Escreve o jornalista do Publico, João Ramos de Almeida que “há muitas formas de retratar um fenómeno com números. Mas o Governo omitiu a mais habitual de calcular uma variação percentual. Tudo para que o IRS "atacasse" mais "os ricos. Os números servem para tudo. As simulações de IRS para 2013 que o Governo deu aos deputados, para provar a bondade das suas propostas, não só tinham erros, como foram construídas para mostrar que o Governo tinha razão. Quando desconstruídos, revelam que os pobres sofrerão o maior acréscimo do esforço exigido. O Ministério das Finanças não respondeu ao PÚBLICO até ao fecho da edição. Na conferência em que apresentou a proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2013, o ministro das Finanças perdeu bastante tempo a frisar que as mexidas iam ao encontro do princípio constitucional de o IRS ser um imposto progressivo (quem mais recebe mais paga) e que as desigualdades se atenuavam. Mas, no dia seguinte, a generalidade das firmas de consultoria citadas pela comunicação social declarou o contrário. Os escalões de menores rendimentos sofrerão maiores agravamentos de IRS e serão precisamente os escalões de maiores rendimentos que sentirão um menor acréscimo do esforço - ou seja, as desigualdades tenderão a agravar-se. A proposta de OE para 2013, que assenta na receita adicional do IRS, provocou uma onda de críticas, até dentro do PSD e do CDS, parceiro da coligação. Por essa razão, era esperada a reunião dos ministros das Finanças, Vítor Gaspar, e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, com os deputados da maioria. Gaspar e Relvas levaram quatro simulações dos efeitos das mexidas. Os números foram mais tarde distribuídos à comunicação social. São quatro tabelas: uma para os contribuintes solteiros e três para casais. Para 17 níveis de rendimento, a evolução dos números parece mostrar que os escalões mais baixos têm efectivamente um "aumento de tributação" mais baixo do que os mais altos (ver segunda tabela). Na realidade, os números apresentados pelo Governo foram construídos de forma equívoca. Veja-se o caso de um contribuinte solteiro com 650 euros mensais. Esse contribuinte, segundo o próprio Governo, sofrerá uma subida de IRS de 317 euros em 2012 para 511 euros em 2013, ou seja, uma variação percentual de 61% (511/317 euros). Algo que é comparável com a variação de 17% sentida por quem tenha um rendimento mensal de 17.857 euros. Um método de cálculo seguido habitualmente até pela Direcção-Geral de Orçamento. Mas o Governo fez as contas de outra forma. Primeiro, calculou o acréscimo de IRS em euros (511-317=195 euros) e depois calculou o peso desse acréscimo no rendimento bruto, de 9100 euros (650 x 14). O contribuinte de menor rendimento fica, assim, com uma taxa acrescida de 2,14% e o de maior rendimento de 6,31%, o que parece dar razão ao Governo. O que distingue estes dois números? O primeiro é uma variação percentual do imposto sentido por cada um dos escalões. O segundo é como se fosse a subtracção das taxas efectivas sentidas pelos contribuintes. Diz que a taxa dos mais pobres cresce 2,1 pontos percentuais e a dos mais ricos 6,3, mas em relação a quê? Não é uma taxa de variação da taxa efectiva de IRS. Se o Governo estimar essa variação, terá de concluir que os pobres sentem o maior agravamento da taxa efectiva.
Confusões com os números
A insegurança do Governo com os seus próprios números ficou patente. Após a distribuição aos deputados, uma fonte do gabinete de Miguel Relvas alertou a agência Lusa para incorrecções nas simulações e que iriam incluir uma nova categoria (casado, com um filho). A Lusa noticiou então que as tabelas oficiais seriam corrigidas. Mas a seguir fonte oficial de Miguel Relvas esclareceu que a leitura correcta das simulações se deveria fazer "não sobre o rendimento bruto, mas sobre o colectável", e que esse era o erro nas simulações. A correcção ficou para o fim do dia, o que nunca aconteceu. Ao Jornal de Negócios a mesma fonte alertou para se ignorar a informação da Lusa e considerar, sim, as tabelas que foram fornecidas pelo gabinete de Relvas e cujos números contrariam a generalidade das simulações, nomeadamente da firma PricewaterhouseCoopers (PwC). Face à confusão gerada, a PwCanalisou as tabelas oficiais e encontrou-lhes diversos erros. Sublinha precisamente a já referida forma de o Governo calcular as variações de imposto. Além disso, assinala que as tabelas oficiais não consideraram a sobretaxa de 2,5% para o último escalão de 80 mil euros; erraram na tributação dos casados por não considerar a dedução por cada filho e do salário mínimo nacional a dobrar; enganaram-se na tributação dos rendimentos mais baixos; além de erros nas contas. Por outras palavras, o Governo deu mostras de querer influenciar os próprios deputados da maioria, com números mais favoráveis e que parecem corroborar a tese oficial. Mas o tema está longe de estar terminado”.