sexta-feira, agosto 03, 2012

Opinião: SAÚDE E AUSTERIDADE

"Li há dias na imprensa que “mesmo estabelecendo prioridades, 41,8% dos portugueses admitem que o orçamento familiar já não é suficiente para pagar todas as despesas de saúde que seriam necessárias. Ainda assim, acima da preocupação com o preço das taxas moderadoras ou dos medicamentos está a qualidade dos cuidados prestados pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS)”.
Segundo um estudo de opinião sobre a saúde em Portugal realizado entre 2 e 10 de Maio de 2012, “a maioria dos inquiridos (65,5%) ainda recorre ao SNS, seguindo-se os seguros privados (22,5%) e a ADSE (22,1%). Mas o grande peso da utilização dos serviços públicos não parece estar a ser suficiente para cobrir as despesas de saúde, com 35,8% dos inquiridos a admitir que, nos últimos seis meses, deixaram de comprar medicamentos prescritos pelo médico por motivos financeiros. Aliás, dentro da OCDE, Portugal já está entre os países onde a despesa privada mais pesa na saúde e onde a despesa com medicamentos tem maior proporção”.
Continuo a dizer, sempre disse, que nenhum governo tem o direito de brincar com a saúde dos seus cidadãos. Ou seja, quando um povo começa a ficar sem dinheiro para suportar as despesas com a saúde, isso significa que estamos a caminhar para o abismo. Não tenhamos dúvidas quanto a isso. É mais do que óbvio que os portugueses não conseguem suportar mais austeridade, e as famílias não podem ficar com os seus orçamentos ainda mais reduzidos. Se assim, for, não me espantaria nada, para vergonha de todos nós e para escândalo da Europa e deste Portugal ocupado, teremos pessoas a morrer por não terem recursos para irem ao médico ou a um centro de saúde se tratar. Quando (se) isso acontecer, e bastará um caso devidamente comprovado, só um primeiro-ministro e um ministro da saúde sem um pingo de vergonha na cara é que não se demitem. Nesse caso terão que ser obrigados a fazê-lo, doa a quem doer, custe o que custar.
Interrogados sobre as suas principais preocupações que têm sempre que se fala à saúde, as pessoas abrangidas pelo no âmbito do referido estudo atribuíram, numa escala de zero a dez, 8,72 pontos ao "receio de perde de qualidade no SNS"; 8,2 pontos ao preço dos medicamentos; 7,9 ao preço das taxas moderadoras e das consultas no sector privado e 4,83 ao faltar ao trabalho para ir a consultas.
Em consequência disso, quando confrontados com as áreas governaticas onde cortariam despesas para poder manter o investimento na saúde, as obras públicas e a defesa foram os sectores escolhidos, por oposição à educação e à segurança social.
“Numa escala de zero a 20, no que diz respeito à confiança nos profissionais de saúde e instituições, os enfermeiros foram os que recolheram mais pontos (14,13), seguidos dos farmacêuticos (13,76) e dos médicos (13,57). Menos credibilidade têm os centros de saúde (10,61), os laboratórios farmacêuticos (10,54) e o sector social (9,64). No campo dos medicamentos, 69,1% preferem os fármacos genéricos. Dos 30,9% que optam pelos medicamentos de marca, 62,5% dizem que é por terem maior confiança e 50,5% por terem expectativa de maior eficácia. Segundo os últimos dados da Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed) o volume da quota de mercado dos genéricos em Portugal atingiu 25,2% em Junho e o seu preço médio atingiu o valor mais baixo dos últimos cinco anos. Os mesmos dados indicam que os portugueses estão a consumir mais medicamentos, mas os gastos do Estado em comparticipações continuam a baixar, o que significa que a fatura é mais pesada para o bolso dos utentes”, diz a notícia que venho citando.
Não deixa de ser curioso que, relativamente ao cumprimento das recomendações médicas, só 45,3% dizem segui-las à risca e entre as restantes, 66,3% revelam deixar de seguir o prescrito por se sentir melhor ao fim de alguns dias. Há ainda quase 38% de pessoas que admitem que têm por hábito automedicar-se. Curiosamente a Internet é também, e cada vez mais, “um recurso utilizado para procurar mais informação sobre sintomas, doenças e tratamentos, com mais de 70% dos inquiridos a reconhecerem que após uma consulta procuram dados sobre os medicamentos receitados. A prática de exercício físico, a perda de peso e a redução de sal na alimentação foram alguns dos exemplos dados de medidas que os inquiridos estão a tomar para melhorar a saúde de forma mais natural”.

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Preocupante é também o facto do ex-ministro socialista das Finanças, Henrique Medina Carreira, ter afirmado, em entrevista esta semana na TVI, que o Estado Social vai acabar antes de 2020. O antigo ministro das Finanças garantiu que esse cenário pode ser real se não se fizer uma reforma profunda: "O último esteio para esta sociedade não esbarrondar de repente é a preservação social. O Estado Social é decisivo. O Governo não está a perceber que está aqui uma bomba-relógio na sociedade portuguesa", avisou. Medina Carreira defendeu que o governo de Passos Coelho devia adotar "uma política de decência, um choque de decência", deixando algumas sugestões: "Era decente atacar o problema das PPP, atacar o problema dos rendimentos excessivos na eletricidade e ainda atacar o espavento que é as frotas automóveis dos ministros".

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E para que os portugueses se sintam animados e motivados neste mês de Agosto, de férias ou de descanso, nada melhor que a notícia de que a Unidade Técnica de Apoio Orçamental já não acredita que o governo de coligação de Lisboa seja capaz de atingir os objetivos para a receita orçamental e para a Segurança Social previstos no Orçamento do Estado deste ano. Segundo a UTAO, o cumprimento destas metas orçamentais “já não parece possível tendo em conta os números da execução orçamental”, sublinhando que começam a confirmar-se todos os riscos identificados em documentos anteriores, o maior dos quais era o da receita fiscal poder ficar abaixo das previsões. De facto, diz a UTAO, a receita arrecadada com impostos na primeira metade do ano “ficou muito aquém do que seria expectável, uma diferença superior a 2 mil milhões de euros”. Preocupante é que o documento da UTAO admita que “para conseguir atingir o objetivo orçamental, será preciso que a receita fiscal aumente 2.291 milhões de euros na segunda metade do ano, um aumento de 12,4%, muito superior à média registada no segundo semestre dos últimos dois anos (3,6%)”. Se dúvidas existissem de que mais medidas de austeridade estarão a ser secretamente estudadas – se é mesmo que não estão já calendarizadas e definidas – e que o Estado será obrigado a grandes cortes na despesa (resta saber quais os sectores penalizados), acredito que elas se dissiparam.
A minha única dúvida é a de saber até onde vai a resistência dos portugueses, até quando não virão massivamente para a rua para deitar abaixo este sistema político, estes partidos, esta casta de políticos no poder armados em “salvadores” de coisa nenhuma. Isto porque, para além do desvio na receita fiscal, também houve uma diminuição do excedente da Segurança Social: a receita das contribuições diminuiu 3,7% no primeiro semestre, enquanto a despesa com prestações sociais cresceu 5,1%. Aliás, lembro, o governo de coligação já reconheceu, perante a evidência (e a gravidade) dos números, que os resultados da execução orçamental a nível da receita “aumentam os riscos e incertezas quanto ao cumprimento dos objetivos para o défice” (Portugal comprometeu-se com um défice de 4,5% do PIB ao ano!)" (in JM)

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