terça-feira, julho 15, 2025

Turismo do álcool em Albufeira. Como a economia da noite está a levar uma cidade ao limite




Há mais de 20 anos que a noite de Albufeira está refém do “turismo do álcool”. O negócio da noite alimenta um turismo de excessos que está a deixar marcas profundas na cidade e na sua reputação.. São 23h45. No Destacamento Territorial da GNR de Albufeira, os militares das várias equipas preparam-se para a noite que começa. Em “campo”, vão entrar o Comando Territorial de Albufeira, a Unidade de Intervenção (UI) e o Grupo de Intervenção de Ordem Pública (GIOP).

No verão, Albufeira conta com um reforço significativo de policiamento: de Lisboa, chega todas as semanas um pelotão com 20 elementos da Unidade de Intervenção para reforçar as equipas da GNR encarregues de garantir a segurança durante a noite. O capitão Carlos Fraústo, que a equipa do Observador acompanhou numa das muitas noites de trabalho, antevê horas muito atarefadas para os militares que vão passar pela rua da Oura.

Foi a 24 de junho, apenas quatro dias antes desta noite, que entrou em vigor o novo Código de Comportamentos do Município de Albufeira para travar comportamentos desordeiros na via pública, proibindo nas ruas o consumo de álcool, urinar ou defecar e até circular parcial ou totalmente despido (tronco nu ou de biquíni). Prevê coimas de até 1.800 euros e sanções pesadas para bares e discotecas que incentivem consumos ou comportamentos de risco. Mas por enquanto, tudo aponta para um fim de semana igual aos outros.

“É de esperar grande concentração de pessoas. Todos os dias são como um fim de semana”, conta, no início do turno, o capitão Carlos Fraústo. Na receção do quartel da GNR há bastante movimento — uns terminam o turno, outros entram agora ao serviço, para sair apenas de manhã, depois de garantir que a noite termina sem problemas.

As carrinhas escuras, que transportam a GIOP, “a força mais musculada”, arrancam primeiro, por volta da meia-noite, naquilo que, segundo Carlos Fraústo, é o “maior reforço para dissuadir todas as situações que possam acontecer”. Está tudo a postos para o grupo arrancar para uma patrulha pelas ruas de Albufeira, mas a saída fica atrasada pela primeira apreensão da noite: acabaram de chegar ao quartel 20 botijas de óxido nitroso, a “droga do riso”. Em Albufeira, 17% das detenções estão relacionadas com o tráfico de droga — um número que preocupa as autoridades, sobretudo pela ligação com o consumo excessivo de álcool e os episódios de violência.

Equipamento verificado, turno rendido, é hora de arrancar finalmente para a rua da Oura. Passaram poucos minutos quando algo capta a atenção do capitão Carlos Fraústo: “Encoste aí à frente!” Circula um tuk-tuk fora de hora: a partir da meia-noite, estes veículos não podem andar pelas ruas da cidade. Já depois de encostar, mais um problema: está em falta o seguro de responsabilidade civil, uma situação recorrente, em particular no verão.

Enquanto Fraústo e a guarda-principal Cláudia Pinho preenchem o auto ao motorista — que se tenta justificar com um erro técnico da seguradora —, passam pela rotunda onde foi montada aquela operação stop improvisada mais uns quantos tuk-tuks, mas esses escapam à fiscalização. A viagem continua. Assim que os militares chegam à rua da Oura (na verdade, Avenida Sá Carneiro), começa a tornar-se óbvio o forte cheiro a álcool derramado que, juntamente com o calor intenso, provoca um odor adocicado — é um cartão de boas-vindas para o que está para vir. A noite algarvia, quente e tranquila, fica para trás.

“O nosso trabalho é ir às situações onde o perigo existe”

Como todas as noites, a GNR estaciona a viatura a meio da Avenida. É o local perfeito para os militares serem vistos e tudo verem — o chamado “policiamento de visibilidade”. Carlos Fraústo reconhece que a Rua da Oura é um teatro operacional particularmente complexo, por ser “tão perigoso como imprevisível”.

O tipo de turista que por ali circula — maioritariamente britânico ou irlandês, jovem e em busca de álcool barato, sol e noites sem limites — influencia em muito o tipo de operações que todas as noites vão para o terreno. Para evitar acidentes com qualquer um dos militares da GNR, há cuidados acrescidos a considerar.

“Procuramos, ao máximo, não ter elementos isolados, porque andamos no meio da multidão, ficando nós próprios em risco. O nosso trabalho é ir às situações onde o perigo existe”, explica o capitão, que esclarece que o uso do colete anti-bala é, várias vezes, utilizado para evitar ferimentos num eventual ataque com recurso a arma branca.

Ainda só é uma da manhã, mas já estão milhares de pessoas concentradas nos 600 metros lineares da “Las Vegas do Algarve”. A luz neon — que parece ser regra entre todos os bares — contrasta com o céu escuro da madrugada. A primeira ocorrência surge cinco minutos depois de chegar a patrulha de reforço. Um grupo de homens, entre os 20 e os 30 anos, consome haxixe junto à equipa da GNR, como se as autoridades ali não estivessem. São abordados e o material estupefaciente é apreendido — o primeiro de vários autos policiais da noite relacionados com consumos excessivos.

O consumo na via pública é ilegal, mas o cheiro característico do haxixe circula entre a multidão e os militares da GNR não têm outra opção além de tentar, discretamente, procurar a sua origem — só nesta noite em que o Observador acompanhou os trabalhos, foram apreendidas várias doses de haxixe, sem que isso pareça surpreender quem consumia.

À medida que a noite avança — e que as pessoas e ocorrências se multiplicam —, a equipa da GNR começa as rondas pela avenida, começando pela zona sul para depois subir para a zona norte. São abordados vários jovens que urinam na via pública ou circulam parcialmente despidos. A GNR tenta identificá-los, mas a falta de documentos dificulta o sucesso da missão.

O crescente estado de embriaguez de muitos dos que por ali se encontram obriga as autoridades a intervir: é que, naquele momento, a circulação automóvel na zona já não é compatível com os milhares de jovens que se encontram na Oura. Carlos Fraústo dá a ordem e o trânsito nas redondezas é cortado: “É urgente reduzir a quantidade de veículos que circulam, estão milhares de pessoas na Oura e é muito perigoso continuarem a circular em simultâneo.”(Observador, texto do jornalista João Costa Campos)

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