quinta-feira, dezembro 11, 2025

Opinião: Quem está a trair a Ucrânia?

A União Europeia espera a bancarrota de Putin, e Putin espera a bancarrota da União Europeia. Resta saber qual virá primeiro. Lê-se e não se acredita: na quarta-feira, os governos da União Europeia concordaram finalmente em desligar-se do gás russo por volta do fim de 2027. Perceberam? Putin começou a ocupar a Ucrânia em 2014. Em 2022, invadiu em força. Desde aí que a UE proclama sanções à Rússia. Acontece que, entre tantas exibições de virtude, tem continuado a financiar Putin, enquanto cliente do principal recurso económico da ditadura russa, as suas exportações de gás e petróleo. A ministra dos Negócios Estrangeiros sueca admitiu a semana passada que a UE gastou mais desde 2022 a fazer compras à Rússia (311 mil milhões de euros) do que a ajudar a Ucrânia (187).

Não é só a Hungria que compra. É também a França, cujo presidente alertou ontem para o perigo de Trump “trair” a Ucrânia. Não sei se Trump vai trair. Sei quem, para usar essa linguagem, já traiu. As importações europeias de gás russo diminuíram. Mas representam ainda hoje 13% do total importado pela UE. Em 2022, oito anos depois de Putin ter iniciado a anexação da Ucrânia, eram 45%. Estava até previsto um segundo gasoduto russo para a Alemanha. Percebe-se que Putin tenha interpretado tudo isso como indiferença pela Ucrânia, e não tivesse hesitado em avançar.

A guerra na Ucrânia é, para a população ucraniana e para o exército russo, uma guerra clássica, de bombardeamentos e trincheiras. Mas os governos Ocidentais têm-na entendido como uma guerra económica. Esperam quebrar a Rússia, não no campo de batalha, porque temem uma reacção desesperada de Putin, mas na tesouraria, deixando-o sem meios de pagar o esforço militar. É da bancarrota russa que se está à espera há três anos. A imprensa ocidental anuncia-a quase todas as semanas. E sempre que Trump faz diligências para um acordo, ei-la a lamentar que o presidente americano esteja a reanimar Putin logo quando ele ia desistir.

Acontece que não é só a UE que faz cálculos com as fraquezas de Putin. Putin também faz cálculos com as fraquezas do Ocidente e da UE em particular. A Rússia tem uma economia do Terceiro Mundo e uma população em declínio. Mas pela frente, na Europa ocidental, tem economias que, por erros de política energética, não se conseguem desligar do seu gás, Estados que, por erros de política social, arriscam crises de dívida, como a França, e sociedades que, por erros de política migratória, estão a perder coesão. A Rússia não está bem. Mas uma Europa ocidental que julga que o imposto é a solução para o empobrecimento, a regulação uma alternativa à inovação, e o fim das fronteiras um meio de pagar o Estado social, não está muito melhor. Também Putin está à espera da bancarrota – mas da Europa ocidental. Resta saber qual virá primeiro.

Isto ajuda a pôr em perspectiva os planos de paz de Trump. Não se trata de “traição” nem do narcisismo de quem quer o Nobel. Trata-se de realismo, por mais que nos custe. É verdade: nunca haverá paz duradoura enquanto a Ucrânia não for restituída às suas fronteiras de 2014 e coberta pelas garantias da NATO. Mas esse objectivo, no curto prazo, exige esforços de que o Ocidente e em especial a UE não são capazes, enquanto a própria Ucrânia, bombardeada, vai deixando de ter homens para a frente. Faz sentido procurar algum acordo que interrompa a guerra. O cenário alternativo seria a ditadura de Putin cair, mas esse, dada a dependência do resto do mundo e até da UE em relação à energia russa, tem por enquanto de ser encarado como um simples desejo. O que resta? O que Trump, mal ou bem, está a tentar fazer, e outro desejo: esperemos que bem. Da UE, é que não há que esperar muito (Observador, texto de Rui Ramos)

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