quinta-feira, agosto 23, 2012

Dívidas estão a ameaçar a sustentabilidade da saúde nos Açores

Segundo o jornalista do Publico, Carlos Pessoa, "é um dos grandes problemas da região autónoma e foco de tensão permanente entre os partidos. Todas as soluções vão estar em cima da mesa nos programas eleitorais, mas resta saber se conseguirá evitar-se o colapso financeiro do sistema. O Centro de Saúde de Nordeste, na ponta oriental da ilha de S. Miguel, parece um hospital em ponto pequeno. Foi inaugurado em 9 de Julho de 1989 para servir os cerca de cinco mil habitantes do concelho, até há poucos meses submetidos a um isolamento difícil de compreender no nosso tempo. O aspecto desgastado do edifício já não esconde a passagem do tempo, bem patente em algumas áreas mais degradadas. Tudo na estrutura e equipamentos sugere que o centro foi pensado para ter vocação hospitalar. Esta solução talvez se justificasse em outros tempos, quando ir da vila de Nordeste até Ponta Delgada pelas sinuosas, estreitas e perigosas estradas da costa Norte ou Sul (cerca de 80 quilómetros) levava mais de duas horas. A abertura da via rápida por Norte encurtou distâncias e pôs qualquer paciente a meia hora de viagem, em ambulância, do hospital do Divino Espírito Santo (Ponta Delgada). Hoje, a simples existência física daquele edifício tornou-se uma incongruência que custa muito dinheiro dos contribuintes a manter - só em pessoal são mais de 70 os que ali trabalham em permanência, assegurando serviços que deveriam ser prestados por uma estrutura mais reduzida, simples e funcional. Para o quadro ficar ainda mais negro, o caso de Nordeste não é único numa região distribuída por nove ilhas. Opções como esta contribuíram para pôr a situação financeira da saúde entre os temas mais quentes da agenda política açoriana, depois da situação económica e ao lado dos transportes e do turismo. O secretário regional da Saúde, Miguel Correia, está sob permanente fogo cruzado da oposição, que o acusa de não conseguir resolver os problemas do sector nem de reduzir a enorme dívida da saúde - o PSD estima-a em mil milhões de euros (incluindo aqui os compromissos futuros das Parcerias Público-Privadas), enquanto o Governo reconhece 252,5 milhões de euros de dívida pública, mais 320 milhões dos hospitais (Ponta Delgada, Angra do Heroísmo e Horta), num total de aproximadamente 572 milhões de euros de responsabilidades financeiras. Miguel Correia responde aos adversários políticos com a obra feita ao longo dos últimos 15 anos, durante os quais os indicadores melhoraram em toda a linha, quer se fale dos médicos (541 em 2011, 351 em 1996) e enfermeiros no sistema (1400 contra 793 no mesmo período), aumento da acessibilidade à medicina familiar (havia 100 mil açorianos sem médico de família, hoje são 36 mil), número de consultas e cirurgias ou de estruturas hospitalares e outros equipamentos. O governante lembra a especificidade do território - a exigir, por exemplo, um serviço de urgência em cada um das nove ilhas 24 horas por dia e unidades de evacuação aérea - e enfatiza as exigências de investimento permanente para responder às necessidades das populações. O mais recente esforço foi a criação de um sistema de emergência médica na região.
Manter qualidade de serviço
A sustentabilidade do sector é uma das prioridades da acção governativa, assegura Miguel Correia. Passa, entre outras medidas, pela diminuição dos custos de funcionamento dos hospitais, aumento das receitas (a introdução de taxas moderadoras é uma das medidas já tomadas) e combate ao desperdício. O resultado destas políticas traduziu-se na redução, em 2011, dos custos de exploração das unidades de saúde em 8,5 milhões de euros (menos 7%). "É um trabalho que temos de continuar, mantendo a qualidade do serviço prestado", diz o secretário regional da Saúde. A palavra de ordem é, pois, racionalizar a gestão, que começou em 2010 e vai continuar para manter afastado do horizonte o risco de colapso do sistema. "Diminuir a qualidade é acrescentar custos no médio prazo e nós não vamos por aí. A qualidade não se mede pela afectação de recursos, mas pelo sucesso terapêutico", remata Miguel Correia. Para o PSD, a dívida da saúde será a prioridade no caso de ganhar as próximas eleições regionais, pois a análise que faz da actual situação é "muito negativa", disse ao PÚBLICO Luís Maurício, médico e responsável partidário pelo sector. "O Governo conduziu a região a uma situação de ruptura financeira absoluta. A cada ano que passa o défice agrava-se em 90 milhões, só considerando os três hospitais da região." Conhecedor da área, reconhece que ela é "difícil" e que "as transformações levam muito tempo". O problema de fundo consiste em "os Açores não terem um plano estratégico na saúde". Por outro lado, a despesa actual no sector "é a que tem de ser feita para que os cuidados continuem a ser prestados" aos cerca de 247 mil habitantes da região, atendendo aos números provisórios do Instituto Nacional de Estatística sobre o Censos 2011. Dito de outra forma, a saúde tem de dispor de mais dinheiro para continuar a assegurar os actuais cuidados e não está excluída a possibilidade de reorientar verbas de outras áreas onde deixou de ter sentido gastar dinheiro como até agora. Aquela necessidade, porém, choca com o subfinanciamento crónico do sistema, agravado pelas responsabilidades financeiras dos hospitais, afirma Luís Maurício. Como sair deste círculo vicioso? O compromisso dos social-democratas com os eleitores passa, antes de mais, pela racionalização e planeamento da despesa, que podem diminuir os actuais gastos em 15 a 20%. Mas isso não chega e será necessário promover o saneamento financeiro do sector através de uma negociação com o Governo da República. O leque de propostas fica completo com outros "princípios de mudança": aumento da cobertura dos cuidados primários de saúde; reorganização da rede das unidades de saúde; humanização na prestação dos cuidados de saúde; e desenvolvimento de um sistema de informação e de apoio à gestão do serviço regional de saúde”.

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