sábado, fevereiro 07, 2015

Alberto João Jardim: “Se tivesse de escolher entre Passos e Sócrates fugia”

"Alberto João Jardim ainda não decidiu o que vai fazer no futuro, mas assume que tem “curiosidade em conhecer aquela casa”: a Assembleia da República. Sobre uma possível candidatura à presidência da República, não espera qualquer apoio do PSD até porque “a relação com o presidente do partido e com a Comissão Política é irreconciliável”.
Garante que sai pelo próprio pé e recusa dar conselhos ao sucessor. Alberto João Jardim já bateu "o recorde do Dr. Salazar" e acha que Kadhafi era "um tipo com piada". Pior é a relação com o actual primeiro-ministro e com o próprio PSD: "Já não estou para aturá-los!"
A imprensa internacional descreve-o como um político fora do comum. Como é que se descreveria?
Não tenho que me definir, porque corro o risco ou de ser narcisista ou de me apoucar a mim próprio . Fujo de me questionar. Isso é com os outros. Eu tenho que saber desenrascar-me em função do que os outros pensam de mim. Muitas vezes, fiz e disse coisas que as pessoas ficavam de cabelos em pé. Mas estava procurar um determinado efeito.
Quando diz o que pensa, é porque espera uma reacção do outro lado?
Não. Digo o que penso por maneira de ser. E tenho uma vantagem: não guardo rancor de ninguém. Porque disse o que pensava. Deitei cá para fora. Paguei preços muito duros, arranjei uma porção de inimigos... Ser sincero, dizer o que penso, mesmo correndo riscos, como terapia é o melhor que pode haver.
Está quase há 40 anos no Governo Regional da Madeira.
Como chefe de Governo já bati o recorde do Dr. Salazar. E, ainda por cima, eleito - coisa que ele nunca foi.
Outra pessoa que também nunca foi eleita e tem um recorde parecido com o seu foi Kadhafi. Sabia?
Era um tipo com piada! Houve uma vez que ia me metendo num sarilho. A certa altura, o Kadhafi resolveu que as ilhas atlânticas portuguesas deviam pertencer à Organização dos Estados Africanos porque eram África. A Madeira está de facto, numa latitude africana, está mais ou menos à mesma latitude de Marraquexe e Casablanca. Portanto, geograficamente somos africanos. Mas os Açores, não! São bem europeus! E o tipo, numa entrevista ao Diário de Notícias, dizia que me conhecia e que tinha tido uma reunião comigo na Líbia, em Tripoli, sítio onde nunca pus os pés .
Ainda se lembra da sua primeira maioria absoluta?
Foram tantas... Eu fiz 45 eleições! E fiz sempre as eleições regionais em clima de festa.
A que sabe uma maioria absoluta?
Estamos mais entusiasmados enquanto decorre o período de campanha do que no dia. Mesmo tendo uma maioria absoluta, que não é vulgar em Portugal, a ideia é ‘party's gone', a festa acabou. Há uma certa nostalgia dos dias anteriores.
Porque acha que conquistava o eleitorado?
Ninguém vota num indivíduo que não deu provas. Na primeira vez que ganhei, tive esse cuidado. Fui director do "Jornal da Madeira" e as pessoas liam o que eu queria para a Madeira... E, na altura, votaram. Escrevia um editorial todos os dias. E mais: a primeira página, a terceira e a última eram minhas. Não foi um trabalho colectivo. Onde eu estou, quem manda, manda. Tem é de mandar de maneira a que o colectivo aceite fazer equipa comigo. Aí é que estava o segredo da questão. Mas eu nunca abdiquei, enquanto chefia, de mandar efectivamente. Nada de hipocrisias democráticas. Às vezes, digo, em tom de brincadeira, que a democracia é a arte de fazer o que quero, convencendo os outros de que estou a fazer o que eles querem. Costumo dizer aos principiantes da política que há duas coisas que são fundamentais para ganhar eleições: primeiro, mostrar trabalho; segundo, não mentir. Esta franqueza, não andar a caçar votos e a prometer o que não posso, deu confiança às pessoas. Quando é não, um gajo diz mesmo não.
Nunca mentiu?
Menti, mas involuntariamente. Vou dar-lhe dois exemplos. A Madeira foi posta sob um plano de ajustamento financeiro injustamente. O Estado português considerou que a Madeira não era Portugal, portanto, o plano de ajustamento financeiro da Madeira é diferente do nacional, quando o Estado central, durante 550 anos, levou o que a Madeira produziu e, por isso, nós éramos a zona do país mais atrasada, na altura do 25 de Abril. A dívida da Madeira foi feita para recuperar do tempo em que nos extorquiram aquilo que produzimos. Lisboa não entende nada disto e também já não tenho pachorra para lhes explicar.
E quanto aos dois exemplos em que mentiu involuntariamente...
O Estado impôs-nos esse plano de ajustamento e, por causa disso, tive obras incompletas que são fundamentais para não desertificar o norte da ilha. Eu disse que ia fazer, comecei, mas não consegui acabar. As pessoas vão pensar "este tipo mentiu". A outra questão foi quando comecei a discutir o plano de ajustamento para a Madeira, eu disse às pessoas que ia tentar fazer isto sem aumento de impostos. Mas Lisboa impôs aumento de impostos. O relacionamento com este primeiro-ministro, mesmo a nível pessoal, nunca foi fácil.
Mais difícil do que com outros?
Com o eng.º Sócrates também não foi fácil, mas, no fim, tornou-se mais fácil.
Se tivesse de escolher entre Passos Coelho e José Sócrates?
Fugia!
"Venha o Diabo e escolha": é o que diria?
Não diria isso. Mas era a primeira vez na vida que fugia!
Vítor Gaspar revelou que a dívida da Madeira era muito superior ao que se pensava...
Isso é uma coisa que está mais do que explicada! Até houve investigação judicial e o Ministério Público arquivou. Agora dizem-me que tornaram a abrir o processo porque uns tipos de extrema-direita pediram. Mas está lá tudo clarinho no despacho de arquivamento do Ministério Público. Toda a gente agiu de boa fé. Nós tomámos a iniciativa de alertar as entidades do Estado que havia isso.
Não houve ocultação de dívida?
Não houve ocultação! Foram os nossos inimigos políticos que resolveram arranjar isso. A nossa política foi sempre dizer a Lisboa que o dinheiro não chegava para aquilo que estávamos a fazer. Ainda ia ocultar? Isso era um absurdo!
Toda a despesa foi bem gasta?
Penso que sim. Poderá haver uma ou outra que foi menos bem conseguida. Houve uma que correu francamente mal. Eu fiz quatro mil oitocentas e 40 e tal inaugurações até ao dia de ontem. A que correu mal nem foi culpa política. Foi um azar, mas nem é da nossa responsabilidade. As entidades projectistas da obra até estão em tribunal.
Há quem o acuse de conquistar o eleitorado à conta de obras públicas, inaugurações e fundos estruturais. O que lhes responde?
A minha política foi para elevar a qualidade de vida das pessoas. Não vejo que se possam construir estradas com ananases ou folhas de bananeira. Nem fazer casas com folhas de bambu. Foi preciso fazer infraestruturas. Estou-me nas tintas para o que os contemporâneos agora dizem de mim. Nem vale a pena ligar-lhes. O que é preciso é determinação. É preciso que quem manda, manda. O meu avô dizia sempre: "Quando temos a certeza, não lhes ligamos e fazemos na mesma!".
Há quem diga que confunde maioria absoluta com poder absoluto...
Oh minha senhora! Estou a ver que tomou um chazinho com gente muito indecorosa! O que é isso? Isso é chamar-me analfabeto e nunca ninguém me tinha chamado. É tudo tretas da oposição! Houve uma geração, após o 25 de Abril, que estavam convencidos que ser jornalista era igual a militância política.
E, por isso, zangou-se com os jornalistas?
Não. Zanguei-me com os que não são honestos.
O dia 12 de Dezembro de 2014 foi difícil?
Não! Foi preparado por mim. Uma das fúrias dessa gente com quem falou e que lhe disse essas coisas horríveis foi eu ter saído quando quis (risos). Preparei com as datas e tudo e escolhi o Natal e o Fim de Ano para diluir os efeitos de um confronto eleitoral interno. Devido à tradição, nestas alturas, a população está muito mais entretida noutras coisas do que a brincar aos partidos. Agora, só falta o PSD ganhar com maioria absoluta para eu verificar que foi tudo bem preparado e passou-se tudo como eu queria - pessoas à parte. Daí por diante, estão entregues à sua vida.
De que é que vai ter mais saudades?
Vou ter saudades destas entrevistas, em que me fazem provocações e eu farto-me de rir.
Já decidiu o que vai fazer no futuro?
Ainda não.
Quando vai fazer?
Quando me apetecer. Comigo, às vezes, é de improviso.
Imagina-se a viver em Lisboa?
Se for a Lisboa, para a Assembleia... O novo Governo, na Madeira, deve tomar posse em meados de Abril... Eu ia fazer Maio, Junho, parte de Julho... Depois a Assembleia vai para férias porque há eleições... Não era muito tempo! No fundo, era como ir passar uma estância balnear a Lisboa!
Parece-lhe bem essa estância balnear?
Tenho curiosidade em ver como aquela coisa funciona por dentro. Vivi sempre afastado da política de Lisboa.
A decisão de se candidatar ou não à Presidência da República...
Não tomei decisão nenhuma. O que costumo dizer é: se aparecerem as assinaturas, vamos ver. Há outra coisa: ou há condições de igualdade em relação aos candidatos dos partidos, ou continuamos com esta pouca vergonha em que os candidatos dos partidos têm um tratamento na comunicação social e os outros são candidatos de segunda. Nisso, não alinho.
Também é relevante o apoio do seu partido?
O meu partido não me apoia. Até porque, neste momento, a minha relação com o presidente e com a Comissão Política é irreconciliável. Discordo, em absoluto, da política que eles desenvolveram e das posições deles em relação à Madeira. Não tem a ver com o partido, mas com o tratamento institucional.
Que conselhos dá ao seu sucessor?
Não dou conselhos a ninguém. São todos adultos e vacinados, têm obrigação de ter juízo.
Um dia que não esteja cá, o que é que gostava que dissessem sobre si?
Gostaria que não dissessem muito mal de mim. Acho que, se as pessoas forem justas comigo, pelo que foi a transformação da Madeira, vou ficar satisfeito e feliz" (entrevista ao Económico, conduzida pela jornalista Marta Rangel, com a devida vénia)