segunda-feira, março 16, 2015

Opinião: "ESTAMOS MELHORES?"



Frequentemente ouvimos dizer, tarefa a cargo de uma propaganda incompetente e já ridicularizada em diversas ocasiões, que o país está melhor. Obviamente que em termos de contas públicas o programa de ajustamento assinado por Sócrates com a troika e aplicado entre 2011 e 2014, gerou resultados positivos mas muito distantes do pretendido. Mau seria que assim não fosse, depois das patifarias cometidas nestes quatro anos em nome da austeridade “salvadora” de um país que se limitou a viver de cócoras perante os mercados, a banca, os “lobbies” financeiros e o capitalismo europeu e mundial de uma maneira geral.
Contudo, já em termos sociais e económicos, esse mesmo programa de ajustamento deixou marcas profundas, expressas no aumento da pobreza, no aumento dos problemas nas famílias e nas empresas, no roubo de pensões e reformas, no ataque aos rendimentos dos trabalhadores, na liberalização dos despedimentos selvagens em nome da criação de “emprego” (que na realidade não passa da institucionalização de uma abjeta selvajaria exploradora de mão-de-obra), nas privatizações selvagens forçadas para que eles amealhassem uns patacos com impacto no défice, à custa da venda do país a retalho, na austeridade bandalha e acelerada, enfim, num conjunto de procedimentos que nada tiveram a ver com a versão original do memorando de entendimento assinado com a troika mas antes com caprichos e opções ideológicas protofascistas do governo de coligação instalado no poder em Lisboa graças à mentira na campanha eleitoral de 2011 e às habilidades e manipulação monumental a cargo de grupos de pressão e de outros grupelhos instalados na sociedade portuguesa e que atuam na sombra e nos esgotos da política, da finança e da economia. Mas vivendo sempre do orçamento e do tráfego de influências e consequente manipulação dos processos decisórios.
Em situações normais o que se exigiria das pessoas, num ano duplamente eleitoral seria o ajuste de contas com quem foi responsável, de facto, por tudo o que se passou nos últimos quatro anos no nosso país. Mas isso é matéria que diz respeito à liberdade, à consciência, à decisão dos cidadãos e à sua escolha, até porque os que foram os principais causadores da falência do país contam agora com alegadas vantagens decorrentes da memória curta do povo português, achando até que podem ganhar eleições, quatro anos depois da falência do país que (des) governaram durante seis anos com Sócrates à cabeça do pelotão.
Esta nossa realidade social, económica e orçamental explica por que razão a OCDE reconheceu o desacelerar da economia portuguesa, essencialmente porque dependemos de fatores exógenos que não controlamos mas que nos afetam. Ou que a Comissão Europeia tenha decidido manter-nos sob vigilância por mais um ano e que o Eurogrupo tenha esta semana reconhecido que provavelmente serão necessárias mais medidas de austeridade adicionais para que as metas do défice previstas para 2015 se concretizem. Como estamos em ano eleitoral, toda a gente desmente tal cenário que seria absolutamente fatal para a coligação de Passos Coelho e do CDS. O problema é saber se até Setembro ou Outubro o governo de coligação terá possibilidade de resistir a essa pressão da Europa e dos mercados.
Antes disso estou convencido que a patifaria da governação - falo concretamente do escandaloso agravamento do IMI, um roubo bem demonstrativo de como este governo de coligação de hipócritas consegue os “sucessos” de que tanto se orgulha – será confrontada com um inevitável aumento da contestação popular, sobretudo quando os cidadãos começarem a ser notificados pelas Finanças e perceberem que a esmagadora maioria deles pagará mais IMI em 2015, o que faz com que, num contexto de dificuldades acrescidas, as ameaças de penhora das casas que tanto esforço representaram nas poupanças e nos rendimentos de milhares de famílias, acabem por ser uma inevitabilidade.
Não entendo como é que perante todas estas patifarias em torno do IMI e que penalizam os cidadãos, a corja de bandalhos no poder, que sabia perfeitamente o que iria acontecer, não impediu que por causa do fim da clausula-travão no IMI possam registar-se para muitas famílias aumentos dos valores daquele imposto da ordem dos 500%, apesar da maioria delas ser obrigada a pagar em média, entre 30% e 40% a mais do que pagaram no ano anterior.
Não acredito, muito sinceramente, que perante uma situação desta gravidade, e quando as famílias continuam a braços com uma queda abrupta de rendimentos, quando os desempregados continuam a ser aos milhares, muito perto do milhão de pessoas (falo do desemprego real, sem a manipulação e as aldrabices do poder, sempre que se trata de aldrabar indicadores estatísticos incómodos), quando o aumento da pobreza, confirmado pelo INE, é factual e não uma ficção, os portugueses fiquem calados e de braços cruzados, incapazes de reagirem perante uma provocação do poder aos cidadãos já demasiado martirizados pela austeridade que lhes foi imposta de uma forma acelerada e cega.
É mais do que evidente que não podemos aceitar a propaganda que insiste, só porque estamos em vésperas de eleições, na ideia de que estamos todos bem. Não estamos coisa nenhuma. Porventura estarão melhores do que estavam em 2011 as finanças públicas, em termos do controlo da despesa pública, já que a dívida portuguesa continua a roçar os 130% do PIB o que não deixa de ser estranho e escandaloso.
Quando ficamos a saber, esta semana, que "há mais famílias e empresas sem conseguirem pagar a tempo os empréstimos" o que faz com que o crédito em incumprimento tenha voltado a aumentar em Janeiro, com o malparado a chegar aos 8,57% dos empréstimos concedidos pelos bancos", percebemos logo a aldrabice. Segundo o Banco de Portugal, dos 208.866 milhões de euros de empréstimos a particulares e a empresas, 17.909 milhões de euros "são considerados créditos vencidos, que deveriam ter sido pagos pelos clientes, mas que não foram amortizados dentro do prazo". Repare-se que entre Dezembro de 2014 e Janeiro de 2015, "registou-se um aumento do montante absoluto do crédito vencido (em 282 milhões de euros), mas este não foi o único fator a contribuir para o agravamento do rácio do incumprimento. O total dos empréstimos também encolheu, diminuindo a base de crédito a partir da qual se calcula a percentagem de malparado". Contudo o "incumprimento é mais elevado nos empréstimos empresariais, onde o rácio do malparado abrange já perto de 15% de todo o crédito concedido: são 12.545 milhões de euros num total de 85.654 milhões de empréstimos, o correspondente a 14,65%. É o valor mais alto desde 1997, ano em que o banco central iniciou o registo destes dados"
Há dias fomos confrontados com a advertência do Eurogrupo de que Portugal poderá ter que necessitar de mais medidas para atingir o compromisso do défice para este ano, um objetivo ainda ao alcance mas cujo cumprimento não está assegurado. Basicamente a Comissão Europeia "duvida que Portugal consiga colocar o défice abaixo dos 3% do PIB, tal como se comprometeu" apesar de reconhecer que o nosso país "está a fazer alguns progressos com as reformas estruturais". A Comissão Europeia aponta para um défice de 3,2% do PIB, quando Portugal anunciou um valor abaixo dos 3%, cenário que Bruxelas considera que não será conseguido sem que sejam adotadas mas medidas de austeridade.
Todos percebemos que, por estarmos em período eleitoral - talvez porque PSD e CDS, apesar de empenhados em se manterem no poder, tentado ganhar mais-valias eleitorais com a imagem de confusão e de fragilidade patenteada pelo PS de Costa, ainda não formalizaram a coligação que alguns tanto desejam - a ministra das Finanças, ao contrário do habitual, foi célere a contrariar as previsões do Eurogrupo e a negar a necessidade de adoção de mais austeridade, apesar de ter reconhecido que poderão ter que ser feitos ajustamentos, caso sejam necessários, mas sem especificar quais e como.
Percebe-se esta pressa da ministra: a meses de novas eleições, e com o IMI a prometer alguma instabilidade social e contestação, o que faltava a esta coligação Passos-CDS seriam mais medidas de austeridade que certamente serão tomadas depois das eleições, caso a coligação seja a mais votada, por muito paradoxal e estranho que isso possa parecer.
Mas estamos realmente bem? Repito, as finanças públicas parece que sim, apesar de continuarmos a braços com uma dívida estranhamente acima dos 130% do PIB. E as pessoas? Obviamente que essas não estão melhores, pelo contrário. Os problemas são mais que muitos, agravam-se, não se perspetivam soluções, há uma instabilidade social motivada pelo medo de mais austeridade, pelo que é importante que nas urnas os cidadãos pensem e decidam antes de fazerem as suas opções. Talvez por causa esta nossa realidade, a Bloomberg, na elaboração do seu índice das economias mais miseráveis tenha colocado Portugal na 10.ª posição de um “ranking” de 51 países liderados pela Venezuela. O nosso país tem a 10.ª economia mais miserável do 'ranking' da Bloomberg, numa lista que é obtida somando, em cada país, a taxa de desemprego ao valor da inflação.
O "vencedor" destacado desta competição é a Venezuela, que vive com uma inflação galopante (64% pelo menos), desemprego em alta, escassez de bens de primeira necessidade e perspetiva uma contração de 7% no PIB para este ano. Argentina e África do Sul completam o pódio, ainda que com valores que não chegam a metade do índice venezuelano. Ucrânia - um país em guerra e com o desemprego a crescer -, Espanha, Rússia - a braços com uma crise quase sem precedentes no valor do rublo -, Croácia e Turquia são os restantes países colocados à frente de Portugal nesta lista. Com uma taxa de desemprego acima dos 13% e a inflação que rondará, segundo o FMI, os 1,2% dificilmente Portugal deixaria de figurar no "top 10" dos "miseráveis.
Melhores? Obviamente que isso é treta. (LFM/JM)