quinta-feira, setembro 18, 2014

Escócia: De que lado está o monstro de Loch Ness?

"A luz matinal clareia as águas lisas e sombrias do Lago Ness, fazendo-o parecer um imenso espelho sobre o qual é possível caminhar e alcançar as montanhas. Debaixo desse reflexo ofuscante, mora um dos maiores mitos da cultura europeia - o monstro de Loch Ness, ou a Nessie, como os habitantes da pequena localidade de Fort Augustus passaram a chamar à sua maior fonte de rendimento. Todos os dias, centenas de visitantes chegam à aldeia para explorar o lago, comprar recordações e, claro, tentar avistar a besta marítima. Mas, por esta altura, Nessie tem sido relegada para segundo plano, pois o tema de todas as conversas é o referendo sobre a independência, marcado para esta quinta-feira. A intensidade do debate é tão grande que o número de turistas caiu, mergulhando Fort Augustus na pacatez intrínseca a uma povoação com pouco mais de 700 habitantes. "Isto é só o começo do colapso do turismo na Escócia", diz Alessia Bushong, co-proprietária da loja de souvenirs "A doce vaquinha das Highlands". "Uns 30% dos meus clientes são ingleses. Se a Escócia se tornar independente, estou quase certa que eles vão ficar ressentidos e deixar de vir." Alessia é suíça e não se registou para o sufrágio, apesar de os regulamentos permitirem fazê-lo. Se votasse, optaria pelo não. "Quase todos os donos de negócios ligados ao turismo aqui no lago estão a favor da União. Temem a perda da libra, a saída da União Europeia e a ira dos ingleses."  Os jornais londrinos não perderam a oportunidade de usar Nessie para a sua campanha anti-independência. Na semana passada, numa altura em que bancos, seguradoras e grandes empresas ameaçavam mudar as suas sedes de Edimburgo para Londres, publicaram um artigo que dava conta de um avistamento do mais famoso monstro do mundo num lago inglês. "Terá Nessie emigrado para sul?", perguntava o "Telegraph", mostrando uma imagem capturada por um fotógrafo paisagístico na Cumbria, em que um pescoço proeminente emergia das águas.  Mas o SNP, o Partido Nacionalista Escocês, no poder em Edimburgo e nas rédeas da campanha pela separação, não vai em lengalengas: promete que a independência vai fazer aumentar os cinco mil milhões de euros anuais produzidos pela indústria do turismo. "O que se passa hoje é que os turistas vão para Londres, apanham um autocarro para ver o castelo de Edimburgo e outro para Loch Ness e regressam a Londres. No futuro, virão diretamente para a Escócia e passarão mais tempo a explorar o país", diz Richard Laird, deputado municipal do SNP em Inverness, capital das Highlands. 
O SNP, o Partido Nacionalista Escocês, representando em Inverness por Richard Laird, promete que a independência vai fazer aumentar os cinco mil milhões de euros anuais produzidos pela indústria do turismo. Gillian Cooper, que faz concorrência a Alessia na venda de produtos tradicionais, kilts, peluches de vaquinhas com franja sobre os olhos e porta-chaves de Nessie, anseia pela independência e despreza o ressentimento dos ingleses. "Os ingleses mantêm-se num plano de superioridade e massacram-nos com ameaças sem sentido. Quando vamos a Londres, nem nos aceitam as libras escocesas, que têm o mesmo valor mas uma impressão diferente. Perguntam-nos se não temos notas com desenhos ingleses", diz. "Estou farta de ser governada pelos políticos em Londres e creio que é legítimo podermos ter decisão sobre o nosso país. Sou muito escocesa e tenho orgulho nisso."  Nascida e criada em Fort Augustus, Gillian, de 24 anos, decidiu abrir o seu negócio há seis meses e, apesar da escassez de clientela, mantém-se otimista. Diz-se preparada para um embargo inglês e para "dois ou três anos de muitas dificuldades", mas vai votar sim a pensar na geração futura. "E, quanto ao turismo, os ingleses vão continuar a vir. Eles adoram a Escócia. Creio que não vai haver problema e que vamos ter mais visitantes."
Gillian Cooper. "Estou farta de ser governada pelos políticos em Londres"
Junto ao lago, Ross, de 62 anos, prepara o barco para uma visita de turistas, vangloriando-se de já ter visto Nessie por duas vezes. "Ela é escocesa. Tenho a certeza que, se pudesse, escolheria ser independente. Era bom que se mostrasse no dia do referendo. Somos muito supersticiosos e isso seria um sinal de vitória." (texto do jornalista do Expresso, Tiago Carrasco, com a devida vénia)