quarta-feira, outubro 10, 2012

Opinião: "Lições para a UE da crise argentina"

"A crise económica e financeira da Grécia está a deteriorar-se rapidamente e não existe estratégia – nem mesmo um governo de coligação – para saber o que fazer a seguir. Este artigo debruça-se sobre as lições do “default” da Argentina em 2001 e defende que o caminho para as necessárias reformas económicas, a sustentabilidade fiscal e a recuperação da Grécia pode ser ainda mais assustador. O agravamento da recessão, a corrida aos bancos e a associada agitação social na Argentina em 2000/2001, resultantes dos seus próprios erros políticos forçou o país a entrar em “default” e abandonar a sua paridade com o dólar norte-americano. O peso argentino desvalorizou drasticamente. A inflação disparou temporariamente, piorando o nível de vida. Mas o “default” e a desvalorização da moeda definiu o cenário para uma reviravolta que, ajudado por um aumento fortuito dos preços das commodities, estimulou uma forte exportação e uma recuperação económica liderada pelo investimento. A deterioração das condições económicas e financeiras na Grécia desde a primavera de 2010, e os esforços de apoio financeiro realizados por decisores políticos estrangeiros, são extremamente semelhantes em muitos aspetos ao colapso da Argentina1. No entanto, como membro da União Monetária Europeia, as opções políticas da Grécia estão fortemente condicionadas – não pode aumentar nem desvalorizar a sua divisa. Não existe uma solução fácil. A Troika (FMI/CE/BCE) já investiu fortemente para apoiar a Grécia. Terá de basear políticas futuras em avaliações imparciais dos custos e benefícios futuros de estratégias de apoio financeiras adicionais versus gerir uma saída airosa da Grécia da zona Euro. Existem muitos paralelos entre a Grécia e a Argentina:
1) A Argentina durante grande parte da década de noventa e a Grécia na última década viveram acima das suas possibilidades e mantiveram ilusões de riqueza e bem-estar.
2) Ambas têm uma longa história financeira como “incumpridores em série”.
3) Durante a segunda metade da década de noventa, as importações e consumo crescente da Argentina e a poupança interna insuficiente limitaram a produção interna, gerando um aumento da atividade económica e défices de conta corrente que esgotaram as reservas de divisa. A expansão económica da Grécia no período entre 2002 e 2007 envolveu sobretudo consumo financiado por dívida, enquanto a sua produção e investimento se mantiveram fracos. O desregramento fiscal do Governo contribuiu para constantes e enormes orçamentos (primários) e défices de conta corrente. A evasão fiscal era galopante nos dois países.
4) Tanto a Grécia como a Argentina sofreram uma diminuição da competitividade, pois os seus custos unitários de trabalho subiram em relação aos padrões internacionais. A Grécia manteve números de emprego público exagerados e desnecessários e os seus salários tanto do setor público como privado cresceram sempre mais rápido do que os ganhos com a produtividade no trabalho.
A deterioração da competitividade na Argentina resultou em grande parte da sua moeda forte, refletindo a indexação do peso ao dólar norte-americano (imposta através do regime de conversão do seu banco central); como o dólar norte-americano aumentou durante a década de noventa (cerca de 80% com base na média ponderada entre 1990 e 2000), os custos unitários do trabalho na Argentina tiveram um aumento acentuado.
1) O aumento da dívida pública grega excedeu em muito a da Argentina (A dívida pública da Grécia é cerca de 155% do PIB e a crescer rapidamente, enquanto a dívida da Argentina antes do “default” era de 50% do PIB).
2) Ambas as nações tiveram também aumentos significativos na dívida do sector privado. O endividamento das famílias gregas como percentagem do rendimento pessoal disponível triplicou de 27% em 2000 para 77% em 2008.
O aumento excessivo da dívida grega foi alimentado pelos custos muito baixos dos empréstimos disponibilizados devido a ser membro da UE. Entre 2002 e 2007, as taxas de rentabilidade dos títulos de dívida grega eram em média meio ponto percentual superiores aos títulos alemães, embora a sua inflação (e crescimento real do PIB oficialmente medido) fosse continuamente superior à da Alemanha e também tivesse sempre orçamentos altos e défices de conta corrente. Durante a década de noventa, os títulos de dívida argentina eram em média três pontos percentuais superiores aos títulos do Tesouro norte-americano. A dívida crescente e deterioração da conta corrente refletiam problemas crescentes nas pensões do setor público e défice comercial profundo. O peso forte, com paridade com o dólar norte-americano, estimulou ainda mais as importações e diminuiu as exportações; à medida que as reservas de moeda encolhiam, o regime de conversão da Argentina forçou o seu banco central a apertar a política monetária (esgotar reservas e aumentar taxas de juro), o que provocou uma contração na procura interna). A Argentina, assim como a Grécia, dependia muito fortemente dos credores estrangeiros para comprar os seus títulos. A forte dependência da Argentina do financiamento a curto prazo veio exacerbar eventuais necessidades de empréstimo.Tanto a Argentina como a Grécia eram altamente sensíveis a eventos/choques externos, e as suas recessões e problemas financeiros resultaram de alterações no cenário internacional. A forte valorização do dólar norte-americano esgotou a competitividade da Argentina, e a desvalorização dramática em 66% da moeda brasileira em relação ao dólar norte-americano e o peso no início de 1999, provocou uma redução nas exportações, que se repercutiu em toda a economia da Argentina. A economia grega começou a regredir no terceiro trimestre de 2007, antes da crise financeira global, sendo que o seu declínio durante a recessão mundial foi de alguma forma ténue. A duração e magnitude dos seus declínios em PIB foram semelhantes – medidas do pico ao valor mínimo, o PIB real da Argentina caiu um pouco mais de 20% cumulativamente entre o segundo trimestre de 1998 e o terceiro trimestre de 2002, sendo que este valor foi 15% nos últimos 6 trimestres, enquanto até à data o PIB real da Grécia teve uma queda de 17.1% desde o seu pico no primeiro trimestre de 2008. A taxa de desemprego na Grécia aumentou de 7.5% em meados de 2008 para 21.7%; a taxa de desemprego na Argentina aumentou para quase 24%.Em ambas as nações, a rentabilidade dos títulos de dívida disparou, as fontes de financiamento colapsaram e os depósitos dos bancos internos caíram drasticamente. Os programas agressivos de austeridade fiscal exigidos pelo FMI no caso da Argentina, e da Troika (FMI/CE/BCE) no caso da Grécia, agravaram as suas recessões, aumentaram a incerteza e aversão ao risco que impulsionaram a saída de capitais e pioraram as suas crises financeiras.Estas características de deterioração provocaram uma resistência eleitoral aos programas de austeridade impostos, fomentou agitação social e levou à mudança do Governo. Notavelmente, em Outubro de 2001, apenas dois meses antes do “default” da Argentina, a insistência do FMI em que a Argentina implementasse outra série de medidas de austeridade fiscal, como requisito para receber a tranche seguinte de apoio financeiro, enfrentou uma extrema oposição pública.
A corrida aos bancos forçou o Governo argentino a colocar um ponto final na conversão do dólar norte-americano e colocar limites estritos nos levantamentos bancários. Isto provocou manifestações públicas e tumultos. Em suma, ambos os países disfrutaram de um período de abuso de consume, cortesia da adoção de políticas monetárias e de taxas de câmbio que lhes deram credibilidade temporária e acesso temporariamente melhorado aos mercados de capitais. Mas ambas as políticas de taxas de câmbio externas eram insustentáveis, com ausência de reformas estruturais significativas e programas para atenuar os seus custos de trabalho não competitivos. Embora haja muitas semelhanças entre as experiências grega e argentina, a Grécia, como membro da zona Euro, não pode inflacionar (e reduzir a sua dívida) nem desvalorizar a sua moeda. Este é um constrangimento grave. Em Dezembro de 2001, a dívida da Argentina entrou em “default” (resultando em reduções principais de quase 75%, semelhantes ao recente “default” eficaz da dívida grega detida por credores privados estrangeiros) e aboliu o seu regime de conversão e a paridade com o dólar note-americano, e o peso argentino desvalorizou cerca de 75%. A desvalorização provocou uma subida temporária da inflação (equivalente a um aumento de 40% no nível geral dos preços) que reduziu os salários e rendimentos reais, mas estimulou as exportações (beneficiando dos preços crescentes das commodities, as exportações aumentaram 52% nos primeiros cinco anos de recuperação). Isto causou um aumento de quase 300% em investimento empresarial, que se traduziu em aumentos modestos de emprego e consumo interno. A situação atual da Grécia poderá ser mais grave que a da Argentina, e o seu caminho para a recuperação enfrenta grandes desafios. A recessão está a aumentar o desemprego, a levar as suas metas fiscais ainda mais longe e a dificultar os esforços de reforma. Para receber a próxima tranche de apoio financeiro, a Grécia prometeu mais austeridade fiscal (3.6% de redução do PIB no défice), o que poderá acelerar a queda da procura interna (ver Wyplosz 2012).
As exportações da Grécia também estão em derrocada, e os seus custos unitários de trabalho aumentaram cerca de 40% mais do que os da Alemanha desde 2000. A Grécia tem de recuperar competitividade através de alguma combinação de aumento da produtividade no trabalho e salários mais baixos. Num ambiente de queda na procura agregada, o peso do ajuste recairá maioritariamente nos salários reais. Sem a capacidade de inflacionar a moeda, a Grécia enfrenta portanto um ajuste impopular que poderá provocar mais agitação social. E mesmo que a Grécia fosse, de alguma forma, implementar reformas económicas e restaurar a competitividade, a sua base de exportações é muito modesta, e é altamente improvável que as exportações e investimento na Grécia aumentem como aconteceu na Argentina.
Opções da Grécia
1) As opções da Grécia dividem-se em duas categorias, sendo que ambas são dispendiosas. A Grécia poderá decidir sair da zona Euro, o que lhe permitiria inflacionar e desvalorizar a sua nova moeda. Esta mudança potencialmente chocante teria a probabilidade de acabar com a crise a curto prazo sem eliminar a necessidade de uma reforma económica e fiscal. Além disso, as respostas positivas das exportações seriam provavelmente desfasadas. A Grécia poderá continuar a depender de apoio financeiro massivo e implementar extensas reformas macroeconómicas e ao nível da indústria. Isto implicaria um esforço significativo. O apoio financeiro do FMI/CE/BCE viria provavelmente com muitas condições. Será que este caminho estratégico acabaria por se tornar inaceitável para os países mais ricos da UE que teriam que pagar as contas assim como para os cidadãos gregos? Seriam implementadas reformas? Certamente, a prioridade principal da CE e do BCE, juntamente com o FMI, é manter a Grécia à tona da zona euro. Contudo, recomenda-se cautela. Numa autoavaliação provocadora do seu desempenho no colapso da Argentina, um relatório do FMI de 2004 identifica os seus muitos erros, e refere: “O FMI pela sua parte…errou ao não parar mais cedo de apoiar uma estratégia que, como foi implementada, não era sustentável”. Atualmente, o FMI está muito consciente das reformas necessárias. Desta vez, os decisores políticos europeus enfrentam decisões muito difíceis" (texto publicado no Dinheiro Vivo com a devida vénia, texto da autoria de Peter Kretzmer e Mickey Levy que comparam a crise grega aos caos argentino dos anos 90)