segunda-feira, maio 28, 2012

Censura



"A moção de censura que o PS local apresentou contra o governo regional da Madeira, se no plano do mediatismo político e da disputa pré-eleitoral entre os partidos da oposição regional se entende - sem esquecer as medidas de austeridade aprovadas na Madeira por imposição do programa de ajustamento financeiro assinado com a República - já no plano da lógica política (que nada tem a ver com o mediatismo político) sofre de um defeito original relacionado com os autores e com as responsabilidades que tiveram.
Separando o "memorando de entendimento" de Maio de 2011 - negociado por Sócrates e o PS depois de seis anos de desgovernação socialista, que conduziram o país e os portugueses à falência - do programa de ajustamento financeiro para a Madeira - negociado pelo governo regional do PSD com o governo de coligação de Lisboa maioritariamente dominado pelo PSD - a verdade é que no seu cerne, no essencial, existe uma perfeita ligação entre os dois momentos e os dois documentos. O primeiro imposto por Bruxelas a Lisboa, o segundo imposto por Lisboa ao Funchal. E daqui não saímos. Não vale a pena andarmos a pintar a realidade com cores menos agressivas, porque os factos são os factos (e como são) e a verdade é incontornável. Aliás, acabamos sempre por ser vítimas de situações que começam por ser desvalorizadas ou menos desmentidas mas que depois se tornam inevitáveis porque impositivas. Mais vale, nos tempos que correm, não dizer nada.
Muito do que hoje penaliza a Madeira, para além de responsabilidades próprias, tem a sua origem no "memorando de entendimento" imposto pela "troika" a Portugal, documento que parece ter caído no esquecimento, mas que continua a funcionar com o manual, se quiserem a "bíblia" de toda a política de austeridade em curso no país. Regiões Autónomas, Autarquias e empresas públicas incluídas, embora neste último caso pouco ou nada de concreto se tenha passado, foram os alvos preferenciais desse "memorando de entendimento" e muitas propostas dele constantes ainda nem foram aprovadas. Como é o caso das anunciadas alterações à Lei de Finanças Regionais que, estou certo, representará mais um duro golpe nas Regiões Autónomas. Tal como, depois, a revisão da Lei de Finanças Locais apertará ainda mais o sufoco de muitas autarquias e provocará a sua falência a exemplo do que já acontece em Espanha e Itália.
Ressalvando aquilo que se pode designar de "responsabilidades próprias" (não tenho problema em assumir esta perspectiva), que hoje seriam impensáveis com a vigência da nova Lei de Compromissos (que a seu tempo colocará situações complexas, em relação às quais muitos políticos ainda não se aperceberam...), percebe-se facilmente que a moção de censura que o PS local apresenta no parlamento contra o governo regional, acabe por ser também uma moção de censura ao próprio PS local. Desde logo pelas responsabilidades que tiveram, no plano nacional, na solidariedade que sempre demonstraram para com a desgovernação e a falência do país e pela cumplicidade activa e permanente que os socialistas locais (e a sua nomenclatura dirigente) sempre manifestaram com a governação socialista nacional e com as decisões tomadas contra a Madeira.
Aliás, no que à Região diz respeito, a postura do PS local foi sempre a do "mata e esfola". Se Lisboa dizia "mata" no Funchal o PS local gritava ainda mais alto e dizia "esfola". Deixou de haver uma coerência e uma integridade forte na defesa da Região, dos seus interesses, direitos e do seu Povo - insisto que estamos a falar de um valor que tem que estar acima de diferenças políticas e ideológicas - para dar lugar à mais vil e descarada traição políticas, aliás eleitoralmente penalizada.
Não acredito que os madeirenses tenham memória curta, pelo que continuo a afirmar que o nosso Povo decidirá como entender, tomando as opções que acha serem as melhores quando for chamado a votar. Os cidadãos sempre o fizeram, e sempre respeitei essa expressão da vontade soberana do eleitorado. Não será agora que ousarei duvidar dessa liberdade tal como não questionarei essa autoridade política expressa em cada voto.
Sabendo-se as implicações do "memorando de entendimento" de Maio de 2011, da responsabilidade do governo socialista de Sócrates (que viria a perder as eleições de Junho desse ano), na vida do país em geral, e da Madeira em particular (é dela e sobre ela que falamos), parece-me por isso mais do que evidente e inatacável que esta moção de censura, repito, é também uma moção de crítica e de censura ao PS, nacional e local, pela cumplicidade, pela conivência, pelo silêncio a que sempre se remeteu. Quais são as medidas tomadas na região que constam do memorando de maio de 2011, muitos antes de ter sido detectado o tal buraco de 1.,1 milhões de euros nas contas regionais?
Alguém se lembra de alguma vez ouvir o PS local, melhor dizendo, a sua nomenclatura dirigente iluminada, denunciar ou chamar a atenção para os perigos do caminho que o país estava a seguir, para as loucuras cometidas, para a inevitabilidade de um estrondo das contas públicas e para o triste desígnio de nos confrontarmos com a falência e a austeridade?! Ninguém ouviu rigorosamente nada por uma razão muito simples: os socialistas locais calaram-se durante os seis anos de desgoverno, foram seus cúmplices e apoiaram sempre tudo o que foi feito em Lisboa e que nos conduziu ao estado de lastimável em que nos encontramos.
Estas moções de confiança ou censura são meros instrumentos regimentais ao dispor dos partidos que não se podem utilizar de forma banalizada. Dada a configuração da Assembleia Legislativa da Madeira, não é expectável a aprovação da referida moção de censura o que, caso acontecesse, implicaria a queda do governo regional, sem forçosamente termos de recorrer à realização de eleições antecipadas.
Espera, aliás, neste debate sobre a moção de censura que a oposição esclareça que alternativas tinha, dada a situação actual da Região, para resolver os nossos problemas. Eleições? Será que elas resolvem a nossa dívida e as exigências que nos foram feitas no quadro do programa de ajustamento financeiro? A proposta absurda do CDS de um governo de "salvação regional" – será que o CDS reclamou em 2011 um governo de salvação nacional ou defendeu sempre eleições legislativas antecipadas?! - esconde o outro lado deste confronto político na oposição, particularmente entre PS e CDS, nomeadamente o receio natural dos populares de uma penalização eleitoral por causa do seu envolvimento no governo nacional.
Tenho alguma curiosidade em saber como vai a oposição regional demarcar-se politicamente da moção dos socialistas (se é que vai), ou se ela se limitará a ir a reboque de uma iniciativa política da responsabilidade do PS que não deixa de chamar a si uma postura de liderança da oposição na contestação natural ao Governo Regional e ao PSD, um dos grandes objectivos dos socialistas locais. Uma coisa é certa: a bipolarização partidária e política é efectiva e provavelmente nunca foi tão acentuada e tão evidente como hoje ficará demonstrado" (in JM, 29 de Maio de 2012)

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