“O IVA da restauração deve baixar? Claro que deve. Tal como o
da electricidade. E o da roupa e calçado. E também o dos iogurtes e dos
concentrados de fruta. Para não falar do das conservas e sem esquecer o dos
ginásios. A carga fiscal é sufocante e tudo o que se possa fazer para a aliviar
é bem vindo. No IVA, no IRS ou no IRC. No IMI e no IUC. E no imposto sobre os
combustíveis. Vá lá, mantenhem-se impostos elevados sobre o tabaco e o álcool
que quem quer vícios deve pagá-los – aos vícios e às externalidades sociais e
económicas que eles provocam. E, se quiserem, mantenha-se também a nova taxa
sobre os sacos de plástico que só nos faz bem reutilizá-los.
Então coloquemos a questão de outra maneira. O sector da
restauração deve ser positivamente discriminado e beneficiar de uma baixa do
IVA? Claro que os empresários do sector defendem que sim. Mas quem é que não
gostava de ter um IVA de 13% em vez de 23% nos produtos e serviços que vende?
Todos, verdade? Eu também gostava que os serviços de criação e produção de
conteúdos e as colaborações com os media – como este texto que estão a ler – tivesse
um IVA mais baixo. O ideal é que estivesse mesmo isento. Já viram o desemprego
que por aí anda entre os jornalistas e licenciados em comunicação? Já repararam
na dificuldade que as empresas de comunicação social têm tido na última década
para equilibrar as contas?
Mas interesses próprios à parte, não vejo qualquer
racionalidade económica e fiscal em fazer dos restaurantes e cafés uma
excepção. O sufoco tributário é generalizado, a crise afectou de forma idêntica
ou muito superior vários outros sectores – basta pensar na construção ou na
venda de automóveis, por exemplo – e o desemprego involuntário também se
distribuiu pela economia – excepção feita ao Estado, claro, e daí também esta
carga fiscal pornográfica.
Mas é certo e sabido que até às eleições este vai ser um dos
temas em discussão, já que está transformado numa “bandeira” de querela
partidária e de diferenciação de promessas eleitorais. É apenas por isso – e
pela capacidade reivindicativa do sector – que ele é discutido e não pela
relevância económica do IVA da restauração que não é diferente da fiscalidade
de outras indústrias. Infelizmente, o destino do país não muda se tributarmos o
bitoque ou a francesinha a 13% em vez de 23%. Era bom que este fosse o grande
assunto que temos para resolver.
Eleições rima com mistificações e este caso não é excepção.
Dificilmente o nível do IVA é para este sector um drama maior
do que para outros. O problema é que a restauração – como, de resto, outras
áreas do comércio e serviços – sofreu outro impacto maior. Foi aquele que
resultou do combate à fuga ao fisco, com os novos sistemas electrónicos de
facturação e com o incentivo dado aos consumidores para exigirem factura. A
“gestão” da facturação declarada ao fisco e do IVA a entregar ao Estado – fosse
ele de 13% ou de 23% – deixou de poder ser feita com a mesma amplitude e a
rentabilidade do sector ressentiu-se. Mas esse é um problema criado por más
praticas dos empresários que tinham que acabar por um imperativo de justiça
tributária. Ou vamos defender a fuga ao fisco como meio legítimo de
sobrevivência das empresas?
Outro impacto importante para muitos restaurantes foi o corte
nos rendimentos das famílias, que as levaram a reduzir drasticamente as
refeições fora. Muita gente deixou de almoçar e jantar no restaurante com a
mesma frequência porque deixou de ter dinheiro para pagar 10 ou 20 euros por
uma refeição e não porque a mesma passou a custar 11 ou 22 euros,
respectivamente, por efeito (aproximado) do IVA.
Mas apesar de tudo isto este é um sector em crise? O que vejo
olhando à volta é que nunca como agora se abriram tantos negócios e tão
inovadores na restauração. Não passa uma semana sem que veja nos jornais várias
páginas de sugestões de novos sítios para ir comer e beber. São hamburgueres de
todas as formas e feitios, francesinhas do Porto a invadir Lisboa, tapas e
copos de vinho, padarias reinventadas, sushi tradicional ou de fusão, mexilhões
com cerveja ou com gin, pregos e bifanas gourmet, iogurtes naturais ou em
gelado, novos negócios de “street food” que aparecem todos os dias, chefs
famosos que não param de abrir novos espaços para todas as bolsas e paladares,
esplanadas e terraços para aproveitar o bom tempo, bolos de chocolate ditos os
melhores do mundo e tartes com amêndoa verdadeira. E os “brunchs” e as ceias.
Com muito ou pouco colesterol. Uns baratos, outros caros. Para comer em pé ou
sentado. No centro comercial ou em mercados de bairro reinventados.
O tal sector esmagado pelo IVA a 23% e pelo aperto do cinto
mostra, paradoxalmente, uma vitalidade nunca antes vista.
Parecem, de facto, dois países diferentes. Estarão os milhares
de empresários que têm lançado estes novos negócios todos enganados? Não
saberão fazer contas ao IVA e às margens de lucro? Não ouviram falar da crise
no país e no sector? Ou, pelo contrário, acreditam na inovação, na
diversificação da oferta, na qualidade dos produtos e do serviço que prestam
para atrair clientes?
Nestas discussões sobre o IVA da restauração não me esqueço de
como tudo começou. Estámos a meio da década de 90 e António Guterres decidiu
dar um bónus ao sector em nome de um alegado problema de competitividade – não
fossemos todos começar a ir almoçar e jantar a Espanha. Criou a taxa intermédia
de 12% para os restaurantes e cafés numa altura em que a taxa máxima de IVA era
de 17% (que saudades). Os preços não mexeram e as margens aumentaram cerca de
5%. Na altura ninguém se preocupou com o pobre do cliente. A vida é difícil.
Mas é difícil para todos” (texto do jornalista Paulo Ferreira, Observador, com
a devida vénia)
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