sexta-feira, novembro 08, 2013

Sem esperar pela retoma da economia, desemprego cai face ao ano passado

"Em seis meses, surgiram mais 120 mil empregos em Portugal. No entanto, há razões para questionar a sustentabilidade desta criação de emprego quase sem crescimento económico
É uma das regras mais simples e consensual da ciência económica: a taxa de desemprego só desce quando a economia está a crescer. Mas ao olhar para os números do emprego publicados ontem pelo INE, chega-se à conclusão que, afinal, também para esta regra, há uma excepção e ela aconteceu no terceiro trimestre em Portugal.
De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), a taxa de desemprego entre os passados meses de Julho e Setembro fixou-se em 15,6%, menos 0,8 pontos do no segundo trimestre deste ano e menos 0,2 pontos do que no período homólogo do ano anterior. É a primeira vez em cinco anos que o desemprego regista uma descida homóloga. É preciso recuar ao terceiro trimestre de 2008, o momento em que a falência do Lehman Brothers lançou a economia mundial numa profunda recessão, para assistir a uma queda anual da taxa de desemprego em Portugal.
O mais surpreendente deste resultado é que tal acontece quando a economia ainda não saiu de terreno negativo. Em termos homólogos, o PIB português, de acordo com as estimativas recentemente apresentadas pela Comissão Europeia, deverá ter registado uma quebra no terceiro trimestre de 1,3%. Isto é, a confirmar-se este valor, apesar da economia ter produzido menos no terceiro trimestre face ao mesmo período do ano passado, a taxa de desemprego foi menor. Em Portugal, não é possível encontrar nas séries históricas disponibilizadas pelo INE outro resultado igual.
O que explica esta anormalidade estatística? Será que afinal não será preciso esperar pelo crescimento da economia (e normalmente mais seis meses) para que o mercado de trabalho comece a recuperar?
João Cerejeira, economista da Universidade do Minho, diz que, "apesar dos indicadores positivos de criação de postos de trabalho nos últimos dois trimestres, ainda é cedo para concluir que estamos perante uma recuperação sustentada". "Os sinais ainda não vão no sentido de estarmos muito optimistas", diz este especialista em economia do trabalho.
Os sinais de que João Cerejeira fala também estão presentes no relatório ontem divulgado pelo INE. Ao mesmo tempo que a taxa de desemprego desceu 0,2 pontos face ao ano anterior, registou-se o desaparecimento de 103 mil empregos em Portugal. E a população activa, aquela que ou está empregada ou procurou emprego no último mês, diminuiu em 135 mil pessoas. A população inactiva, por seu lado, passou a contar com mais 30 mil pessoas.
Isto é, os cerca de 32 mil desempregados que desapareceram do inquérito do INE podem explicar-se ou pela passagem para a população inactiva ou pela emigração. Segundo os dados do INE, entre o terceiro trimestre do ano passado e o deste ano, a população portuguesa passou a ser de menos 105 mil pessoas. Vários indicadores têm apontado para uma combinação de menos nascimentos, menos imigração e, especialmente, mais emigração, para explicar este fenómeno.
Entre a população inactiva, destaque para aqueles que são classificados como "inactivos disponíveis mas que não procuram emprego". Estas são as pessoas que, nas respostas ao INE, dizem que gostariam de trabalhar, mas que não fizeram nenhuma tentativa efectiva de encontrar emprego, em muitos casos por terem perdido esperança de encontrar sucesso. Há um ano eram 249 mil, agora são 307 mil.
Ainda assim, se, olhando para o que aconteceu no último ano, é óbvio o muito forte contributo da redução da população activa para a diminuição do desemprego (ajudando a explicar porque é que a taxa de desemprego cai quando a economia ainda não cresce), já se a análise se centrar na evolução registada apenas nos últimos três ou seis meses, os resultados são outros.
Mais 120 mil empregos
De facto, entre o primeiro e o terceiro trimestre passou a haver mais 120 mil empregos em Portugal, estando aqui uma parte importante da explicação da quebra de 2,1 pontos na taxa de desemprego durante este período de seis meses.
Isto aconteceu, em primeiro lugar, porque durante neste período a economia deverá ter efectivamente crescido. No segundo trimestre, o PIB já registou uma variação positiva em cadeia e no terceiro trimestre, de acordo com as projecções da Comissão Europeia, a variação terá sido nula. E é aqui que João Cerejeira vê os sinais positivos dados pelos indicadores do emprego ontem divulgados. No entanto, mais uma vez, lança um sinal de alerta contra optimismos excessivos.
Segundo o especialista, o primeiro trimestre do ano (quando a taxa de desemprego subiu 0,8 pontos) teve características climatéricas excepcionalmente negativas que poderão ter conduzido a um adiamento de actividades na construção e na agricultura para o segundo trimestre do ano.
Isso terá feito com que, ao efeito sazonal habitualmente registado neste período por causa do turismo, se tivesse acrescentado um aumento adicional de empregos. "É possível que estes impactos ainda se tenham feito sentir no decorrer do terceiro trimestre, ainda é cedo para saber", diz João Cerejeira que diz ser melhor esperar pelos dados dos próximos trimestres para tirar conclusões definitivas.
No terceiro trimestre deste ano, a maior parte dos empregos criados foram no sector dos serviços, ocupados por pessoas com o ensino secundário ou superior." (texto do Publico, da autoria dos jornalistas Sérgio Aníbal e com Raquel Martins, com a devida vénia)