quarta-feira, fevereiro 11, 2015

Kayla morreu. Mas antes escreveu uma carta comovente à família

Li no Observador que "a notícia chegou na terça-feira, 10 de fevereiro. Kayla Mueller, a jovem de 26 anos que estava detida pelo Estado Islâmico tinha morrido. Estava há 18 meses em cativeiro, desde agosto de 2013, e foi de lá que enviou uma carta à família. Escrita há já alguns meses – a carta menciona a data de 4 de novembro de 2014 – é um documento comovente pelo qual se percebo por que é que Barak Obama, quando confirmou a sua morte, disse que ela representava “o melhor da América” e que o seu legado inspirava “todos aqueles que lutam pelo que é justo e bom”. Não se conhecem as circunstâncias exatas da morte de Kayla Mueller – o Estado Islâmico diz que ela morreu na sequência de um ataque da aviação jordana, mas não apresentou provas –, mas sabe-se como acabou numa prisão dos terroristas do Estado Islâmico. Jovem, comunicativa, recém-licenciada, muito religiosa, queria antes de tudo o mais ajudar os outros. Foi por isso que se mudou para a Turquia em 2012, onde trabalhava numa organização humanitária na fronteira com a Síria. O seu objetivo era ajudar as vítimas da violência da guerra civil neste país, acabou por ser raptada quando integrava uma equipa dos Médicos sem Fronteiras em Allepo. Mais do que tudo, vale agora a pena ler a sua carta, divulgada pelo Guardian. Dela fizemos a tradução possível:
A todos,
Se estão a ler esta carta é porque continuo detida mas os meus companheiros de cativo (a partir de 2 de novembro de 2014) já foram libertados. Pedi-lhes que vos contactassem e que vos entregassem esta carta.
É difícil saber o que dizer. Digo-vos que estou num local seguro, não fui maltratada e estou bem de saúde (na verdade, ganhei algum peso). Tenho sido tratada com grande respeito e gentileza.
Queria escrever-vos uma carta bem composta (mas não sabia se os meus colegas iriam ser libertados nos próximos dias ou nos próximos meses, o que limitou o meu tempo) pelo que apenas pude escrever a carta um parágrafo de cada vez. Só de pensar em vós causa-me um ataque de lágrimas.
Se se pudesse dizer que sofri, por pouco que seja, ao longo desta experiência, seria por ter noção do sofrimento que vos estou a causar a todos. Nunca irei pedir-vos que me perdoem, já que não mereço perdão.
Recordo-me da mãe a dizer-me, constantemente, que no final de tudo a única coisa com que podemos contar é Deus. Vim para este sítio, para ter esta experiência, e em todos os sentidos me entreguei ao nosso criador porque, literalmente, não havia mais ninguém. E, graças a Deus, graças às nossas orações, dei por mim a sentir-me em queda livre, porém gentilmente protegida.
Aprendi que na escuridão e na luz, até mesmo na prisão é possível ser-se livre. Sinto-me grata. Vim para aqui para descobrir que existe Bem em todas as situações, só temos, por vezes, de procurá-lo.
Rezo todos os dias e peço que também vocês tenham sentido uma certa aproximação e entrega a Deus. E que tenham formado um laço de amor e apoio entre vocês. Sinto a vossa falta como se já tivesse passado uma década de separação forçada.
Tenho tido muitas longas horas para pensar, para pensar em todas as coisas que vou fazer com o Lex, a primeira viagem da nossa família para acampar, o nosso primeiro encontro no aeroporto. Tenho tido muitas horas para pensar que só na vossa ausência, com 25 anos de idade, me apercebi qual é o vosso lugar na minha vida.
Cada um de vós é uma dádiva e não poderia ser a pessoa que sou se vocês não fizessem parte da minha vida, se não fossem a minha família, o meu apoio.
EU NÃO QUERO que as negociações para a minha libertação sejam uma responsabilidade vossa. Se houver qualquer outra opção, escolham-na, mesmo que leve mais tempo. Isto nunca se deveria ter tornado um fardo para vós.
Pedi a estas senhoras que vos ajudem [trecho rasurado]; por favor, procurem junto delas o seu aconselhamento, se já não o fizeram. Falem, também, com [trecho rasurado], já que poderá ter alguma experiência em lidar com estas pessoas.
Nenhum de nós poderia prever que isto iria durar tanto tempo mas saibam que, deste lado, também estou a lutar da forma que posso. E tenho ainda, dentro de mim, muita força para lutar.
Não estou a ir-me abaixo. E não irei desistir, dure isto quanto durar. Escrevi uma canção há alguns meses que dizia “A parte de mim que mais dói também é a parte de mim que me faz levantar da cama, sem a vossa esperança não restaria nada...”
Por outras palavras, pensar na vossa dor é a fonte da minha própria dor. E, ao mesmo tempo, a esperança de que um dia vos verei é a fonte da minha força.
Por favor, sejam pacientes, entreguem a vossa dor a Deus. Sei que vós iriam querer que eu mantivesse a força e é exatamente isso que estou a fazer. Não temam por mim, continuem a rezar, tal como eu continuarei a rezar para que, queira Deus, estaremos novamente juntos em breve.
Com todo o meu tudo, Kayla"