despesa era aceite e entrava no IRS. O que hoje não
acontece. Se tem um problema com a vista e não consegue ver, os óculos são
tributados a 23%. É justo que seja penalizada por não conseguir ver? As pessoas
que têm esse problema não podem deduzir nos impostos? Há ainda outra questão
que é a indexação dos códigos de actividade das empresas que vendem os
produtos. Por exemplo, vou comprar um livro na mercearia e esta não está
colectada para a venda de livros. A autoridade fiscal vai ver o código de
actividade da empresa e não considera válida essa despesa. A incompetência da
autoridade tributária é projectada negativamente a quem a vai fazer as compras
a esses locais. Esse problema não se coloca nas cidades, mas imagine uma
freguesia em Trás-os-Montes, como Vinhais que tem uma escola com 50 alunos e
não vão comprar os livros a Vila Real num estabelecimento que vende tudo. Seria
mais eficiente que pedissem às pessoas que guardassem as facturas caso
surgissem dúvidas. Conclusão: vai haver uma diminuição drástica na dedução das
despesas de saúde, mas vai haver uma diminuição muito maior com as despesas de
educação. Porque estas não se limitam apenas à compra de livros, é preciso
muito mais material e ao condicionarem o direito à dedução apenas à taxa mínima
está a impedir que se faça a dedução dessas despesas. Se não pode deduzir então
quer dizer que a matéria colectável está a ser aumentada. E vai pagar mais ou o
mesmo em relação ao ano passado. Há algumas alterações são subtis e não se
percebem à primeira vista.
O reembolso será o menor?
Em alguns casos sim e para o ano, na altura da entrega das declarações
de IRS, vamos assistir a uma guerra civil. Ou o governo começa já a esclarecer
e a tomar as atitudes ou vai haver uma grande confusão. Um contribuinte, por
exemplo, com 70 anos não vai estar a confirmar se as facturas estão no sistema,
alguns nem sabem trabalhar com aqueles programas. Nem estou a ver os
contabilistas a confirmar as facturas todas. Todo este processo vai traduzir-se
em prejuízo para os contribuintes com o rendimento colectável a subir e logo
aumentar o imposto a pagar.
Mas começaram a ser pedidas mais facturas devido ao sorteio do fisco.
É uma vergonha o que se passou e o que se continua a passar. É a
conceptualização de uma política espectáculo, sem dignidade. É um abandalhar.
Portugal tinha uma tradição de chico espertismo, ou seja, de encontrar caminhos
de contornar a lei e a própria sociedade aceitava esses comportamentos. Criámos
uma sociedade que tem uma tradição latina de incumprimento. Foram impostas
regras que criam algum medo de ser descoberto por não emitir a factura. Penso
que este mecanismo foi positivo. Agora não consigo aceitar que se faça disso
uma espécie de rifas como se vê nas feiras e nas romarias. Os consumidores
quando pagam impostos estão sempre a sacrificar alguma coisa da sua vida, da
sua comodidade e esse sacrifício ter como consequência uma rifa não faz sentido
nenhum e ainda por cima sorteiam um carro. Uma pessoa que não tenha um
rendimento muito alto, que peça as suas facturinhas e se sai o carro o que é
que vai fazer? Vendê-lo e só este acto de vender perde logo 10 ou 15 mil euros.
Preferia que o governo atribuísse um mérito a quem pede factura.
E como seria atribuído esse mérito?
Porque não em crédito ou em dinheiro? Em vez de pagar o carro porque não
dar o dinheiro às pessoas? Era preferível que fosse dado um crédito a alguém
que pague muito de IRS. E aí poderia gastá-lo ou deixar como um crédito do IRS
para o ano seguinte. Porque é que sou obrigado a andar de carro?” (um trabalho
do jornalista do Jornal I, Eduardo Martins, com a devida vénia)
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