segunda-feira, novembro 25, 2024

“Bónus” de mandatos ao partido vencedor das legislativas é a solução para um Governo estável?

UTAO sugere que seja atribuído ao partido do Governo mandatos extra por forma a alcançar uma maioria estável no Parlamento. Partidos mais pequenos só entram na AR se conseguirem 3% dos votos. E se, nas próximas eleições legislativas, o partido mais votado ganhasse automaticamente deputados extra por forma a alcançar uma maioria estável que apoiasse o Governo em funções? A sugestão foi deixada pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) no âmbito da discussão sobre o Orçamento do Estado para 2025 (OE2025), numa altura em que a proposta do Governo entra na fase de debate na especialidade, depois de ter sido aprovada na generalidade pela Assembleia da República, na passada quinta-feira. Aos olhos dos politólogos, esta poderá ser uma solução para minimizar os cenários de instabilidade política, mas admitem alguma resistência dos partidos — especialmente dos mais pequenos.

“Vindo da UTAO, o que se pretende [com esta proposta] é gerar um equilíbrio político, económico e também nas finanças públicas. A instabilidade política motiva instabilidade económica e social, e com isto a UTAO quer tentar assegurar uma democracia estável e um Governo que tenha o seu tempo de longevidade normal”, aponta Paula Espírito Santo, politóloga e investigadora do Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP), em declarações ao ECO. Mas o que diz a proposta? Ora, a equipa de economistas “deixa à consideração pública” a “criação de um mecanismo que reforce a probabilidade de haver no Parlamento uma maioria de deputados que apoie o Governo em funções”.

“Trata-se de combinar o sistema de representação proporcional existente com a introdução de uma expressão aritmética que atribua um determinado número de mandatos adicionais ao partido mais votado nas eleições legislativas, em caso de vitória sem maioria absoluta de deputados”, explicam. Por outras palavras, ao partido que ganhasse as eleições legislativas ser-lhe-iam atribuídos mandatos adicionais para reforçar a sua posição parlamentar, garantindo, desta forma, uma maioria estável e um apoio mais seguro ao Governo, à semelhança do que acontece na Grécia, desde 2023.

Nas eleições do no passado naquele país a regra foi: se o partido ou coligação pré-eleitoral tiver tido, pelo menos, 25% dos votos nas urnas, ganha um bónus de 20 lugares. Ademais, um lugar adicional é-lhe atribuído por cada 0,5 pontos percentuais que tiver obtido nas urnas depois dos 25% dos votos, até perfazer um máximo de 50 mandatos extra. No caso grego, há uma outra regra em vigor há mais tempo e que se mantém: só entram para o Parlamento (composto por 300 deputados) os partidos que tiverem tido o mínimo de 3% dos votos nas eleições parlamentares.

Em termos práticos, e transpondo diretamente a regra para Portugal, num cenário em que este sistema eleitoral vigorasse, a Aliança Democrática (AD), que conseguiu 28,83% dos votos e elegeu 78 deputados do PSD e dois do CDS/PP, nas últimas eleições legislativas, teria direito a mais 20 deputados. Considerando que a Assembleia Nacional é composta por 230 deputados, o acréscimo seria de 27, perfazendo um total de 105 deputados. Neste cenário, a proximidade de deputados atual com o PS (78 deputados) deixaria de ser uma realidade.

Em sentido contrário, o PAN deixaria de ter representação parlamentar por ter conquistado apenas 1,95% dos votos.

“O nosso sistema atual com as listas proporcionais por distrito, já incorpora, implicitamente, um bónus para partidos mais votados, permitindo a formação de maiorias“, explica André Azevedo Alves, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica.

“Não se trata de um bónus explícito como no sistema grego, mas o que acontece, é que há um conjunto de votos desperdiçados nos partidos mais pequenos, e em especial nos círculos que elegem menos deputados. O efeito dos votos desperdiçados é, na prática, um bónus para os partidos maiores”, detalha o politólogo, aludindo ao método d’Hondt, sistema que distribui os assentos parlamentares em proporção ao número de votos obtidos por cada partido. Na última ida às urnas, em março, quase 1,2 milhões de votos não serviram para eleger deputados, prejudicando, sobretudo, os partidos mais pequenos.

Mas com base neste sistema sugerido pela UTAO, o “bónus” deixaria de ser implícito e seria concedido ao partido com mais votos, permitindo alcançar uma maioria estável.

“De certa forma, a sugestão acaba por distorcer o método de Hondt e do sistema proporcional. Podemos dizer que num plano abstrato gera maior conforto ao partido que ganhar. No fundo, a própria representação eleitoral acaba por ser uma forma de desempate considerando que a solução política e parlamentar pode não gerar o equilíbrio que se pretende nem uma maioria absoluta”, avalia Paula Espírito Santo.

Maioria estável ameaça consenso democrático?

“Conforto” é de facto o adjetivo mais adequado para caracterizar este cenário, uma vez que um partido que tenha uma maioria estável deixa de estar criticamente dependente de consensos políticos para fazer aprovar propostas na Assembleia da República. Ou até mesmo Orçamentos do Estado.

“Um sistema mais proporcional apela mais ao consenso e diálogo, o que por um lado é positivo mas facilita crises políticas“, alerta André Azevedo Lopes. “Por outro lado, sistemas maioritários conferem maior segurança“, diz.

Porém, aos olhos do especialista, não será por isso que este sistema se torna “mais ou menos democrático”, uma vez que os deputados continuam a ser eleitos através de “uma eleição livre e com regras aceites”. “É, no entanto, um sistema que apela menos ao consenso e à negociação, e valoriza mais o confronto entre o Governo e a oposição“, argumenta.

Por seu turno, embora reconheça que essa possa ser uma realidade, Paula Espírito Santo recorda que o “poder tem como objetivo manter-se” e que, por norma, os partidos que formam Governo “não se limitam apenas àquela legislatura de quatro anos”.

“A capacidade de diálogo, de introdução de propostas dos seus opositores e a própria retórica política estará sempre presente. O principal eixo do sistema democrático é a capacidade de negociar sabendo que os partidos têm uma base muito volátil”, diz ainda a politóloga, recordando que no último mandato do Governo de António Costa (2022-2023), o ex-primeiro-ministro procurou levar a cabo essa responsabilidade mesmo governando com uma maioria absoluta. “Não se pode fechar as portas ao diálogo, se não seria subverter a lógica do sistema democrático”.

Novo sistema arriscaria sobrevivência dos partidos mais pequenos

No relatório, a UTAO deixa claro que este mecanismo não promove a formação de “maiorias absolutas”, mas sim procura “aumentar a probabilidade de haver um Governo com apoio maioritário no Parlamento”. Neste cenário, sugere a entidade liderada por Rui Baleiras, “as coligações pós-eleitorais poderão tornar-se mais frequentes do que até hoje“.

“Um mecanismo assim daria maior protagonismo a partidos pequenos do que o status quo, pois poderiam aspirar, com maior frequência, a fazer parte das soluções de Governo (ter ou não ter representantes no Governo é outra questão, a decidir entre as partes)”, lê-se no relatório. No entanto, mesmo que fosse proposta uma revisão constitucional, não é líquido que, para além do PS e do PSD, essa seja uma vontade das restantes bancadas parlamentares. O Bloco de Esquerda, por exemplo, já se manifestou contra a sugestão deixada pela UTAO.

“Não vai ser fácil convencer os partidos mais pequenos“, prevê Paula Espírito Santo. “Os partidos vão tentar perceber se isto compromete, de alguma forma, a sua longevidade e/ou sobrevivência. Por via da coligação, a proposta precavê a dificuldade que possam ter de eleger ou de se fazer ouvir, mas pode diluir a existência dos partidos“, aponta a politóloga.

“Isto é um sistema que cria condições para os partidos mais pequenos se dissiparem nas coligações“, explica André Azevedo Lopes, referindo, a título de exemplo, e neste contexto, um cenário no qual a Iniciativa Liberal (IL) iria a eleições coligada com o PSD e o CDS-PP. “Obviamente que não significaria que os liberais desapareceriam, mas acaba por limitar a margem de sobrevivência da IL“.

E fora do quadro dos pequenos partidos, o Chega, enquanto terceiro maior partido, passaria a reunir condições de protesto. “André Ventura cavalgaria a proposta como uma tentativa de PS e PSD se blindarem face à concorrência do Chega que hoje, nas sondagens, destaca-se como o terceiro maior partido”, refere André Azevedo Lopes. “Mais do que prejudicar os pequenos partidos, seria uma espécie de conluio do PS e PSD para se protegerem face ao Chega“ (ECO online, texto da jornalista Jéssica Sousa)

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