Ao fim de longos meses, uma parte das pessoas que tiveram covid continuam a ter sequelas, nalguns casos debilitantes. Muitos mistérios permanecem. Na altura em que passa um ano sobre as primeiras mortes oficiais por covid-19 em muitos países, tenta-se fazer o balanço do que mudou nas formas de encarar a doença. Ao início, muitas das manchetes tinham a ver com pessoas entubadas, hospitais sobrecarregados, devastações em lares de idosos, camiões-frigorificos usados para guardar cadáveres e outras notícias e imagens dramáticas. Mas à medida que a compreensão da doença evoluiu, um dos aspetos que ficou claro foi a possibilidade de mesmo pessoas que se curaram da doença ficarem com sequelas de longo prazo.
"Covid longa", ou de longo prazo (long covid), a expressão que designa esse fenómeno, refere-se a situações que vão para além das doze semanas e cobre uma grande variedade de sintomas. Os mais comuns, aparentemente, têm a ver com fadiga e dificuldades respiratórias. Também se fala em sequelas cardíacas e "névoa mental" (brain fog). Numa entrevista à BBC, uma mulher antes saudável de 48 anos explicou que, meses após ter tido a doença, mesmo ir passear o cão ainda representava um tal esforço que ela não conseguia falar ao mesmo tempo.
A sua visão também fora
alterada. E, de vez em quando, os sintomas agravam-se. "É como se houvesse
uma inflamação no meu corpo que anda aos altos e baixos e não me consigo livrar
dela", descrevia. "Aparece e desaparece e volta a aparecer".
GRANDE VARIEDADE DE
SINTOMAS
Outros sintomas reportados
têm a ver com diminuição da memória de curto prazo - o tipo de problema que nos
faz esquecer o que tínhamos ido buscar à cozinha no momento em que lá chegamos,
ou qual era a tarefa que tínhamos de fazer. Perda de olfato ou paladar,
diarreia, dores de estômago, tonturas, tinitus, dores nas articulações e
insónia são sequelas igualmente referidas.
Os cientistas têm notado
que muitos sintomas da "covid longa" não são exclusivos da covid-19,
tendo-se constatado no caso de vírus anteriores, como o Sars e o Mers. Mas a
dimensão da pandemia agora em curso faz com que chamem a atenção a um nível que
antes não acontecia.
Em setembro, o
norte-americano CDC (Centers for Disease Control) notou que os pulmões estão
longe de ser os últimos órgãos a sofrer com a covid-19. O coração é outro órgão
em relação ao qual existe preocupação: "Problemas cardíacos associados à
covid-19 incluem inflamação e lesões no próprio músculo do coração, conhecidos
como miocardite, ou inflamação no invólucro do coração, conhecida como pericardite".
"Estas condições
podem acontecer por si mesmas ou em combinação", acrescentava o CDC.
"Lesões cardíacas podem ser uma parte importante da doença severa e morte
por covid-19, especialmente em pessoas idosas com doenças pré-existentes.
Também podem explicar alguns sintomas de longo prazo frequentemente reportados
tais como falta de ar, dores no peito e palpitações".
UMA SEGUNDA CRISE DE SAÚDE
GLOBAL?
Embora muitas respostas
continuem por encontrar, tanto para a covid longa como para outros aspetos da
doença, três tipos de causas têm sido referidas: inflamatórias, vasculares e
neurológicas. Em muitos casos, poderá ter havido uma reação "excessiva"
ao vírus por parte do sistema imunitário .
Um estudo do King's
College de Londres explicou que a asma, a obesidade e o sexo da pessoa são duas
condições que aumentam o risco de covid longa. Segundo a instituição,
"mulheres entre os 50 e os 60 anos têm o risco mais elevado", com uma
probabilidade de virem a sofrer covid longa que é oito vezes superior à de
pessoas entre os 18 e os 30 anos.
A duração da infeção, bem
como a própria falta de exercício durante a doença, também podem ser fatores
relevantes. E convém notar que o risco se estende a todas as faixas etárias,
crianças incluídas. Um estudo publicado na Suécia em janeiro revelou que mais
de 200 crianças, com idade média entre os 11 e os 13 anos, apresentavam
sintomas de covid longa.
A perceção do problema já
levou ao aparecimento de clínicas especializadas em vários países. Embora a
covid longa esteja presente em apenas uma minoria das pessoas que tiveram a
doença (as estimativas variam entre uma em cada 45 e uma em cada dez, ou até
mais), a condição é suficientemente debilitante para ter justificado um alerta
específico do diretor-geral da Organização Mundial de Saúde, em outubro do ano
passado.
A covid longa é mais um
motivo para rejeitar a estratégia da chamada imunidade de grupo - exceto a que
resultar da vacinação em massa (as vacinas parecem não produzir sintomas do
mesmo tipo). Para as pessoas que ficaram doentes e ainda têm sequelas, a
situação é mais difícil. William Li, um biólogo, disse recentemente à CNN que,
ao fim de um ano, continuam a surgir novos sintomas.
Ao todo, já existem mais
de cem diferentes e há quem fale numa segunda crise de saúde global, depois da
pandemia. Como em tudo o que tem a ver com a covid-19, a aprendizagem tem sido
diária e aparentemente ilimitada (Expresso, texto do jornalista Luís M. Faria)
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