segunda-feira, dezembro 13, 2010

Assembleia da República: cenas madeirenses no OE-2011 (2)

"O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Velosa.
O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Vou pronunciar-me sobre uma proposta subscrita por quatro Deputados do PSD relativa ao artigo 92.º do IRS e que pretende determinar os critérios da receita própria de IRS em relação às Regiões Autónomas, quer a da Madeira quer a dos Açores. Essas propostas resultam de uma norma imperativa aprovada nesta Assembleia, que é a Lei das Finanças Regionais. Portanto, o que se pretende é clarificar algo que não está clarificado neste momento, quer definindo o critério de residência fiscal quer definido a imputação da receita que deve caber a cada região autónoma.
O objectivo é que cada região autónoma, seja a da Madeira, seja a dos Açores, arrecade aquilo a que tem efectivamente direito, e que não aconteça o que tem acontecido. Ou seja, como não há norma habilitante clara para dizer o que é que é receita de cada uma das regiões autónomas, o Governo permite-se, ele próprio, definir o que é que é receita de cada uma das regiões autónomas.
O que se pretende é fazer uma clarificação legal. Aquilo que se pretende é que não se continue com esta indefinição, que não beneficia nem o Estado, nem o País, nem as regiões autónomas. Assim, o Partido Socialista, se não aprovar esta norma, pretende que o Governo e o País continuem nesta indefinição; continuar nesta indefinição só beneficia o Governo, não beneficia os portugueses que residem nas regiões autónomas. E algo me faz pensar que o Governo e o Partido Socialista não aceitam esta proposta. O Governo que me faz pensar assim é o mesmo que, unilateralmente, cessou as negociações sobre a Zona Franca da Madeira, não seguindo o exemplo de Espanha, das Canárias, cujo governo apoiou as Canárias nesta negociação da zona franca. Ora, o Governo ao cessar as negociações unilateralmente, algo que é inaceitável e que desrespeita as relações que devem existir entre o Governo da República e os governos das regiões autónomas, fez com que a Região Autónoma da Madeira fosse altamente prejudicada e, ao sê-lo, foi, obviamente, prejudicado o País. Não há nada que justifique este tipo de atitudes.
Quanto a esta questão muito concreta da definição do que é a receita da Região Autónoma da Madeira, nada justifica que o Governo não queira aceitar a definição nem apresente uma alternativa. Apresentem uma alternativa! Para terminar, pergunto: por que é que o Governo não quer que se defina o que é receita da região e o que é receita de Portugal, do País, do Governo, do continente?
Aplausos do PSD.
(…)
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (Sérgio Vasques): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, inicia-se, hoje, a discussão do capítulo fiscal da proposta de Orçamento do Estado para 2011 e este é um texto que assenta em opções claras quanto àquilo que pode e deve ser a política fiscal do Governo numa época de crise.
(…)
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — O Sr. Deputado Hugo Velosa chamou a atenção para uma proposta, apresentada pelo PSD, no tocante à fixação de critérios de repartição da receita fiscal entre as regiões e o continente. Em primeiro lugar, sejamos claros, a Lei de Finanças das Regiões Autónomas já fixa critérios absolutamente claros de repartição da receita fiscal entre as regiões e o continente e, de modo algum, o Governo aceitará proceder a uma revisão encapotada da lei das finanças regionais por ocasião da discussão do Orçamento do Estado. Não há aspectos que não estejam clarificados na Lei de Finanças das Regiões Autónomas que não possam ser burilados, trabalhados, num plano administrativo, e, para este efeito, aliás, o Governo já constituiu, conjuntamente com os governos regionais, um grupo de trabalho que está a preparar soluções administrativas, que dispensam qualquer alteração da legislação em vigor. Uma nota ainda para reafirmar aquela que é já a posição clara deste Governo nesta matéria: o Governo não trará — repito, não trará — a esta Câmara qualquer proposta de alargamento dos benefícios fiscais aplicáveis à Zona Franca da Madeira.
Aplausos do PS
(…)
O Sr. Presidente: — Passamos agora ao artigo 94.º-A. Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Velosa.
O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Esta proposta é idêntica à do IRS, mas em termos de IRC. Não vou falar propriamente sobre a proposta, mas quero dizer que, no caso do IRC, ainda é mais normal que exista uma norma habilitante para definir os critérios de repartição de receita, porque, enquanto que o Código do IRS já tem norma para este efeito, o Código do IRC não tem qualquer norma sobre esta questão e isto faz com que eu tenha de responder à intervenção do Sr. Secretário de Estado. O Sr. Secretário de Estado diz que a lei das finanças regionais fixa critérios e que isto se trataria de uma revisão encapotada. Sr. Secretário de Estado, a lei das finanças regionais fixa princípios gerais e não critérios e, se calhar, é por isto que existe um grupo de trabalho. Vou à minha primeira intervenção: se existe um grupo de trabalho para ir definindo quais são os critérios de repartição, então é porque a lei das finanças regionais não é suficiente para este efeito. É necessário, Sr. Secretário de Estado, mais tarde ou mais cedo, definir os critérios que estabeleçam quais são exactamente as receitas que são das regiões autónomas e as receitas que não são das regiões autónomas. Eu não entendo por que é que, havendo aqui Deputados da Região Autónoma dos Açores e sabendo eu que a Região Autónoma dos Açores e o seu Governo Regional defendem o estabelecimento desses critérios, não se pronunciam sobre esta matéria? Por que é que temos de continuar a viver nesse não-critério, que depende, no fundo, daquilo que o Governo de Lisboa entende que deve ser, ou não deve ser, das regiões autónomas?
Para nós, é claro: o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que falou em nome do Governo, não quer, acha que não se deve, sem fundamento, definir quais são as receitas que são das regiões autónomas e as que não são das regiões autónomas. Por isso, pergunto, e penso que com legitimidade: quem é que apoia no Governo estas posições do Sr. Secretário de Estado? Para terminar, deixe-me que lhe diga, Sr. Secretário de Estado, que o não trazer, como disse, novamente, à Assembleia da República a renegociação sobre a Zona Franca da Madeira, para nós, ficou muito claro: Portugal precisa de outro Secretário de Estado ou de outro Governo!
Aplausos do PSD.
(…)
O Sr. Honório Novo (PCP): — Quanto ao artigo 92.º, pergunto-me por que é que ficam de fora os benefícios fiscais à Zona Franca da Madeira e por que é que ficam de fora os benefícios fiscais de todas as SGPS.
(…)
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Duas ou três observações breves, em primeiro lugar, para responder, uma vez mais, ao Sr. Deputado Hugo Velosa, que nos disse que, em matéria de IRC, falta um critério de repartição das receitas entre as regiões autónomas e o continente. Não falta, de todo! Esse critério está presente na lei, é o volume de negócios, e não há nenhuma necessidade de o reproduzir no Código do IRC. Mais ainda: não é, seguramente, necessário, para acautelar as repartições das regiões, instituir obrigações contabilísticas acrescidas sobre as empresas que tenham uma actividade plurilocalizada e obrigá-las a uma segregação contabilística dos rendimentos produzidos nas regiões autónomas e no continente. O Sr. Deputado Hugo Velosa disse-nos que a recusa do Governo em trazer a esta Câmara um alargamento dos benefícios fiscais para a Zona Franca da Madeira significa que, porventura, está na altura de mudar de Governo ou de Secretário de Estado. Este juízo cabe, julgo eu, aos eleitores, mas uma coisa posso dizer-lhe, com toda a frontalidade: enquanto o Governo tiver este Secretário de Estado, não virá, a esta Câmara, qualquer proposta de alargamento dos benefícios fiscais da Zona Franca da Madeira.
(…)
O Sr. Deputado Honório Novo, além destas questões do reporte, às quais penso já ter dado alguma resposta, pergunta ainda ao Governo por que é que, na limitação adicional do artigo 92.º do Código do IRC, não estão também abrangidos os benefícios da Zona Franca da Madeira e das SGPS. Repito a resposta que julgo já lhe ter dado numa outra ocasião: quanto às SGPS, reconhecerá o Sr. Deputado que o Governo, nesta proposta de Orçamento do Estado, muito concretamente através da alteração do artigo 32.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, está já a trazer uma alteração profunda do quadro de tributação das SGPS, nomeadamente no que toca à distribuição de dividendos.
O Sr. Honório Novo (PCP): — Ah! Não pode ser tudo de uma vez?!…
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — Em segundo lugar, há que notar que os benefícios fiscais não só ao investimento mas também os relativos à Zona Franca da Madeira, estes últimos têm uma natureza que é quase contratual…O Sr. Honório Novo (PCP): — Não é contratual, depende da opção do Governo!
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — … e julgamos que não podem merecer a solução que está aqui a propor. Em todo o caso, entendemos que o debate sobre estes benefícios poderá ser feito melhor aquando da discussão, nesta Câmara, do projecto de resolução que aqui foi apresentado pelo PSD e pelo CDS-PP, recomendando ao Governo o alargamento de benefícios.
O Sr. Honório Novo (PCP): — Isso não são coisas a sério! São coisas a brincar!"
(...)(fonte: Diário da Assembleia da República)

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