quarta-feira, novembro 20, 2013

Opinião: "Pressões?"



Foi noticiado que os seis deputados (4 do PSD, 1 do PS e 1 do CDS) da Assembleia da República eleitos pela Madeira mantiveram recentemente encontros em Lisboa, a propósito da discussão da versão original do Orçamento de Estado para 2014, tendo em vista a apresentação de propostas conjuntas relacionadas com a Região e visando a defesa dos seus interesses numa conjuntura particularmente difícil na qual se chega a questionar as reais intenções do poder central em Lisboa relativamente à própria autonomia regional.
Confesso a minha satisfação pelo facto, pois acho, muito sinceramente, que acima de diferenças partidárias e de divergências ideológicas, tem que estar, deve estar sempre, a Madeira e os madeirenses, pelo que só se estranha, quanto muito, que outros procedimentos semelhantes, e com a mesma disponibilidade que parece ter sido evidenciada neste caso, não tenham ocorrido antes.
Este tipo de pressão política (em Portugal não há o que nos corredores do poder europeus e comunitários, se designa de “lobbismo”, devidamente reconhecido como tal) deveria ser alargada aos Açores pois salvaguardando as diferenças e especificidades de cada região, haverá sempre entre elas pontos e interesses comuns que os deputados precisam de defender com tenacidade (lembro que estamos a falar de 11 deputados insulares…). Acredito no caso da lei de finanças regionais, por exemplo, que apesar de a Madeira ter suavizado a “cacetada” que a proposta de alteração lisboeta previa na sua versão original, que no caso dos Açores se verificou em certa medida um isolamento das propostas e reclamações apresentadas, em grande medida porque as duas regiões não possuem nos dias que correm, ao contrário do passado, uma estratégia comum que em meu entender devia ser implementada rapidamente para reaproximar duas regiões insulares, autonómicas e ultraperiféricas que durante os primórdios do processo autonómico pós-25 de Abril, estiveram sempre do mesmo lado da barricada.
Isto não constitui novidade na Europa.
Em Itália têm sido constantes – numa conjuntura marcada pela austeridade e pelo processo de revisão de alguns estatutos autonómicos e da legislação eleitoral de várias regiões – com várias comunidades a tentarem encontrar entre si plataformas comuns de acção que permitam a resistência perante as investidas do poder central em Roma, incluindo no domínio financeiro e fiscal.
Também em Espanha a conjuntura de crise e a austeridade aplicada depois do resgate financeiro da banca (60 mil milhões de euros) têm causado atritos no relacionamento institucional entre Madrid e muitas comunidades, incluindo algumas que são lideradas pelo PP. Mais do que a revisão dos estatutos autonómicos, fala-se essencialmente da alteração da lei eleitoral em diversas regiões, com vista à redução dos deputados eleitos, a par de uma revisão do relacionamento financeiro de um universo de comunidades autonómicas que devem entre 22 e 35 mil milhões de euros (considerando as empresas públicas regionais e municipais) e que enfrentam graves problemas.
A crise europeia e a austeridade, com inevitáveis reflexos sociais, económicos e orçamentais tem afectado de forma significativa as regiões europeias, parecendo-se claro que estas estarão claramente a perder terreno e a capacidade de persuasão que num passado recente lhes era reconhecida.
Os 50 milhões de eleitores espanhóis, 34 milhões de eleitores, distribuídos pelas 17 comunidades autónomas, elegem 1.218 deputados. Em Itália temos um universo de quase 60 milhões de cidadãos que elegem nas 20 regiões um total de 1.061 deputados. A título comparativo, lembro que na Alemanha, com 62 milhões de eleitores, são eleitos 1.860 membros nos parlamentos regionais das 15 regiões (Landers), situação que no caso da Áustria é de cerca de 8,5 milhões de eleitores que elegem 448 deputados regionais distribuídos nas 9 regiões (também Landers).
Obviamente que no caso português, e considerando as posições assumidas pelo governo de coligação de Lisboa sobre a questão orçamental para próximo ano, acredito que dificilmente haverá de Lisboa qualquer cedência. Isso coloca em cima da mesa a questão essencial, de fundo e de princípio, que tem a ver com a necessidade da Madeira não poder ser cúmplice de um OE-2014 penalizador, caso o mesmo venha a penalizar a Madeira como suspeito possa acontecer. Temo que uma cedência a qualquer “esmola” lisboeta possa criar problemas políticos complicados - o PSD regional não está em condições de se envolver numa polémica dessa natureza – já que depois disso não se conseguirá, melhor dizendo, não conseguirão as forças políticas, passar aos eleitores e aos cidadãos em geral mensagens sem correspondência com a realidade. Ou seja, a votação final global não pode deixar dúvidas, nem os tempos de crise, de austeridade, de desconfiança e de mudança se compadecem com qualquer forma de hipocrisia política: ou o OE-2014 serve a Madeira ou não serve. Não há meio-termo. Se não servir, então os deputados não podem, em consciência, votar a favor, por muito que isso lhes custe, particularmente no âmbito das rígidas e proto fascizantes disciplinas existentes nos respectivos grupos parlamentares da maioria que adoptam uma atitude persecutória para com os deputados “desalinhados” que acabam por ser marginalizados, quando não acatam cegamente as exigências – porque é disso que se trata, de exigências – das respectivas lideranças parlamentares, obviamente a mando dos respetivos líderes partidários nacionais.
Temo, por isso, que algum seguidismo injustificado - concretamente por uma proposta de OE-2014 que penalize a Madeira - possa ter consequências políticas que poderão ter, a prazo, consequências bem mais complexas do que aquelas que porventura possam parecer à primeira vista. As pessoas precisam perceber que as coisas estão a mudar rapidamente, que a opinião pública julga hoje de uma forma mais exigente e contundente a “praxis” política e partidária, pelo que a incoerência não se recomenda. (in: JM)