Nomes e fotografias falsas. Os mesmos textos, ao mesmo
tempo. Só há quatro pessoas reais em contacto com esta rede. Uma delas é o
consultor do PSD, Rodrigo Gonçalves.
Esta é uma história com várias vítimas. António Costa,
Marques Mendes, Ferro Rodrigues, Francisco Pinto Balsemão, são alguns dos
muitos portugueses difamados. A identidade de Miguel Sousa Tavares é usurpada
para assinar uma frase que nunca escreveu. Há "piadas" sobre o caso
Casa Pia, cartazes forjados, frases falsas atribuídas a políticos, ligações
para sites de fake news.
Na verdade, esta é uma história do lado B da campanha
eleitoral. Dezoito contas falsas, criadas nas redes sociais nos últimos meses,
são a base de um plano de propaganda eleitoral sem regras. No Twitter há uma
ligação evidente. Quatro militantes do PSD de Lisboa - o consultor contratado
há seis meses para trabalhar nas redes sociais do partido, Rodrigo Gonçalves, o
seu pai, Daniel Gonçalves, e dois dos seus apoiantes mais próximos - são as
únicas figuras reais a interagir com estes perfis falsos. Ou seja, mais
ninguém, além deste grupo, faz "gostos" ou partilha o que estas
contas publicam.
A mensagem é clara: um ataque cerrado ao governo, ao
candidato Pedro Marques, e a outras figuras do PS (como Carlos César) - a quem
são atribuídas más intenções, falhas de "caráter" e, em muitos casos,
simples mentiras - e, ao mesmo tempo, um elogio constante ao PSD, a Rui Rio, a
Paulo Rangel, ao desempenho da comunicação do partido nas redes sociais e ao
consultor da direção Rodrigo Gonçalves. Está lá tudo o que marcou os últimos
dois meses, do caso dos familiares de membros do governo contratados para
tarefas públicas à crise desencadeada pela contagem do tempo de serviço dos
professores.
A rede de perfis falsos
Larissa Rossetti diz ser de Silves e apresenta-se com
uma foto de Sophia Loren. António Candeias, alegadamente de Sintra, usa uma
foto de agência de modelos muito partilhada em vários países. Andressa Bodião,
de Sydney, Austrália, prefere usar a foto de um urso panda. Viviane Azevedo, da
Figueira da Foz, escolheu uma flor de aleli. Renata Hébil está de costas e não
diz de onde escreve. Nos motores de busca não existe nenhuma referência a estas
pessoas que têm uma estranha predileção por política: não falam de outra coisa.
Todas estas contas foram criadas na mesma altura, no
início de março deste ano. Todas publicam exatamente as mesmas histórias, com
poucos minutos de intervalo. Todas usam a mesma palavra-chave (hashtag):
geringonçanuncamais. E todas têm como únicos seguidores figuras do PSD. O PSD,
em resposta ao DN, esclarece que "não conhece nem mantém relação com
nenhum dos nomes referidos".
A pessoa, concreta, que mais interage com estas contas
é Ângela Cruz, uma célebre militante do PSD Lisboa, apoiante de longa data de
Rodrigo Gonçalves nas lutas partidárias da capital. Foi ela que, há dois anos,
animou a hipótese de impugnar a eleição de Pedro Pinto (adversário interno da
família Gonçalves). Ângela Cruz era a delegada da mesa de voto que alegou,
durante a eleição para a concelhia de Lisboa, que Pinto não constava das listas
eleitorais por não ter as quotas em dia. Isto foi assunto que fez correr muita
tinta, em 2017. Citado num título do Expresso, Pedro Pinto apelidou de
"escroques" os que tentaram sabotar a sua eleição.
Hoje, Ângela Cruz é uma discreta técnica de
documentação no arquivo de uma ordem profissional, em Lisboa. No dia 6 de março
decidiu criar uma conta no Twitter. O seu primeiro post foi publicado às 16.26.
Dois dias depois Larissa Rossetti iniciou também a sua conta, com uma foto
cheia de acusações falsas contra António Costa e Francisco Pinto Balsemão, às
12.18. Mesmo acabada de chegar à rede, recebeu logo um "gosto" e um
comentário de Ângela Cruz: "Sem dúvida que isto é feio. Triste estas
coisas da imprensa." Às 12.29, a militante do PSD publicava a mesma foto.
Menos de uma hora depois, chegava a conta de Viviane Azevedo, partilhando a
mesma imagem que Cruz e Rossetti. Ângela Cruz também fez "gosto" na
página de Viviane.
Em resumo: duas contas de figuras desconhecidas chegam
ao Twitter, partilham a mesma foto e recebem logo uma reação de Ângela Cruz.
Fomos verificar se, porventura, Ângela Cruz seria uma utilizadora do Twitter
com o hábito de colocar "gostos" com frequência em páginas que
desconhece. Em toda a sua atividade naquela rede social só "gostou"
de 63 publicações. Rossetti é a autora de que mais gosta (12 vezes), seguida
dos restantes perfis falsos (dez) e de Rodrigo Gonçalves (oito).
#Geringonçanuncamais
E que foto era essa, que juntou estas três estreantes
no Twitter? Uma teoria da conspiração que alegava haver um favorecimento de
António Costa, e do Novo Banco, à SIC e a Francisco Pinto Balsemão, em troca de
um tratamento noticioso favorável. Uma mentira facilmente desmontável, cheia de
acusações que o DN escolhe não reproduzir.
Ângela Cruz não esclareceu o DN se conhece alguma
pessoa que esteja a publicar nestes perfis falsos. Numa resposta por escrito, a
militante do PSD afirma: "Tenho uma conta na rede Twitter, respondo por
ela e apenas por ela, desconhecendo por completo quaisquer outras contas uma
vez que nada tenho que ver com elas."
Há uma outra semelhança notável entre estes perfis, e
os outros que foram criados dias depois. Todos começaram por usar uma
palavra-chave, que agrupa conversas no Twitter - geringonçanuncamais. Mas
fazem-no, todos, com um erro básico. Em vez do símbolo certo, o #, usaram o
errado, a @, que serve para atribuir a origem de uma informação, não para
agrupar um tema de conversa.
Até ao dia 15 de março, todas estas contas - as falsas
e a verdadeira, de Ângela Cruz - usaram "geringonça" com cedilha. A
partir do dia 18, uma vez mais em simultâneo, passaram a usar a expressão
"geringonca".
Foi, aliás, a estranha hashtag que nos alertou para
este conjunto de contas falsas que fazem campanha política. Em fevereiro, o DN
e um grupo de investigadores do CIES-IUL iniciaram um trabalho conjunto - o
projeto "monitorização de propaganda e desinformação nas redes
sociais", coordenado por Gustavo Cardoso, e pelos investigadores José Moreno,
Ana Pinto Martinho, Rita Sepúlveda e Miguel Crespo. Esse trabalho ainda está em
curso e prolongar-se-á até às próximas eleições legislativas. Mas equipa que
trabalha nesta investigação encontrou a palavra-chave "geringonça"
quando procurava campanhas organizadas no Twitter sobre corrupção. O termo que
designa a maioria parlamentar de esquerda era um dos que decidíramos incluir na
pesquisa.
Militantes do PSD negam qualquer relação
A partir daí, a equipa do ISCTE continuou a
monitorizar estas e outras hashtags e tweets e o DN aprofundou o percurso das
contas "geringonçanuncamais" - e dos seus seguidores reais. Os perfis
falsos começaram a publicar com a precisão de uma máquina. Com poucos minutos
de intervalo, os mesmos temas eram replicados em todas as contas.
No dia 13 de março, estreou-se António Candeias (cuja
foto está em centenas de arquivos de imagens online, descrita como sendo de um
"homem de meia idade ao ar livre"). O seu primeiro post é um link,
publicado às 12:44 h, para um artigo de opinião de Rodrigo Gonçalves no
Público. Minutos depois, às 12.51, Rossetti publicou o mesmo texto do dirigente
do PSD. Três minutos depois Renata Hébil fez o mesmo. E três minutos depois
disso foi Viviane Azevedo quem republicou o artigo de Gonçalves.
Se os perfis falsos reproduziram o texto, as figuras
reais reagiram logo. Ângela Cruz fez "gosto". Rodrigo Gonçalves,
também, no perfil de Hébil e no de Rossetti. Poucos dias depois, o texto de
Gonçalves voltou a estes perfis falsos. Rossetti apresentou-o assim: "Gosto
destes artigos de opinião que dizem a verdade e nos acordam para a vida."
Para Rodrigo Gonçalves, o facto de estas contas
partilharem os seus textos de opinião não demonstra nenhuma ligação especial.
"Importa esclarecer que entre as duas contas tenho mais de nove mil
'seguidores' e 'amigos'. Informo ainda que muitas das minhas publicações de
vídeo, nas redes sociais, chegam a alcançar quase 13 mil pessoas e outras
publicações de artigos de opinião chegam a alcançar mais de oito mil. É,
portanto, mais do que evidente que não controlo nem fiscalizo as partilhas,
ações e 'gostos' de milhares de pessoas e muito menos respondo por esses
milhares de pessoas."
Quer Rodrigo Gonçalves quer Ângela Cruz negam qualquer
ligação com estas contas. "Jamais levaria a cabo qualquer ação que pudesse
pôr em causa o meu bom nome e que violasse os meus valores, seriedade e
honestidade", garante Cruz.
Gonçalves, por seu lado, assegura que "em nenhuma
circunstância e em nenhum momento sugeri a alguém que fizesse alguma conta nas
redes sociais". Quando lhe perguntamos como explica que estas contas
falsas apenas tenham ligação real com pessoas que conhece, o consultor do PSD
responde assim: "Não tenho por hábito controlar a ação nas redes sociais
de algum familiar, amigo, conhecido ou simples seguidor. Desta forma se
pretende esclarecimentos sobre as interações de terceiros deverá perguntar aos
próprios."
O DN perguntou. Mas como vimos, nem Ângela Cruz nem
Rodrigo Gonçalves estão disponíveis para explicar quando e onde travaram
conhecimento com Larissa Rossetti e os outros perfis que fazem desinformação.
Quem é Rodrigo Gonçalves?
Rodrigo Gonçalves foi contratado por Rui Rio para
trabalhar nas redes sociais do PSD, em outubro do ano passado. Ou pelo menos
foi isso que surgiu em todas as notícias. Em declarações ao DN, Gonçalves
garante que não. "Não tenho nenhuma responsabilidade de gestão das redes
sociais do PSD, existindo para esse efeito uma funcionária com essas
funções."
Aqui o assunto torna-se ainda mais complexo. Em resposta
às perguntas do DN, Rui Rio garante: "O Rodrigo Gonçalves foi contratado
para colaborar com o partido na área das redes sociais com o objetivo de
partilhar toda a informação institucional difundida nos meios de comunicação do
PSD e ainda notícias ou outro tipo de textos publicados na comunicação social e
redes sociais, com os militantes do Partido Social Democrata."
A explicação para esta aparente contradição parece
estar apenas no título do cargo. Rodrigo Gonçalves não tem
"responsabilidade de gestão", mas trabalha para o partido nas redes
sociais. O DN pediu um esclarecimento a Rodrigo Gonçalves que explicou:
"Conforme contrato assinado com o PSD, as minhas funções são de consultor
para a área comunicacional."
Antes disso, Gonçalves foi presidente da Junta de
Freguesia de São Domingos de Benfica, assessor da vereação social-democrata na
Câmara de Lisboa e adjunto do secretário de Estado do Emprego no anterior
governo. Mas o seu peso no partido não se mede pelos cargos.
Uma investigação do jornalista Vítor Matos explicou
como "a rede da família Gonçalves" se tornou incontornável no jogo
político do PSD. Descrito como "um dos maiores caciques" do partido,
capaz de controlar diretamente o voto de 500 militantes, Rodrigo Gonçalves tem
sido fundamental para a ascensão política dos líderes. Foi apoiante de Passos
Coelho, com quem se incompatibilizou no final do mandato. Apoiou Rui Rio, na
mais recente eleição nacional.
O seu currículo recente é uma história à parte: desde
controlar os atos eleitorais internos no PSD (transportando militantes em
carrinhas para as votações), até dominar as maiores secções locais de Lisboa,
com várias acusações judiciais pelo meio.
Em julho de 2014 deixou a presidência da junta por ter
sido acusado pelo Ministério Público num processo de corrupção. Foi absolvido
da acusação. Mas em janeiro de 2015 seria condenado, por ter agredido, a murro
e pontapé, o seu companheiro de partido, e presidente da junta de freguesia de
Benfica, Domingos Pires, de 71 anos. Apesar de condenado, em primeira instância
e na Relação, Rodrigo Gonçalves sempre negou ter participado na agressão.
Sobretudo, este episódio não o fez perder poder no PSD
de Lisboa. O seu pai, Daniel Gonçalves, foi eleito para a presidência da junta
das Avenidas Novas. E foi a partir dali que a família reorganizou a sua base.
Jorge Barata é um dos seus colaboradores mais
próximos. Foi vogal da concelhia do PSD Lisboa, candidato suplente à Assembleia
de Freguesia das Avenidas Novas e assessor do gabinete de vereação do PSD. A sua
mulher, Paula Caetano Barata, foi eleita pelo partido para a Assembleia
Municipal, e trabalhou na Junta das Avenidas Novas. Até o pai de Jorge Barata,
dono de uma oficina automóvel, foi contratado "para a reparação e pintura
das viaturas da higiene urbana" nas Avenidas Novas.
Jorge Barata e Daniel Gonçalves completam o grupo de
pessoas reais que se relacionam com os perfis falsos da campanha
"geringonçanuncamais".
A campanha ao detalhe
No dia 7 de maio, horas antes de o DN ter enviado as
perguntas para os dirigentes do PSD Lisboa citados neste texto, os perfis
falsos elegeram António Costa e Marques Mendes como alvos. O primeiro-ministro
é ali descrito com palavras como "palhacito", "otário"
(Larissa), "pacóvio", "palhaço", "falhado",
"oportunista" (Renata), de novo "palhaço" (Andressa).
Já sobre o ex-líder do PSD, e conselheiro de Estado,
que elogiou a forma como Costa geriu a polémica do tempo de serviço dos
professores, os adjetivos são estes: "Esta coisa abre a boca e só diz
merd@" (Andressa); "este idiota" (Ângela), "seu
idiota" (Renata); "este camelo" (Viviane); "que nojo de
homem" (Larissa).
Mas nada bate o ritmo, a sincronia e a coordenação que
foi visível no dia 16 de abril. Nessa terça-feira, os perfis falsos publicaram
dez tweets iguais, de seguida. Cada um demorou exatamente cinco minutos a
fazê-lo. E a ordem de publicação parecia coreografada.
Larissa Rossetti publicou os seus dez posts entre as
16.28 e as 16.33. Seguiu-se Andressa Bodião, entre as 16.34 e as 16.39. Renata
Hébil entrou nesta espécie de estafeta entre as 16.39 e as 16.44. Depois foi a
vez de Viviane Azevedo, entre as 16.45 e as 16.50. O último foi António
Candeias, que demorou um minuto a mais, entre as 16.51 e as 16.57. Em meia
hora, o grupo fez 50 tweets políticos sobre quase tudo (dívida pública,
campanha das europeias, alegadas "mentiras" de Carlos César, críticas
a Centeno, previsões económicas, greves, desemprego).
A primeira ordenou os dez temas anti-PS. A segunda
inverteu a ordem. A terceira usou a fórmula inicial. E assim por diante..
É sempre assim, aliás. Quando partilham um texto do
site de desinformação Direita Política (que reproduziu a célebre mentira sobre
o relógio de luxo de Catarina Martins), por exemplo, um começa às 12.21, o
último publica às 12.36.
No dia 9 de abril, a mentira publicada era um cartaz
falso que mostrava António Costa com o slogan "Fui número dois de
Sócrates. Vota em mim". Rossetti publicou às 12.18, Candeias fechou o
ciclo às 12.32. Às vezes é mais rápido: uma frase, falsa, atribuída a Fernando
Rocha Andrade - "o povo que vá à merda" -, demorou apenas três
minutos a ser publicada pelo grupo todo, entre as 12.50 e as 12.53
Outra notícia falsa atingiu Miguel Sousa Tavares, que
já antes fora vítima da mesma estratégia. No dia 2 de abril, este grupo
publicou uma fotografia do jornalista e escritor com uma frase crítica do
governo. O problema é que Sousa Tavares, como garante o próprio ao DN, nunca
escreveu tal coisa.
O fracasso no Twitter e o êxito no Facebook
Seja quem for que organizou esta
"experiência" no Twitter, não conseguiu bons resultados. Como vimos,
a mensagem espalhada por estes perfis não saiu de um pequeno grupo de
seguidores reais
Mas a mesma experiência foi lançada no Facebook, no
final do ano passado. E o efeito é substancialmente maior. Lídia Rodrigues é a
prova disso. Trata-se, uma vez mais, de um perfil falso. A sua foto é de
agência fotográfica e já foi usada milhões de vezes, no mundo inteiro. No dia 7
de maio publicou a mesma imagem que todos os perfis falsos no Twitter também
usaram. Em fundo vermelho, com três emojis sorridentes, a frase diz assim:
"Como pode António Costa apresentar a demissão se nunca foi eleito."
No Twitter, Rossetti e os outros não conseguiram
espalhar a ideia. Mas no Facebook "Lídia" teve 95 partilhas, 260
gostos e 120 comentários. Este perfil publica, exatamente, o mesmo que os
outros - como os insultos a Marques Mendes, por exemplo - mas tem muito
melhores resultados. É a líder destacada da corrente
"geringonçanuncamais" no Facebook. E usa o cardinal (#), que é o
símbolo certo para esse objetivo.
Há um outro perfil, que usa uma bela - e falsa -
fotografia de mulher, a publicar exclusivamente as mesmas histórias. Incluindo
insultos a António Costa e Marques Mendes e a célebre imagem conspirativa sobre
a SIC (com mais de mil partilhas, neste caso). Chama-se Estela Santos, mas a
foto é a de uma pessoa real com outro nome. Na verdade, a imagem é de Cláudia
Cruz, ex-jornalista brasileira casada com Eduardo Cunha, o ex-presidente da
câmara de deputados do Brasil, condenado a 15 anos de prisão pelo seu envolvimento
no caso Lava-Jato.
Seria fastidioso enumerar todos estes casos, de perfis
que usam imagens falsas para fazer campanha eleitoral em Portugal nesta rede
"geringonçanuncamais". Aqui ficam apenas dois exemplos, verificados
pelo DN através da pesquisa de imagens originais criada pelo Google: Artur Lima
é, afinal, o usurpador da foto de Joshua Tapper, estudante de doutoramento em
Stanford. Carlos Arriaga usa uma foto publicitária internacional.
Proibir bots e contas falsas?
Por isso, talvez nunca se consiga descobrir quem se
esconde atrás destas máscaras. Ou se há várias pessoas reais a alimentar estes
perfis, ou se alguns deles usam programação automática. Por isso, o governo da
Irlanda apresentou, no ano passado, uma lei que criminaliza o uso de bots ou
perfis falsos que espalhem desinformação política.
Em entrevista ao projeto Investigate Europe, que o DN
integra, Julian King, comissário europeu para a Segurança, adiantou que a sua
estratégia passa, também, por criminalizar o uso de "bots e contas
falsas".
Há um bom argumento para isso. Rodrigo Gonçalves
terminou a sua resposta, enviada por e-mail ao DN, com uma frase: "Repudio
e recrimino a atribuição de ações, referências ou comentários maliciosos em
relação a terceiros, sendo que caso eu próprio seja alvo destes mesmos
comportamentos agirei, em conformidade, por forma a defender o meu bom nome,
imagem e honra." O DN tem consciência de que o seu trabalho pode, numa
sociedade livre, e num Estado de direito, ser alvo de um processo judicial.
Qualquer pessoa que veja, neste artigo, ou em qualquer outro, uma razão válida
para o acusar de um crime de violação da liberdade de imprensa pode chamar a
justiça a intervir. Faz parte das regras do jogo - e é uma defesa que qualquer
cidadão, tenha ou não cometido atos censuráveis, deve ter ao seu dispor.
O problema é que todos aqueles que são vítimas nesta
história - seja António Costa, Marques Mendes, Miguel Sousa Tavares ou qualquer
cidadão - não podem contar com a mesma garantia para processar os autores de
desinformação, que se escondem atrás de perfis falsos.
A reação do PSD
O DN enviou a Rui Rio um conjunto de perguntas sobre
este caso. Numa resposta por escrito, enviada pelo gabinete de imprensa do PSD,
a resposta é clara: "O PSD não só não utiliza esse tipo de práticas, como
faz questão de as combater." E mostra-se disponível para apertar as regras
sobre as campanhas nas redes sociais, porque o que ali se passa "não é
sustentável por muito mais tempo".
Quando contratou Rodrigo Gonçalves para gerir as redes
sociais do partido, pediu-lhe algum cuidado com a forma como o partido devia
agir nas campanhas online?
O Rodrigo Gonçalves foi contratado para colaborar com
o partido na área das redes sociais com o objetivo de partilhar toda a
informação institucional difundida nos meios de comunicação do PSD e ainda
notícias ou outro tipo de textos publicados na comunicação social e redes
sociais, com os militantes do Partido Social Democrata. Esta função destina-se
a amplificar a mensagem oficial do partido, mas também outras informações de
interesse político partidário, permitindo que os destinatários possam
igualmente fazer essa partilha junto dos seus contactos e seguidores. Esta
tarefa tem sido, aliás, executada com sucesso. É importante salvaguardar que o
Rodrigo Gonçalves não é o responsável pela comunicação nem pela gestão das
redes sociais do partido, que dependem da assessoria de comunicação da direção
do PSD e, no caso concreto do tratamento das redes, de um funcionário do partido
que tem essa função concreta.
Que tipo de compromisso ético existe no PSD sobre a
utilização de desinformação nas campanhas?
O PSD não só não utiliza esse tipo de práticas, como
faz questão de as combater tanto nas redes sociais como na comunicação social.
Aliás, como é do conhecimento público, o Presidente do partido critica
frequentemente a desinformação e intoxicação mediática que é feita junto dos
cidadãos através dos mais diversos meios de comunicação; uma postura tantas vezes
repudiada pelos próprios media.
Preocupa-o este tipo de mensagens difamatórias sobre
adversários?
Não temos conhecimento de nenhum dos casos que refere.
No entanto, a confirmar-se a existência de criação de fake news, desinformação
voluntária ou difamação de quem quer que seja, o PSD considera essa situação
grave, eticamente reprovável e ilegal. Neste contexto, é importante referir que
o partido não conhece nem mantém relação com nenhum dos nomes referidos no seu
e-mail, à exceção de Rodrigo Gonçalves.
Que responsabilidade atribui a Rodrigo Gonçalves, se
este tipo de campanha estiver a ser lançado por si, ou por alguns dos seus
apoiantes mais próximos nas estruturas concelhias do partido em Lisboa?
Como já foi explicado, o Rodrigo Gonçalves tem como função
partilhar a informação institucional e outras notícias ou factos políticos de
relevo com os militantes do partido, não nos cabendo por manifesta
impossibilidade prática a função de fiscalizar o que é que cada um dos
militantes ou contactos faz com essa informação. O que, de resto, é aplicável a
tudo o que se passa atualmente nas redes sociais; inclusive as tentativas
maldosas de atribuir a autoria de comentários a quem não os fez. Comportamento,
aliás, do foro criminal.
O que pretende fazer para que estes acontecimentos não
se repitam?
O partido continuará a seguir a mesma linha e as
regras aplicadas até aqui, de acordo com os princípios supra enunciados. Nem o
PSD nem ninguém tem qualquer poder para evitar o que terceiros possam escrever,
contra ou a favor de quem quer que seja.
Está disponível para legislar sobre a proibição legal
de contas falsas para difundir mensagens políticas em campanhas eleitorais
(como a Irlanda fez, recentemente)?
É uma questão do maior relevo. Se, ou quando
tecnicamente for possível, a sociedade deverá abordar este tema do ponto de
vista legal, no sentido de impor a máxima transparência. O equilíbrio entre a
decência e a liberdade não é fácil (não nos parece sensato, por exemplo,
proibir os pseudónimos), mas o que se passa nas redes sociais também não é sustentável
por muito mais tempo (DN-Lisboa)
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