Foi noticiado que os seis deputados (4 do PSD, 1 do PS e 1 do CDS)
da Assembleia da República eleitos pela Madeira mantiveram recentemente
encontros em Lisboa, a propósito da discussão da versão original do Orçamento
de Estado para 2014, tendo em vista a apresentação de propostas conjuntas
relacionadas com a Região e visando a defesa dos seus interesses numa
conjuntura particularmente difícil na qual se chega a questionar as reais
intenções do poder central em Lisboa relativamente à própria autonomia
regional.
Confesso a minha satisfação pelo facto, pois acho, muito
sinceramente, que acima de diferenças partidárias e de divergências
ideológicas, tem que estar, deve estar sempre, a Madeira e os madeirenses, pelo
que só se estranha, quanto muito, que outros procedimentos semelhantes, e com a
mesma disponibilidade que parece ter sido evidenciada neste caso, não tenham
ocorrido antes.
Este tipo de pressão política (em Portugal não há o que nos
corredores do poder europeus e comunitários, se designa de “lobbismo”, devidamente reconhecido como
tal) deveria ser alargada aos Açores pois salvaguardando as diferenças e
especificidades de cada região, haverá sempre entre elas pontos e interesses
comuns que os deputados precisam de defender com tenacidade (lembro que estamos
a falar de 11 deputados insulares…). Acredito no caso da lei de finanças
regionais, por exemplo, que apesar de a Madeira ter suavizado a “cacetada” que
a proposta de alteração lisboeta previa na sua versão original, que no caso dos
Açores se verificou em certa medida um isolamento das propostas e reclamações
apresentadas, em grande medida porque as duas regiões não possuem nos dias que
correm, ao contrário do passado, uma estratégia comum que em meu entender devia
ser implementada rapidamente para reaproximar duas regiões insulares, autonómicas
e ultraperiféricas que durante os primórdios do processo autonómico pós-25 de
Abril, estiveram sempre do mesmo lado da barricada.
Isto não constitui novidade na Europa.
Em Itália têm sido constantes – numa conjuntura marcada pela
austeridade e pelo processo de revisão de alguns estatutos autonómicos e da
legislação eleitoral de várias regiões – com várias comunidades a tentarem
encontrar entre si plataformas comuns de acção que permitam a resistência perante
as investidas do poder central em Roma, incluindo no domínio financeiro e
fiscal.
Também em Espanha a conjuntura de crise e a austeridade aplicada
depois do resgate financeiro da banca (60 mil milhões de euros) têm causado
atritos no relacionamento institucional entre Madrid e muitas comunidades,
incluindo algumas que são lideradas pelo PP. Mais do que a revisão dos
estatutos autonómicos, fala-se essencialmente da alteração da lei eleitoral em
diversas regiões, com vista à redução dos deputados eleitos, a par de uma
revisão do relacionamento financeiro de um universo de comunidades autonómicas
que devem entre 22 e 35 mil milhões de euros (considerando as empresas públicas
regionais e municipais) e que enfrentam graves problemas.
A crise europeia e a austeridade, com inevitáveis reflexos
sociais, económicos e orçamentais tem afectado de forma significativa as
regiões europeias, parecendo-se claro que estas estarão claramente a perder
terreno e a capacidade de persuasão que num passado recente lhes era reconhecida.
Os 50 milhões de eleitores espanhóis, 34 milhões de eleitores,
distribuídos pelas 17 comunidades autónomas, elegem 1.218 deputados. Em Itália
temos um universo de quase 60 milhões de cidadãos que elegem nas 20 regiões um
total de 1.061 deputados. A título comparativo, lembro que na Alemanha, com 62
milhões de eleitores, são eleitos 1.860 membros nos parlamentos regionais das
15 regiões (Landers), situação que no caso da Áustria é de cerca de 8,5 milhões
de eleitores que elegem 448 deputados regionais distribuídos nas 9 regiões
(também Landers).
Obviamente que no caso português, e considerando as posições
assumidas pelo governo de coligação de Lisboa sobre a questão orçamental para
próximo ano, acredito que dificilmente haverá de Lisboa qualquer cedência. Isso
coloca em cima da mesa a questão essencial, de fundo e de princípio, que tem a
ver com a necessidade da Madeira não poder ser cúmplice de um OE-2014 penalizador,
caso o mesmo venha a penalizar a Madeira como suspeito possa acontecer. Temo que
uma cedência a qualquer “esmola” lisboeta possa criar problemas políticos
complicados - o PSD regional não está em condições de se envolver numa polémica
dessa natureza – já que depois disso não se conseguirá, melhor dizendo, não
conseguirão as forças políticas, passar aos eleitores e aos cidadãos em geral
mensagens sem correspondência com a realidade. Ou seja, a votação final global
não pode deixar dúvidas, nem os tempos de crise, de austeridade, de
desconfiança e de mudança se compadecem com qualquer forma de hipocrisia
política: ou o OE-2014 serve a Madeira ou não serve. Não há meio-termo. Se não
servir, então os deputados não podem, em consciência, votar a favor, por muito que
isso lhes custe, particularmente no âmbito das rígidas e proto fascizantes disciplinas
existentes nos respectivos grupos parlamentares da maioria que adoptam uma
atitude persecutória para com os deputados “desalinhados” que acabam por ser
marginalizados, quando não acatam cegamente as exigências – porque é disso que
se trata, de exigências – das respectivas lideranças parlamentares, obviamente
a mando dos respetivos líderes partidários nacionais.
Temo, por isso, que algum seguidismo injustificado - concretamente
por uma proposta de OE-2014 que penalize a Madeira - possa ter consequências
políticas que poderão ter, a prazo, consequências bem mais complexas do que
aquelas que porventura possam parecer à primeira vista. As pessoas precisam
perceber que as coisas estão a mudar rapidamente, que a opinião pública julga
hoje de uma forma mais exigente e contundente a “praxis” política e partidária,
pelo que a incoerência não se recomenda. (in: JM)